Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Grande mídia no limiar da Parapolítica com Doria Jr. e Justus, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Em 2010, no programa “Show Business”, João Doria Jr e Roberto Justus especulavam a possibilidade de ambos serem candidatos a algum cargo público. Tudo em tom de brincadeira. Hoje, o primeiro já é prefeito e o segundo cogita ser candidato à presidência em 2018, na esteira de Trump, também ex-apresentador do reality Show “O Aprendiz”. Enquanto isso, a crise política criada pelo demissionário ministro do MinC, Marcelo Calero, repercute na vida real o drama ficcional do filme “Aquarius” – Calero tentou faturar politicamente na entrevista concedida ao “Fantástico” da Globo. Em política não há coincidências: há conspiração ou sincronismo. E a junção estratégica desses dois elementos chama-se Parapolítica. Enquanto a Política faz isso de maneira empírica e irrefletida, a Mídia e Indústria do Entretenimento conseguem fazer esse alinhamento de forma consciente. Justus, Trump e Doria Jr. têm a interpretação naturalista: falam o tempo inteiro que não são políticos. São “gestores” e “administradores”, assim como um ator faz o chamado “laboratório” de um personagem para representar de forma naturalista o papel. Tão naturalista, que passa acreditar na própria interpretação. Ao contrário do político tradicional, que ainda vive a tensão entre a verdade e a mentira – a dissimulação. É o limiar de um momento histórico: a guinada para a midiatização da Política (Parapolítica), sem intermediários ainda apegados ao jogo cênico teatral das aparências dissimuladas.

No final de um domingo e madrugada de segunda feira, outubro de 2010, era transmitida mais uma edição do programa Show Business. Enquanto a maioria dos brasileiros já estava em suas camas, dormindo, para enfrentar mais uma segunda-feira, a Band mostrava um inacreditável diálogo entre João Dória Jr., então apresentador do programa, e Roberto Justus, estrela do programa O Aprendiz, da Record – assista ao vídeo no final dessa postagem.

Doria Jr. e Justus trocavam elogios e discutiam a possibilidade de ambos serem candidatos a algum cargo público, em particular a presidência. Doria Jr. especulava sobre a possibilidade de Justus ser candidato na eleição à presidência em 2014.  Justus retribuiu: “sabe com quem combina ser candidato? Dória Jr! Esse é íntegro e competente…”. E Doria Jr. encerrou: “Para um Brasil mais justo, Roberto Justus!”. “Já tem até um lema…”, respondia Justus, entre risos.

Tudo sempre foi levado em tom de galhofa e ironia. Até Doria Jr, ser eleito prefeito da cidade de São Paulo e Roberto Justus, após fazer parte da reunião do chamado “Conselhão” (Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico) neste mês em Brasília, confirmar a possibilidade de sair finalmente candidato às eleições 2018. 

Em política não existem coincidências. Há conspirações (“maquiavelismos”) ou sincronismos. A junção desses dois elementos produz a Parapolítica – o alinhamento consciente desses elementos para conferir força simbólica através da canalização de arquétipos – espécie de storytelling de personagens que povoam o inconsciente coletivo humano. 

Em outras palavras: Parapolítica é um conceito mais elaborado para um velho provérbio sobre eventos políticos considerados improváveis: “jabuti não sobe em árvore”.

É impossível não perceber a série de sincronismos e ironias envolvendo eventos políticos recentes. Todos apontando para produtos midiáticos como se esses eventos repercutissem narrativas ficcionais anteriores – filme, reality show, talk show etc.  

Impeachment e sincronicidades

Primeiro, a sincronia das datas do rito do impeachment da presidenta Dilma Rousseff com eventos do mês de abril: Golpe Militar de 1964 e a deposição do presidente João Goulart, Massacre de Eldorado dos Carajás, a morte de Tiradentes, líder da Inconfidência Mineira no Brasil Colonial, a morte do presidente Tancredo Neves. Além de ser um período que inspira homicidas e loucos a cometerem atentados pela sincronia com a data de nascimento de Hitler – 20 de abril. Os ratos jogados numa CPI do Congresso aproximaram ainda mais com as táticas históricas de militantes nazi – sobre isso clique aqui.

É claro que qualquer dia do ano é sempre marcado por acontecimentos passados. Porém, nem todos serão “coincidências significativas” – ideia que é o princípio do conceito de sincronicidade. 

Segundo evento, a recente renúncia do ministro da pasta da Cultura Marcelo Calero acusando o articulador político do governo Temer, Geddel Lima, de pressioná-lo para que o Iphan (órgão subordinado à Cultura) aprovasse projeto imobiliário em área histórica tombada na Bahia. Geddel possuía apartamento no empreendimento. 

Ironicamente, esse episódio real ecoa a narrativa ficcional do filme brasileiro Aquarius, símbolo de resistência do mundo artístico ao golpe político. Assim como no filme a protagonista resiste a investida de uma construtora para a compra do prédio onde mora para a construção de um moderno empreendimento imobiliário, da mesma forma o pivô da crise do governo Temer é um empreendimento moderno em área histórica em Salvador/BA.

Cena do filme brasileiro “Aquarius”

Os sincronismo ainda se aprofunda sabendo que o próprio Aquarius foi motivo de vaias contra o ministro Calero em festivais de cinema por ter sido um filme preterido a indicação da disputa ao Oscar. Suspeita-se que a recusa ao filme seria uma retaliação do Governo aos protestos dos atores, contra o impeachment de Rousseff, no Red Carpet do Festival de Cannes. 

Somada a vitória eleitoral à presidência dos EUA do empresário Donald Trump (apresentador do reality show The Apprentice), fica clara a recorrência de narrativas ficcionais ou eventos históricos e simbólicos por trás de todos esses eventos políticos.  

O processo final de impeachment e o simbolismo nacional e internacional do mês de abril, reality show e talk show que projetaram Doria Jr., Justus e Trump para a opinião pública, além de uma trama palaciana de Brasília replicando a ficção do filme Aquarius

A dramaturgia de Marcelo Calero

A saída de um suposto ministro neófito do MinC, denunciando pressões em favor de benefícios pessoais de Geddel Lima tem um evidente elemento conspiratório clássico. Um ex-político do PSDB (candidato a deputado federal pelo RJ em 2010), diplomata de carreira e ex-secretário municipal da cultura do Rio de Janeiro, converte-se no pivô da maior crise do atual governo.

De vidraça apedrejada pela indignação transformou-se em homem-bomba que pareceu cirurgicamente colocado em um ministério aparentemente periférico (era para ser transformado em secretaria), mas que, como sempre, conta com a gula de algum PC Farias de plantão – alguma eminência parda sempre em busca de benefícios cada vez maiores e que morda facilmente uma isca jogada. 

Assim como o desinterino Temer mordeu (talvez inebriado pela crença de que conta com o apoio incondicional da grande mídia), levando a crise ingenuamente para o próprio gabinete presidencial.  

A conspiração (ou maquiavelismo) do homem-bomba contou involuntariamente com a oportuna sincronia do filme Aquarius, motivo dos desgastes nos festivais de cinema por onde Calero passou. 

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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