Lilian Pacce promove o colonialismo e convoca pessoal pra trabalhar de graça, por Matê da Luz

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Por Matê da Luz

É com imenso pesar que escrevo essa nota hoje, porque de fato chega uma hora que cansa: a gente nada, nada, nada, batalha contra a corrente por respeito, direitos iguais, profissionaliso e tantas outras coisas e, de repente, vê um veículo que é referencial no mundo da moda dand uma mancada enorme dessas. Tá certo, tem mancadas muito piores acontecendo no mundo todo, a moda é superficial e totalmente volátil mas, se você pensar um pouco, o modus operandi é o que incomoda, justamente porque a parte mais forte – o empregador – maquia o anúncio pra se apropriar da parte mais fraca – o empregado. 

Um jornalista anunciou que a Lilian Pacce está oferecendo uma vaga para a cobertura do São Paulo Fashion Week, um dos maiores, senão o maior, eveto de moda nacional. O que acontece nessa cobertura jornalística, vou contar pra você porque já trabalhei lá dentro, é uma verdadeira maratona sub-humana de uma semana inteira se debatendo entre outras quase centenas de jornalistas em busca de uma aspa do estilista, uma foto da modelo, as grosserias tradicionais e a necessidade de ser o primeiro a postar o furo – isso se você conseguir entrar no backstage, o que dificilmente vai acontecer se não for apadrinhado por um enorme portal ou expoente nesse mundinho. Resumindo, uma produção enorme de conteúdo preferencialmente exclusivo em tempo real e sob muita pressão, mais ainda pro cargo (anunciado) de estagiário. Um trabalho insano mesmo que remunerado, perceba. 

Mas o anúncio aproveita pra destacar que “não temos verba mas temos bom coração” e que quem aceitar a proposta vai abrilhantar o CV com a experiência. Isso acontece direto no Brasil, em tantas esferas e, de verdade, parece que não vai acabar tão cedo – a caixa de emails do jornalista que anunciou a vaga deve estar cheia de gente querendo “aproveitar a oportunidade”.

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Daí eu te pergunto: como é que a gente quer prosperar enquanto um empregador acha que a experiência que vai dar pra gente como profissional é mais relevante do que pagar pelo investimento que a gente fez em educação? Aliás, você sabe calcular a média do valor do seu trabalho? Eu, pelo menos, raramente ouvi falar sobre os fatores a serem levados em consideração, porque a pressão pelo ingresso no mercado de trabalho e a água da vida batendo na bunda empurram a gente pro “é o que tem pra hoje”. Só que esse hoje está literalmente acabando com a gente como pessoa, como sociedade, como oportunidade. Sem romancear muito, nunca houve tanta gente com doenças de fundo psíquico – e, acredite, este tipo de sub-valorização tem interferência direta nesse ciclo. 

Está mais do que na hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor – e, pra que isso aconteça, é necessário que cada um de nós saiba que o tem e, ainda, que a equação entre o mais forte e o mais fraco seja mais baseada no escotismo do que no colonialismo, priorizando que o maior toma conta do menor, e não se aproveita dele. 

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Mariana A. Nassif

14 Comentários

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  1. Enquanto haver os senhores,

    Enquanto haver os senhores, haverá escravos. Jornalistas gosta de se gabar (novinhos). Vai lá cheirar a bunda do senhor.

  2. Em sendo escolhido

    Em sendo escolhido engrandecerei meu curriculo com um tópico diferencial:

    Trabalhei uma semana sem me alimentar, cagar e mijar. Tô internado desnutrido mas, PÔ! trabalhei com a dona Lilian Pacce.

    Se o pessoal da Vogue não me contratar depois dessa é porque são uns babacas.

  3. O fim da profissão

    A profissão de jornalista nunca esteve tão abaixo da cola do cachorro… Profissionais experientes estão sem trabalho, enquanto as poucas vagas são preenchidas por quem  se vende por qualquer preço – ou até de graça – principalmente para estar no vídeo ! Depois que jornalismo e entretenimento se misturaram isso ficou ainda pior. Quem quer ser celebridade e antes escolheria ser ator, atriz…hoje vai para o jornalismo mesmo ! Acabará saindo em capa de revista de moda, de casa&jardim etc…Imagino quantos CV esse anúncio vai receber de jovens em busca de fama e glamour. E quem sabe dessa ânsia, aproveita o “trabalho escravo”.

    1. Isso é que me dói…

      Saber que um grande número de jovens profissionais vão correr atrás disso, se engalfinhar de unhas e dentes por isso, e ainda vão concordar com esse tipo de coisa, sem qualquer leitura crítica…

  4. Ainda dão uma esnobada…

    Se você não está tão a fim, não é legal e vai mandar o CV só por mandar, te peço: NÃO MANDE. Não gaste seu tempo nem o meu.

    Capitalismo à brasileira: o cara faz um porrilhão de exigências, dentre elas que “seja legal” (como se avalia isso num profissional?), que domine não sei quantos softs, não vai te pagar por uma semana de trabalho excruciante e na qual você vai ser basicamente boy de luxo, carregador de bagagem e recebedor de ordens ríspidas, e ainda esnoba.

    Ainda fala como se estivesse te fazendo um IMENSO FAVOR e você devesse agradecer a ele a chance de ser humilhado, explorado e submetido a esse mundo irracionalmente esnobe da moda!

    O Brizola tinha razão, esse país precisa de um choque de capitalismo!

  5. Não vejo qualquer problema.

    Não vejo qualquer problema. As condições do anúncio são claras. Não há nada ilegal, embora até possa ser questionado do ponto de vista ético. Quantos de nós já não trabalhamos de graça para um partido político? Eu já tirei dinheiro do bolso para fazer campanha para o PT e o farei novamente caso Lula seja candidato em 2018.

    1. Uma coisa é trabalhar

      Uma coisa é trabalhar voluntáriamente para uma instituição política ou filantrópica sabendo que são organizações sem fins lucrativos. 

      Outra, é trabalhar gratuitamente para a Globo (GNT)  ou para o site da jornalista que é muito bem remunerada.

      Aí meu caro, é mera exploração. 

  6. Parece Pele de “Gato por Lebre”

    O mais “estelionatário” nisso tudo, não é o “de grátis”, é disfarçar que precisam de alguém para participar da cobertura (dão preferencia a quem faz jornalismo, especialmente rádio e TV), mas muito provavelmente não para fazer a cobertura (basta observar as considerações da Matê, expert no metiê), o que exigem mesmo, de fato, necessário, é que seja expert em “Final Cut” e “Photoshop”. 

    Para bom entendedor, meia palavra do “jornalista travestido de hh” (ou seria ao contrário?), basta: o orçamento do profissional da área não encaixou no orçamento dos promotores da oportunidade, o que ao menos, não deixa de ser uma verdade, desde que o candidato entenda o texto e queira arriscar-se ao petisco, explicitamente descartado. Mas “sonhar não custa nada”, já trabalhar… 

  7. Nao entendi nem sequer como

    Nao entendi nem sequer como isso eh legal!  Em qualquer convencao aqui, tudo eh altamente organizado e particularizado:  no Javits Center, por exemplo, voce nao pode nem colocar nem tirar uma tomada de computador na parede que seja, o sindicato nao deixa.

  8. Não vejo nada demais.
    Como

    Não vejo nada demais.

    Como disse o comentarista Paulo o anuncio é muito claro.

    Além do que , entrar no evento SPFW é para poucos e muita gente dá a vida para estar lá e quem sabe conhecer algum famoso.

    Pode-se comparar quase que como os voluntários da olimpiadas e da copa do mundo.

    Se tem demanda, por que não ofertar ?

    Eu não iria nem se me pagassem, mas se tem quem gosta, qual o problema ? Ninguém está sendo enganado.

    Artigo bem desnecessário.

  9. A arte de ser escravo da futilidade e a resposta da Sra. Pacce

    Hobsbawn considerava que os artesões da moda (os desenhistas, os estilistas) eram os melhores capacitados para antecipar condicionantes que moldariam a sociedade no futuro. Há, no entanto, uma linha muito tênue entre a arte-moda e a futilidade-moda.

    Arte-moda é para poucos, demanda séculos de maturação, gesta-se de forma DISCRETA e PACIENTE para se estabelecer como padrão absoluto. Consolidado, basta-se por si só. Como exemplo, pode-se citar o caso da incorporação natural e gradual, no século XIX, da arte-moda japonesa no mundo ocidental. É desta perspectiva de arte-moda que se nutrem as tendências futuras (no exemplo apresentado, a ruptura a intransponibilidade oriente-ocidente, ou engajamento de uma primeira onda globalizante, no século XX).

    Futilidade-moda é a perspectiva de muitos, um “conceito”, em estado puro, de arte fast-food. Fio de meada, diga-se distorcido e grosso, do coulbertismo francês, hoje se vê materializado no estridente mundo de grifes, dos holofotes do fashion world, assim como de suas atitudes, como a adoração de ícones divinizados (na verdade, seres humanos dos mais frágeis), condicionando regras elementares de comportamento. Ao invés de antecipar tendências futuras, conforma elementos do pretérito.

    Aqui está a resposta da Sra. Pacce acerca do episódio. (publicado no facebook de seu assessor-jornalista):

    “Erramos. Antes de mais nada nos desculpamos. Estou fora em uma viagem a trabalho e por isso demorei a me inteirar do conteúdo do post que gerou reclamações contra mim, o site e o autor, em cuja página pessoal o texto – infeliz – foi publicado. Ele mesmo percebeu o erro rapidamente e o retirou do ar em seguida. Tampouco o seu conteúdo é válido, pois não é nosso desejo, do autor, meu ou do site desvalorizar a profissão que escolhemos e que exercemos com paixão há tantos anos. Tenho orgulho de ter dado oportunidade para pessoas sem experiência nenhuma que se tornaram referência tanto no jornalismo quanto na moda: uma lista que vai de José Simão e Zeca Camargo a Aurea Calcavecchia, Renata Kalil e Sylvain Justum, para citar apenas alguns. A todos que nos alertaram e se preocuparam conosco, agradeço a atenção, pois confiança e cobrança nos fazem querer melhorar, inclusive aprendendo com erros”. Lilian Pacce

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