Imprensa precisa substituir o denuncismo por agenda positiva, por Carlos Alberto Di Franco

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – O jornalista Carlos Alberto Di Franco publicou artigo no Estadão desta segunda (6) criticando o “culto do denuncismo” adotado pela imprensa nos últimos séculos em detrimento da “análise séria e profunda” e da criação de um espaço para agendas positivas, ou seja, para a exploração de temas que “iluminam” a sociedade e que estão frequentemente distantes da cotidiano das pessoas. 
 
“Precisamos (…) valorizar editorialmente inúmeras iniciativas que tentam construir avenidas ou vielas de paz nas cidades sem alma. É preciso investir numa agenda positiva”, defendeu. 
 
“Denunciar o avanço da violência e a falência do Estado no seu combate é um dever ético. Mas não é menos ético iluminar a cena de ações construtivas, frequentemente desconhecidas do grande público, que sem alarde ou pirotecnias do marketing colaboram, e muito, na construção da cidadania”, acrescentou.
 
Veja o artigo, abaixo, na íntegra.
 
 
Por Carlos Alberto Di Franco
 
No Estadão
 
Negativismo e mediocridade
 
O negativismo da mídia é uma forma de falsear a verdade. A vida, como os quadros, é composta de luzes e sombras. Precisamos denunciar com responsabilidade. Mas devemos, ao mesmo tempo, mostrar o lado positivo da vida.
 
A fórmula de um bom jornal reclama uma boa dose de interrogações. A candura, num país de delinquência arrogante, acaba sendo um desserviço à sociedade. A astúcia não pode ser debelada com terapias ingênuas. É indispensável o exercício da pergunta consistente, da dúvida limpa e honesta. Essa atitude, contudo, não se confunde com o marketing do catastrofismo.
 
“Bad news are good news” – o mote, alardeado pelos militantes do jornalismo cinzento, tem produzido um excesso de matérias em lá menor. O negativismo gratuito é, sem dúvida, uma das deformações da nossa profissão. “O rabo abana o cachorro.” O comentário, frequentemente esgrimido em seminários e debates sobre a imprensa, esconde uma tentativa de ocultar algo que nos incomoda: nossa enorme incapacidade de trabalhar em tempos de normalidade.
 
Alguns setores da mídia, em nome de suposta independência e de autoproclamada imparcialidade, castigam diariamente o fígado de seus leitores. Dominados pelo vírus do negativismo, perdem conexão com a vida a real. O jornalismo não existe para elogiar, argumentam os defensores de uma imprensa que se transforma em exercício sistemático de contrapoder. Tem uma missão de denúncia, de contraponto. Até aí, estou de acordo. A impunidade, embora resistente, está se enfrentando com o aparecimento de uma profunda mudança cultural: o ocaso do conformismo e o despertar da cidadania. Por isso a imprensa investigativa, apoiada em denúncias bem apuradas, produz o autêntico jornalismo da boa notícia. Denunciar o mal é um dever ético.
 
Impressiona-me, no entanto, o crescente espaço destinado à violência nos meios de comunicação, sobretudo nos telejornais. Catástrofes, tragédias, crimes e agressões, recorrentes como chuvaradas de verão, compõem uma pauta sombria e perturbadora. A violência, por óbvio, não é uma invenção da mídia. Mas sua espetacularização é um efeito colateral que deve ser evitado. Não se trata de sonegar informação. Mas é preciso contextualizá-la. O excesso de violência na mídia pode provocar fatalismo e uma perigosa resignação. Não há o que fazer, imaginam inúmeros leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. Acabamos, todos, paralisados sob o impacto de uma violência que se afirma como algo irrefreável e invencível. E não é verdade. Podemos todos – jornalistas, formadores de opinião, estudantes, cidadãos, enfim – dar pequenos passos rumo à cidadania e à paz.
 
A deformação, portanto, não está apenas no noticiário violento, mas na miopia, na obsessão seletiva pelo underground da vida. O que critico não é o jornalismo de denúncia, mas o culto do denuncismo, a opção pelo sensacionalismo em detrimento da análise séria e profunda. Estou convencido de que boa parte da crise da imprensa pode ser explicada pelo isolamento de algumas redações, por sua orgulhosa incapacidade de ouvir os seus leitores.
 
Os anos de chumbo da ditadura foram os melhores aliados da mediocridade profissional. A luta contra o arbítrio escondeu limitações e carências. A censura, abominável e sempre burra, produziu heróis verdadeiros, mas também gênios de fachada. Quatro linhas de protesto, independentemente da qualidade objetiva da matéria, já eram suficientes para conferir um passaporte para a celebridade. A democracia, no entanto, tem o poder de derrubar inúmeros mitos. A estabilidade conspira contra a manchete fácil. O rabo deixa de abanar o cachorro. 
 
Precisamos, ademais, valorizar editorialmente inúmeras iniciativas que tentam construir avenidas ou vielas de paz nas cidades sem alma. É preciso investir numa agenda positiva. A bandeira a meio pau sinalizando a violência sem-fim não pode ocultar o esforço de entidades, universidades e pessoas isoladas que, diariamente, se empenham na recuperação de valores fundamentais: o humanismo, o respeito à vida, a solidariedade. São pautas magníficas. Embriões de grandes reportagens. Denunciar o avanço da violência e a falência do Estado no seu combate é um dever ético. Mas não é menos ético iluminar a cena de ações construtivas, frequentemente desconhecidas do grande público, que sem alarde ou pirotecnias do marketing colaboram, e muito, na construção da cidadania.
 
Quando eram crianças, o estudante de Engenharia Mateus Foz Caltabiano, de 19 anos, e sua irmã, Maria, de 17, costumavam doar roupas e brinquedos a pessoas carentes, incentivados pelos pais. Em 2013 tiveram uma ideia diferente: arrecadar livros com amigos e conhecidos. A ação foi um sucesso. “Conseguimos 5 mil exemplares, que abarrotaram uma sala inteira de nossa casa”, conta o garoto. Para fazer a distribuição os dois embarcaram, com a família, para o Maranhão. “Elegemos esse destino porque é o Estado com um dos menores índices de desenvolvimento humano do País”, explica o rapaz. Eles pagaram a viagem com recursos próprios. Foram mais de 30 dias, das férias escolares, de expedição. Encantados com a experiência, os irmãos decidiram criar, em 2014, a LêComigo, organização sem fins lucrativos que distribui livros doados em escolas e comunidades pobres de todo o Brasil. Descobertos pela revista Veja, os irmãos foram um registro luminoso num cipoal de notícias negativas. 
 
É fácil fazer jornalismo de boletim de ocorrência. Não é tão fácil contar histórias reais, com rosto humano, que mostram o lado bom da vida. “Quando nada acontece”, dizia Guimarães Rosa, “há um milagre que não estamos vendo.” O jornalista de talento sabe descobrir a grande matéria que esconde no aparente lusco-fusco do dia a dia. No fundo, a normalidade é um grande desafio e, sem dúvida, o melhor termômetro da qualidade.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

2 Comentários

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  1. Hipocrisia pouca é bobagem

    Interessante esse sr., ligado ao Instituto Millenium, só propor agenda positiva agora… será q faria o mesmo se Dilma ainda estivesse na presidência?

  2. A TV está fazendo…

    a sua parte. O que tem de risadas, ou melhor, gargalhadas, dancinhas, alegria falsa e exagerada,” não está em Gibi algum “. As apresentadoras e apresentadores de telejornais, parecem histéricos, ao querer passar tanta alegria. Falam com uma rapidez , que quase não se entende o que é dito. Os programas de auditórios tem mais luzes que a Broodway (?) , além de pisca piscas e cores que nos deixam cegos.

    Só não nos deixam esquecer o lado escuro, devidamente ocultado, quando interessa.

    Argh !

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