Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Madonna e Bono Vox fazem o País cair na real, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Surreal ironia: enquanto o motorista da Universidade Federal conduzia este humilde blogueiro para uma palestra no Rio no dia 24, orientado por um aplicativo que em tempo real envia alertas de locais com tiroteios, assaltos e arrastões, lá em cima, em cerimônia no Cristo Redentor, estavam membros da elite artística e tecnológica global. Entre eles, Madonna, Bono Vox e Elon Musk, convidados para o casamento de uma modelo brasileira com um empresário da indústria do entretenimento mundial. No dia seguinte, Madonna posou na Rocinha com roupa de camuflagem ao lado de policiais orgulhosamente exibindo armas. Enquanto, na turnê brasileira, Bono Vox e o U2 hastearam a bandeira nacional em um telão sob a exortação “censura nunca mais!”. Casamentos-ostentação sempre ganham espaço na grande mídia em épocas de crise e acirramento da desigualdade. Mas dessa vez, o momento é especial: o ativismo-clichê de Bono Vox e a euforia de Madonna em área de violenta conflagração parecem querer transmitir uma mensagem para o mundo: Vejam! O Brasil voltou à normalidade – desempenhar o eterno papel de “país do futuro” enquanto oferece como “city tour” para turistas as mazelas da violência e apartheid social.

Dois “casamentos-ostentação” como há muito tempo não se via na grande mídia. Casamentos que se tornaram simbólicos no contexto atual marcado pela crise econômica, desemprego endêmico e acirramento das desigualdades. Tão simbólicos que mais parecem sintomas de uma patologia social em um país psiquicamente doente.

No dia 7/10, nos jardins da mansão da família do noivo no condomínio de luxo em Campinas, o casamento da atriz da TV Globo Marina Ruy Barbosa com o piloto de Stock Car e empresário Xande Negrão. Com a presença de toda a fauna da grande mídia (do presidenciável Luciano Huck, passando pelo indefectível Galvão Bueno e o Ronaldinho “Fenômeno” até ao jogador Neymar, o grande investimento de marketing da emissora para a próxima Copa), contou com a presença de 800 convidados.

Uma simbólica união entre a elite midiática e empresarial: o casal se conheceu em um pousada de Fernando Huck em Fernando de Noronha. 

E o momento mais esperado, quando a noiva joga o buquê para os convidados, foi narrado pelo locutor Galvão Bueno. E quem pegou o buquê foi a top Celina Locks, namorada do Ronaldinho.

Casamento-ostentação Hortência e Oliva em 1989: depois, populares saquearam as frutas da decoração

Casamentos-ostentação parecem sempre ocupar a mídia em períodos agudos de crise econômica e social nacionais. E sempre com algum tipo de aliança entre grande mídia e elite econômica.

Como, por exemplo, o casamento com a estrela do basquete Hortência com o empresário José Victor Oliva em 1989 na Igreja Nossa Senhora do Brasil, em São Paulo, ricamente decorada com flores e frutas e toda ostentação midiática. Em meio à crise da hiperinflação e violenta concentração de renda. Acabada a cerimônia e após a saída dos convivas, a igreja foi invadida por populares que saquearam as frutas decorativas.

Nas nuvens do Cristo Redentor

Poucos dias depois do simbólico casamento Globo/elite empresarial em Campinas, o segundo casamento-ostentação: desta vez entre a modelo brasileira Michele Alves e o empresário da indústria do entretenimento norte-americana Guy Oseary. Com direito a casamento no Santuário do Cristo Redentor e, como não poderia deixar de ser, festa na casa do presidenciável Luciano Huck e sua aspirante a primeira dama Angélica.

Entre os convidados Madonna, Bono Vox, Flea (da banda Red Hot Chilli Peppers) e o bilionário e visionário de empresas de alta tecnologia Elon Musk – aquele que afirma que o Universo é uma simulação computadorizada e a Inteligência Artificial uma ameaça real à humanidade. 

O casamento foi dia 24, dia em que esse humilde blogueiro desembarcou no Rio para uma palestra na UFRRJ. Curiosa ironia: enquanto o motorista da universidade me conduzia orientando-se por um aplicativo que mapeia em tempo real áreas com tiroteio na cidade, lá em cima no Cristo Redentor estavam membros da elite global da indústria de entretenimento e de alta tecnologia.

Enquanto isso, lá embaixo, este humilde blogueiro era levado por um aplicativo que alertava tiroteios na cidade…

Acredito que isso é mais do que uma ironia, mas um sintoma: personagens que puderam finalmente aportar aqui depois que o País foi “pacificado” – de nação recalcitrante, finalmente tornou-se dócil a atual agenda geopolítica da globalização: financeirização aliado com apartheid social com viés de controle populacional, no qual crime e violência são uma das variáveis da equação.

Bono Vox em um país “pacificado”

Exagero? Afinal, Guy Oseary é o empresário de Madonna e da banda U2 e Musk um esperto empresário que sabe combinar a especulação midiática com o mundo arriscado dos investimentos. 

Porém, de certa forma, as atitudes de Madonna e Bono Vox em terras brasileiras fizeram cair a ficha da real condição brasileira nesse momento.

Bono Vox, contumaz ativista do mainstream em constantes participações nas reuniões no Fórum Econômico Mundial em Davos, deu uma críptica declaração na reunião de 2005: “Lula mudou a agenda de Davos”. Uma declaração no mínimo ambígua: elogio ou revelação do incômodo que representava o então presidente? 

Ativismo-clichê do U2: censura recente no Brasil?

Nos shows do U2 deste ano no Brasil, uma bandeira brasileira era hasteada no telão e o baterista Larry Mullen vestia uma camiseta na qual lia-se “censura nunca mais” – houve censura estatal nos governos recentes?

É sintomático que desde a turnê “Pop Mart” no Brasil em 1998, Bono Vox e a banda não se esbaldavam no Brasil por tantos dias, com intensa agenda profissional e social, como nessa turnê “Joshua Tree 30 Anos”.

Madonna e o verdadeiro produto turístico nacional

Depois de alguns anos em que o Brasil tentou ombrear com os países hegemônicos ao sediar a Copa do Mundo e Olimpíadas (sabemos que, desde as Olimpíadas nazistas de Berlim de 1936, os jogos olímpicos tornaram-se instrumentos de propaganda geopolítica), tudo foi desconstruído em grande escândalo de corrupção – o presidente do Comitê Olímpico brasileiro, Arthur Nuzman, preso e o esquema de corrupção de escolha do Brasil revelado.

Curioso que até agora a Copa do Mundo no Brasil não teve tal fúria moralizadora. Talvez pelas relações viscerais entre Fifa, CBF e TV Globo.

Depois do Brasil ser colocado no seu devido lugar, eis que Madonna, mais do que todos os outros convidados para o casamento-ostentação do Cristo Redentor, faz o País cair na real e revela a verdadeira vocação “turística” brasileira para o restante do planeta.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

13 Comentários

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  1. CRÔNICA DE UM PAÍS EM AVANÇADA DESTRUIÇÃO

    AGUDA, PRECISA E ILUMINADORA ANÁLISE DESTE BRASIL PÓS-GOLPE E EM ESCALADA ACELERADA PARA O CAOS-TOTAL! PARABÉNS.

  2. Nos dias de shows do U2 em SP

    Nos dias de shows do U2 em SP o trânsito ficou mais infernal e o q tinha de sulistas não estava escrito,essa banda passa muita coisa boa e as letras de suas músicas são inspiradoras mas QUEM MANDOU eles darem uma mensagem subjetiva com a nossa bandeira?Eles fizeram isto conscientes?A resposta de quem foi está no artigo acima !!!(quero acreditar q o U2 foi manipulado!)

  3. Um monte de

    Um monte de b…moles.

    Bukowski já tinha dado um chega pra la no Bono quando este lhe torrou a paciência com o papo furado do “sistema”, o “velho safado” devolveu retrucando que o “sistema” eram eles. E são mesmo, um monte de bilionários com dores de consciencia que para expia-las inventam festivais inúteis e utilizam propaganda enganosa em seus shows. David Gilmour certa vez desabafou que tinha vergonha de ser tão rico, não tenham, ganharam dinheiro com o talento que possuem, só não precisam torrar o nosso saco com filosofia filantropista barata…..

  4. Teremos de acompanhar os
    Teremos de acompanhar os lentos e dolorosos passos da “evolução” brasileira. Um dia deixaremos de ser o país do amanhã e talvez possamos pensar “o que podemos fazer hoje!?”.

  5. Ótima, Wilson.

    Wilson Ferreira, mais uma vez, parabéns pelas provocações. Uma das mais originais contribuições dos dias atuais para refletirmos sobre essa realidade escondida, que você traz à luz.

     

    Aproveitando a oportunidade e o momento (pós-manutenção do Coisa Ruim), como já cantava Benito de Paula:  ” . . .tudo está no seu lugar, graças a Deus, graças a Deus . . .”

  6. O regresso da síndrome Sting-Raoni

    Celebridades internacionais que exploram as virtudes, as paisagens e as externalidades do Brasil, com o absoluto beneplácito subserviente dos asseclas locais (vide as longas reportagens/entrevistas do programa Fantástico, da Globo), não é um fenômeno novo. Nos anos 80, testemunhamos os engajamentos “antropológicos” de certo Sting britânico, levando a tira-colo o caiapó Raoni, num período onde o país vivia o auge da “década perdida”. Se o Brasil é o maior país megadiverso (em termos de biodiversidade) do mundo, foi com essa síndrome Sting-Raoni que catapultou a condição brasileira de maior parque de diversões de public relations de artistas e celebridades internacionais. 

    Trata-se de uma péssima constatação, na medida em que esses celebrities abusam das respectivas superficialidades (inerente a esses tipos de artistas) para a exploração simbólica do Brasil, num velado “olhar por cima” sobre “os coitados brasileros” (quer coisa mais ilustrativa, nesse sentido, de casamento ser realizado no alto do Cristo?). 

    Madona e Vox/U2 são velhos conhecidos no usofruto dessa estratégia de relações públicas. AMBOS JÁ NEM SÃO MAIS UNÂNIMES EM TERMOS ARTÍSTICOS (a cada dia aparecem Lady Gagas da vida que deslocam cada vez mais Madonna para o depósito de coisas ultrapassada), mas para recalchutar a imagem, usam e abusam desses engajamentos. Naquele processo adotivo na República do Malawi, Madonna foi alvo de muitas críticas internacionais. Se sensibilizou com isso? Não, desde que “falem de mim” (bem ao estilo Maluf), é isso que importa. Idem Bono, habituée de palestras internacionais na condição de “lider mundial”, num esforço imenso de tentar se alinhar na mesma estatura de um M. Ghandi, Mandela, Madre Teresa ou  Dalai Lama.

    No limite, tratam-se de um bando de superficiais em busca de promoção.

    Não DEVERIA mais ser admissível que o Brasil continuasse com esse papel de “playcenter” de celebridades, de paisagem para fotos instantâneas somente para “alavancar a imagem”. Mas, diante da atual situação do país, diante da desgastante situação institucionai a que se encontra o país, até o regresso da síndrome Sting-Roani é algo que os “sobas” locais relevam.

  7. Papel higiênico preto com

    Papel higiênico preto com slogan “black is beatfull” e ração para pobre com nome italiano, “farinatta de poveres”. A elite brasileira por acaso quer bater o recorde de idéias de jerico por minuto?

  8. A alienação da burguesia

    Não gosto desse turismo que se faz na Rocinha. Sempre tive um sentimento de que isso é indecente para com a população que la habita. Parece circo. Uma curiosidade que não é sã e que não faz nada realmente por eles. Madonna continua fazendo marketing para continuar no star system e Bono Vox parece perdido dentro das suas boas intenções. Mas de boas intenções, diz o dito, o inferno pulula!

  9. Mas o fato de Madonna ter

    Mas o fato de Madonna ter chegado poucas horas depois de um enfrentamento na Rocinha e desfilar com roupa “coerente” com a situação (como em um vídeo-clipe), fazendo gestos de rapper e com um séquito de pessoas prontas para produzir imagens do passeio e irradiá-las para o mundo, é um sintoma de como a elite globalista finalmente sente-se à vontade no Brasil. Após a terra arrasada.

    Finalmente, 21 anos depois de Michael Jackson gravar um vídeo-clipe na comunidade de Dona Marta no Rio, agora Madonna repete o feito num país “pacificado”, pelo ponto de vista da agenda globalista. É como se ela e todo o conjunto de imagens enviadas para o planeta sobre o casamento-ostentação da modelo brasileira com o poderoso empresário da indústria do entretenimento dos EUA transmitisse a seguinte mensagem: vejam! O Brasil voltou à normalidade!

    Sua observação foi perspicaz. E o ingênuo aqui que imaginava que com o golpe poderiam ocorrer boicotes de artistas internacionais. Mas a verdade é essa, para o inconsciente coletivo estrangeiro o Brasil é terra de ninguém, ou seja, é terra para usufruto deles.

     

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