Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Luta simbólica da esquerda é vulnerável contra retórica da guerra híbrida midiática, por Wilson Ferreira

 

por Wilson Ferreira

O escritor e dirigente sindical Roberto Ponciano no seu artigo “Cultura, Violência e Direito à Insurreição” observa uma “docilidade cultural” que parece tomar as manifestações no Brasil e alerta: “Nesse ritmo de paz e amor em que estamos, embalados pelos showmícios de Caetano, ao menos nos tornaremos escravos mais alegres do mundo”. O editor do blog “O Cafezinho”, Miguel do Rosário, aponta que essa opinião revela “a inapetência da esquerda em fazer luta simbólica”, luta que corresponderia ao próprio campo da Comunicação”. Porém, essa “luta simbólica” confronta a chamada “Guerra Híbrida” cuja principal estratégia é a dessimbolização ou retórica da destruição. Diante disso, a criação de simbolismos de “luta e resistência” mais parece uma prescrição alopática de cura pelos opostos: se a mídia desinforma, vamos informar. Se a mídia dessimboliza, vamos então criar símbolos. Por que não a metodologia, por assim dizer, homeopática: a cura pelos semelhantes? Responder à simulação e mentira com ações diretas dentro do campo da comunicação também com simulações e mentiras, direcionadas ao próprio campo de dessimbolização da mídia corporativa. Táticas de “pegadinhas” e “trolagens” já existem – Cuture Jamming e Media Prank, por exemplo.

Duas crianças brincam juntas com seus brinquedos. Uma com dois anos e a outra três anos mais velha. Pouca diferença de idade mas, nesse período inicial da infância, uma defasagem fundamental. 

A criança mais velha se esmera em fazer uma torre com blocos de madeira. É observada pela outra. Quando termina, olha orgulhosa para sua pequena peça de engenharia lúdica. Impulsivamente, a criança de dois anos derruba a torre num só golpe, e rapidamente espalha para todos os lados todos os demais bloquinhos de madeira e se diverte com tudo.

Com cinco anos a criança já ingressou no jogo simbólico – através da brincadeira do faz de conta ela quer assimilar e simbolizar o mundo: imaginar, representar, criar. Enquanto aos dois anos ela pensa de forma egocêntrica – pensa o mundo a partir de si mesma: seus impulsos, prazer e gozo. No seu estágio pré-simbólico seu maior prazer é o imediato. É muito mais fácil destruir do que construir.

O prazer da criança de dois anos está na entropia, desordem, caos. Enquanto a mais velha estoicamente persiste na sua pequena engenharia lúdica.

 

Docilidade cultural

Toda essa pequena cena introdutória é para iniciar um contraponto à resposta que o jornalista Miguel do Rosário, editor do blog O Cafezinho, deu ao escritor e dirigente sindical Roberto Ponciano no seu texto “Cultura, Violência e Direito à Insurreição” – clique aqui

Ponciano observa uma certa “docilidade cultural” que parece ter tomado conta das atuais manifestações políticas no Brasil. Depois de observar que não vivemos tempos de “paz e amor” e de que a esquerda perdeu “a dimensão do risco de fazer parte do movimento social, coisa que tínhamos até o fim da década de 70”, e de que “nossa sociedade é violenta” na qual a polícia existe “para evitar que a favela desça e destrua o asfalto”, o autor conclui de forma contundente: “Nesse ritmo de paz e amor em que estamos, embalados pelos showmícios de Caetano, ao menos nos tornaremos escravos mais alegres do mundo”. 

Miguel do Rosário discorda de Ponciano por depreciar o estilo “cultural e festivo” das manifestações políticas no Brasil. Para ele, o autor estaria caindo na velha “inapetência da esquerda partidária em fazer a luta simbólica”, uma das supostas causas das suas derrotas no Brasil.

Para Rosário, a “luta simbólica” corresponde à “luta no campo da comunicação”. “A comunicação política, para ser eficaz, precisa de cultura. Ou seja, precisa de chicos, caetanos, emicidas e mano brows”, argumenta. Mas, por outro lado, apoia o diagnóstico de Ponciano dizendo que “o golpe é brutal, avança muito rápido e é chegado o momento de atitudes mais objetivas”.

Guerra híbrida e luta simbólica

Esse humilde blogueiro pede a licença para discordar tanto de Rosário quanto de Ponciano. Apesar das críticas de Rosário ao diagnóstico de Ponciano sobre manifestações políticas festivas que, quando terminam, o País volta a entrar na (a)normalidade, creio que ambos articulistas incorrem numa certa incompreensão da “luta simbólica no campo da comunicação”. Mas principalmente de uma utilização incorreta do conceito de “simbólico”.

Enquanto Ponciano fala em “confronto duro” e “resistência”, Rosário aponta para a necessidade de “cultura” na luta no campo da comunicação. Talvez, algo assim como a música “Pense e dance” do Barão Vermelho ou “Comida” dos Titãs – “Agente não quer só comida/a gente quer comida, diversão e arte”.

 

“Luta” e “resistência” são alguns dos simbolismos mais caros para as esquerdas. Sofrimento e dor expostos como denúncias simbólicas contra tiranias. Algo como o jornalista Antonio Barbosa Filho sugeriu ao dizer que “Lula preso é o herói que a esquerda romântica deseja”. Como Gramsci, Lula escrevendo as “Cartas do Cárcere” diretamente das masmorras da PF de Curitiba, denunciando o “Estado policial, o arbítrio e o golpismo” – clique aqui.

Como enfrentar a chamada Guerra Híbrida (conjunto de estratégias de engenharia de percepção pública e táticas de ação direta nas ruas iniciada em 2013 para desestabilizar o governo Dilma até o impeachment – o que nós denominamos como “bombas semióticas”) através das armas de uma luta simbólica no campo da comunicação?

A questão é que até aqui tivemos uma batalha desigual, não tanto pela questão da diferença econômica e tecnológica – o monopólio da grande mídia X blogs e a “mídia técnica” da Secom nos governos petistas. Mas principalmente pelas naturezas totalmente opostas de como lidam com a comunicação: a Guerra Híbrida dessimboliza a comunicação; enquanto as esquerdas querem fazer luta simbólica na comunicação.

Dessimbolização e a retórica da destruição

Voltando à pequena cena introdutória, as esquerdas agem como a criança de cinco anos: buscam construir narrativas simbólicas (a pequena torre com bloquinhos de madeira) para representar uma realidade. Enquanto isso, tal como a criança de dois anos, a grande mídia e todo o conjunto das táticas de guerra híbrida dessimbolizam – criam pânico, medo, desordem, ódio, caos.

Enquanto as esquerdas querem criar simbolismos (por exemplo, a resistências das senadoras que ocuparam a mesa da presidência como protesto para impedir o prosseguimento da aprovação das “reformas trabalhistas”), a mídia corporativa dessimboliza – não há metáforas, apenas metonímias e lateralidade: aproximar, justapor notícias para criar contaminações, desordenar narrativas para criar dissonâncias, ambiguidades, insegurança.

Há protestos na avenida Paulista? Aparecem black blocs atiçando a violência policial que passam a ser o foco midiático principal, ignorando a pauta da manifestação. Greve? Foco midiático nas queixas e incertezas de usuários do transporte público.

 

A mídia corporativa desinforma, enquanto as esquerdas tentam informar através de gestos e atos simbólicos. A grande mídia está fora dos cânones da representação, enquanto as esquerdas ainda nutrem a esperança iluminista da denúncia e a revelação da verdade para a História. 

Lula escreverá as “Cartas do Cárcere” que entrarão para a História como as do Gramsci? Será que no futuro as “Cartas” serão baixadas em PDF por usuários com trabalho precarizado cuja renda mal dará para pagar uma conexão de Internet decente? O golpe é brutal e avança rápido. 

Como escreve Miguel do Rosário “é chegado o momento de atitudes mais objetivas”. Porém, o diagnóstico e o remédio prescrito parece sempre estar no campo da alopatia: a cura pelos opostos – a mídia desinforma? Então, vamos informar. A mídia dessimboliza, as esquerdas confrontam com gestos e atos simbólicos.

Para a mídia corporativa destruir é mais fácil do que construir, desinformar é mais fácil do que informar. Como a pequena criança de dois anos da cena acima, a entropia e desordem são mais prazerosas pelo egocentrismo. O que no final ganha o apoio da opinião pública pelo prazer psíquico regressivo infantil de ver tudo se desmoronando, dada a aversão à política ou qualquer forma de representação – não é à toa que certa vez Walter Benjamin disse que “as massas assistem fascinadas o espetáculo da sua própria destruição”.

Alopatia e homeopatia política

Acredito que a saída seja através da cura pelos semelhantes – um método homeopático. Se a grande mídia opera no campo da dessimbolização, da destruição e da desinformação, as esquerdas deverão também agir no mesmo campo. Dessimbolizar ou destruir a própria mídia. Em seu próprio campo.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

10 Comentários

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  1. Wison volta a focar tema

    Wison volta a focar tema fundamental. Sua análise e sugestão são 100% válidas. Esse contra-ataque deve incluir outros procedimentos e exige grande articulação, como também custo elevado. Mas a criativdade pode contribuir muito. Nesse aspecto, os blogs independentes tem muiito a oferecer. 

  2. O poder é o objetivo!

    Parece que é claro a todos, fomos através de um golpe retirados do poder e é só isto que interessa, qualquer ação real é importante, desde as mais singelas porém concretas, as mais evidentes e fortes.

    As oligarquias jogam pesado e não é como diz o artigo que dá origem a isto tudo com shows que se produz efeito, é com açoes concretas e claras, identificar o inimigo e ir contra ele. Como? Cada um escolha seu modo de ação.

  3. Vejamos o que dizem os doutores da Igreja.

    Santo Agostinho admite o tiranicídio, como um ato individual iluminado por Deus, já São Tomás de Aquino não chega admitir explícitamente o tiranicídio, entretanto ele não recorre a atos de inspiração divina mas dá parâmetros mais lógicos na luta contra os tiranos. Como ele acha que o estado é uma instituição natural ele não é favorável a atos contra o estado como o Tiranicídio, porém deixa claro  que a luta contra o tirano deixa não é uma sedição, pois sendo antes o tirano, aquele que utiliza o poder no seu próprio interesse e contra o bem comum, ele é o verdadeiro sedicioso.

    Em outras palavras São Tomás de Aquino deixa clara a intervenção contra o tirano, “aquele que usa o poder no seu próprio interesse” e por isto lutar contra ele (só não diz como deve ser esta luta, afinal a Suma Teológica é um livro religioso e não um manual de guerrilha!) não é sedição, é lícito e moral.

  4. Guerra Híbrida e Alienação

    O maior problema de se tratar a mídia como o bicho papão, e a possibilidade de se alienar os próprios quadros, quem é o adversário? a mídia? O capital? A direita? Os ruralistas? Os EUA? A bancada da bala? Os evangélicos? TODOS ELES? 
    Este é o maior perigo, ao tratar a própria mídia como inimiga, deve-se ter entre seus quadros, se não uma posição sólida e coerente, no mínimo, uma liderança ou pelo menos uma sigla, ou símbolo que aglutine as esquerdas. O fatal seria, que todo esse combate e denúncias soassem teorias de conspiração, e nesse quesito, ao menos já se tem o exemplo mór, não só pela sua escala,mas também pela sua singularidade: Donald Trump. O icônico não é somente essa pessoa ter se construído através do embate direto contra a mídia, mas também por essa pessoa ter conseguido sim apontar para tudo e todos, atacar, humilhar, espernear, mas sim, ao mesmo tempo conseguir ser um símbolo aglutinador, com seu nome rosto e bordões, sim essa pessoa pode ter reunido ao seu redor tudo o que há de mais reacionário, trouxe a superfície tudo aquilo e aqueles que supostamente já tinha sido com sucesso digerido e “evacuado” pela história. Porém, ele chegou lá. Enfrentou e empregou com sucesso a guerra híbrida, lutou, perseverou e venceu tudo e todos e conquistou a Casa Branca. Gostaria de pensar que o desafio que as esquerdas tem no Brasil é menor, mas é exatamente por isso que não é o caso, não existe “a esquerda”, ou mesmo “a direita”, acho que o verdadeiro desafio, não começa por desafiar o bicho papão, mas sim que o campo da esquerda tenha, tanto em termos mais clássicos como legendas e militância organizada, mas tanto no campo da simbologias, algo que as aglutine, algo que esteja acima das disputas internas e não seja de fato motivo de insegurança para o próprio campo (o PT, e o Lula, talvez?). 
    Talvez o momento atual exija mais ação do que auto crítica, contudo, se já estamos vivendo uma tragédia, um novo revés seria o apocalipse, a potencial destruição de tudo aquilo que foi construído desde a redemocratização, com isso em mente, é difícil não estar aflito.

  5. Adotar a mesma tatica da

    Adotar a mesma tatica da direita seria encampar o “quanto pior melhor”, o que talvez se traduziria em integrar o governo e apoiar as reformas? Ou menos, apenas livrar o Temer da cadeia em troca de parar as reformas.

  6. PQP

    A esquerda não aprende

    Um fala uma coisa e logo vem outro para discordar

    Entra um terceiro para discordar dos outros dois,  e um quarto para discordar de todos. Etc Etc

    Não aprendem que somente degolando algumas milhares de gargantas coxinhas poderemos ter este dialogo frutifero.

    Antes disso, é conversa de bebado

  7. Vamos olhar a floresta

    Para o poder as esquerdas  são tão necessárias quanto um “sparring” para o boxeador.

    Ele precisa de um adversário, um inimigo, alguém pra socar e justificar o seu domínio sobre o povo.

    Fizesse o Brasil o que fizesse, mesmo a Dilma  terminando o seu mandato, o próximo “round”  seria da direita.

    Resistíssemos e seríamos uma Venezuela.

    Não que estejamos em melhor situação.

    Esquerda é pra lutar. Quando vence, ou vira direita ou volta a ser derrubada.

    Nossa história não cansa de demonstrar isso.

     

  8. Falou o cara que quando o
    Falou o cara que quando o governo da Dilma estava desabando fez coro com os coxas… Criticando o governo dia sim e outro também

  9. Em todas as frentes e de todos os modos

    Um amigo, sempre que se aproxima de um coxinha, vai logo dizendo:

    ” O Lu…!”

    O rebote é imediato:

    ” O Lula é ladrão, é um bandido, é um safado…”

    O amigo desanda a rir muito, e o coxinha, não raro, se dá conta da sua inconsciência, do reflexo mais do que condicionado da sua reação.

    E o amigo, ainda rindo muito, diz em seguida:

    “O lustre, eu estava falando do lustre que quebrou.”

     

    O golpe foi para tirar o Partido dos Trabalhadores do poder e destruir por completo a reputação do maior líder – e símbolo – político popular da nossa história. A resposta dos que estamos enxergando o desmanche do Brasil deveria ser a realização do oposto desse objetivo dos traidores e tiranos, que estão destruindo, principalmente, a alma de uma Nação e de um povo.

    Vida longa ao PT e ao Lula.

     

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