Linguista Teun Van Dijk analisa o discurso dos movimentos sociais e fala como imprensa “demonizou” Dilma e o PT

Van Dijk é um dos mais importantes expoentes da Análise Crítica do Discurso e autor, entre vários outros livros, de “Discurso e Poder”

No evento do IEL/Unicamp, a professora Anna Christina Bentes, o professor Teun Van Dijk e a professora Edwiges Morato; ao centro, o “robô-professor”, que garantiu a qualidade da transmissão do evento híbrido

Linguista Teun Van Dijk analisa o discurso dos movimentos sociais e fala como imprensa “demonizou” Dilma e o PT

por Eliara Santana, especial para o GGN

A palestra do linguista, professor e pesquisador Teun Van Dijk, no dia 3 de março, marcou a retomada das atividades presenciais no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. O seminário “O discurso dos movimentos sociais” foi promovido pelos grupos de pesquisa Margens (coordenado pela professora e pesquisadora Anna Christina Bentes) e COGITES (coordenado pela professora e pesquisadora Edwiges Morato). O evento mostrou que a universidade brasileira não poupa esforços para provocar mais e mais “balbúrdia”. O seminário ocorreu no formato híbrido (presencial e online) e envolveu a utilização de um “professor-robô” que transmitia simultaneamente a palestra para o canal do IEL no Youtube.

O mote principal do seminário foi a abordagem do discurso dos movimentos sociais, que é a pesquisa mais recente de Teun Van Dijk, mas a conversa se desdobrou por vários outros assuntos. Professor da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, e diretor do Centro de Estudos do Discurso, Van Dijk é um dos mais importantes expoentes da Análise Crítica do Discurso e autor, entre vários outros livros, de “Discurso e Poder”, “A notícia como discurso” e “Discurso e Contexto”. No Brasil, desenvolveu estudos críticos sobre o discurso midiático e o impeachment da ex-presidente Dilma Roussef, com análises sobre os editoriais do jornal O Globo e o modo de retratar o governo Dilma, o ex-presidente Lula e o PT. Nessas análises, o pesquisador ressaltou que a campanha massiva da mídia contribuiu para o desgaste da então presidenta e para o sucesso do impeachment. 

Na abertura do seminário no IEL, a professora Anna Christina Bentes ressaltou a importância de um momento como aquele – de debate, conversa e pesquisa – para retomar, com alegria e disposição, as atividades presenciais: “Estamos tentando fazer o nosso trabalho, e com o engajamento por um mundo melhor”. A professora Edwiges Morato, por sua vez, enfatizou que aquele era, de fato, um “momento histórico” de retomada e enfatizou a importância dos estudos da linguagem.

Em sua palestra, Van Dijk destacou, em meio a várias outras abordagens, a dimensão sociopolítica dos movimentos sociais, ressaltando que é preciso “compreender o discurso da resistência”. Comentando sobre a realidade brasileira, o pesquisador ressaltou que é bastante visível o aumento da pobreza no país sob o governo Bolsonaro. 

Tive a satisfação de participar do evento no IEL/UNICAMP e de conversar com o professor Van Dijk sobre o papel do discurso midiático na recente história política brasileira. Entre outras coisas, ele disse que, se tivesse tempo, “gostaria muito de fazer outra vez, antes das eleições, a análise da cobertura atual da imprensa brasileira sobre o PT” – nem é preciso dizer que adoraríamos ver essa análise.

Trago aqui para vocês mais um pouco dessa excelente conversa, resultado da “balbúrdia” que a universidade brasileira insiste em promover.

Eliara Santana: Como você observa a construção da narrativa midiática em relação aos movimentos sociais?

Teun Van Dijk: Muitas vezes, são textos muito negativos – por exemplo, analisando a repercussão do movimento Black Lives Matter na mídia norte-americana, a cobertura não é muito positiva. Eu analiso a imprensa desde os anos 1980, antes de trabalhar com o discurso dos movimentos sociais; fiz muitas análises, por exemplo, sobre como a mídia conservadora na Inglaterra analisa o racismo – então, isso não é necessariamente diferente. Eles têm todo um vocabulário muito negativo para descrever essas pessoas, esse movimentos.

ES: No Brasil, quando observamos movimentos como o MST e o MTST, a cobertura midiática é muito menos favorável – esses movimentos quase nunca aparecem no noticiário. Você acha que é possível identificar esse traço comum, ou seja, a mídia tem esse padrão de tratamento para os movimentos sociais?

Teun Van Dijk: Sim, é muito claro. Em geral, para a imprensa de direita, o inimigo é ideológico. Então, ela (a imprensa) tem uma maneira de descrever todos os níveis dos textos, de representar as ações dos movimentos de maneira negativa, ideológica – ou seja, parece uma descrição objetiva, mas de fato não é. São as estruturas de mídia clássicas. Há, nos Estados Unidos, o que se chama de “paradigma do protesto” – ou seja, como a mídia escreve sobre os protestos sociais.

ES: Você fez análises de editoriais de jornais brasileiros sobre o governo Dilma Rousseff já no processo de impeachment. Tomando a perspectiva da notícia como discurso, qual o impacto dessa construção na narrativa midiática sobre o impeachment?

Teun Van Dijk: Nos artigos, eu analisei como os editoriais estavam escrevendo sobre o  PT, sobre Lula, sobre Dilma e como eles os demonizavam – e isso é muito claro e foi uma causa principal do impeachment de Dilma. Uma coisa interessante é ver, agora, como o mesmo jornal, O Globo, está escrevendo sobre Bolsonaro – eles também não são grandes amigos. O que aconteceu é que, graças também à cobertura no Globo, ocorreu o impeachment e ocorreu a eleição de Bolsonaro – eles eram uma das causas, precisamente, do governo de Bolsonaro, e agora eles não são grandes amigos. Então, por um lado, o jornal não é pró-PT, mas também não pode ser pró-Bolsonaro – portanto, ele tem agora esse dilema complicado. Se eu tivesse tempo, gostaria muito de fazer outra vez, antes das eleições, a análise de como agora a imprensa escreve sobre o PT, sobre Lula também. Claro que ainda é muito negativo.

ES: Mas já podemos notar uma mudança no tom…

Teun Van Dijk: Sim, claro. Eu gostaria de comparar, agora, muitas das coisas que analisei cinco ou seis anos atrás, tenho muito interesse. Gostaria muito de ver como eles vão manipular as eleições – é mais complicado, porque eles podem ser anti-Bolsonaro e anti-PT…

ES: Você avalia que a notícia, como discurso, cumpre também o papel de alimentar crenças?

Teun Van Dijk: Claro. A perspectiva principal do meu trabalho é analisar as estruturas do discurso e as maneiras de pensar – as pessoas não vão pensar espontaneamente sobre Lula, o PT, Dilma. Elas têm várias maneiras para isso (construir esse pensamento) – falar com os colegas, com os amigos, a família, e, sobretudo, pela mídia tradicional e, agora, pelas mídias sociais. Então, seria interessante para ver as estruturas dominantes na mídia tradicional (como elas funcionam) entrevistar as pessoas e perguntar “o que você acha sobre tal e tal coisa” e analisar se as ideias são originais e têm a ver com a experiência das pessoas ou se são coisas que elas estão adotando da imprensa. Isso eu gostaria muito de poder fazer – não são ideias espontâneas que elas têm. E também observar os comentários nas redes sociais sobre mídia, sobre a Globo, sobre a Folha de São Paulo; agora está mais complicado porque, antes, era somente a dominação da mídia tradicional, agora há também as redes sociais. Outra vez a relação entre estruturas sociais, quem tem o poder, quem fala, quem contesta os grupos de poder; por exemplo,  o Jornal Nacional, de um lado, e as redes sociais de outro. Portanto, uma maneira de estudar o que está na cabeça das pessoas é ver, por exemplo, os comentários delas nas redes sociais. Agora, você tem mais dados, mas a situação é muito mais complexa.

Redação

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