Delegado que tentou censurar Auler recorre na Justiça

Decisões judiciais como a pretendida por Moscardi é que fazem o Brasil situar-se na 104ª posição no ranking mundial de liberdade de imprensa
 
 
Jornal GGN – O delegado federal Maurício Moscardi Grillo, um dos responsáveis pelo processo que obrigou o jornalista Marcelo Auler a tirar dez reportagens do seu blog, após sofrer revés na justiça que restabeleceu o direito de Auler de republicar suas matérias e extinguiu o processo de danos morais contra o jornalista, recorreu ao 12º Juizado Especial Cível de Curitiba pedindo uma revisão do caso.
 
O argumento utilizado pela advogada do delegado é de que a Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Paraná deu voz ao “corporativismo” dos meios midiáticos. Em resposta à nova tentativa de censura, Marcelo Auler ponderou que “corporativismo” não pode ser o nome dado às manifestações de outros veículos da imprensa que criticaram a censura pretendida por Grillo, e que reproduziram o caso com sérias críticas à liberdade de imprensa, como Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Journalism in the Americas e o editorial Operação Censura, da Folha de S. Paulo.
 
Marcelo Auler Repórter
 
Delegado esconde suas manobras judiciais e pede volta da censura ao blog
 
Ao recorrer ao 12° Juizado Especial Cível de Curitiba pedindo a revisão da decisão que extinguiu o seu processo de danos morais contra o editor deste blog, o delegado federal Maurício Moscardi Grillo solicitou o restabelecimento da censura e acusou o jornalista de promover um “escárnio”. Em outra petição dirigida à Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Paraná, classificou de “corporativismo” o repúdio manifestado à censura:
 
“Em razão dessa decisão o réu disseminou no meio jornalístico estar sofrendo censura, e pelo corporativismo, trouxe à decisão liminar e ao juízo a quo imensa atenção e exposição, seguidas das mais duras críticas por aqueles que desconheciam por completo o conteúdo dos autos“, disse por meio de sua advogada Márcia Eveline Mialik Marena.
 

 
Ou seja, as notas emitidas pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, o artigo de Élio Gaspari, o editorial Operação Censura, da Folha de S. Paulo, noticiado em sites como o Brasil247, as denúncias veiculadas pelo CPJ – Committee to Protect Journalists  (Comitê para a Proteção dos Jornalistas),  pelo site Journalism in the Americas, publicado pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas da Universidade do Texas e reproduzido no Tijolaço, além de reportagens e artigos que destacaram ser a censura inconstitucional, como o texto Sylvia Debossan Moretzsohn da Faculdade de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense (UFF) e a reportagem publicada na Rede Brasil Atual, na visão de Moscardi são frutos de um “espírito de corpo ou de grupo”.
 
Mera demonstração de que, apesar de bacharel em Direito, não entende realmente o que seja Estado de Direito Democrático e tampouco parece conhecer o sentido da Constituição de 1988. Tanto que, diante da repercussão negativa que a censura provocou, o delegado e sua advogada disseram em uma das petições que tudo se trata de alardes mendazes (mentirosos).
 
“O Judiciário não deve temer alardes, principalmente quando mendazes. Alardes passam na mesma velocidade em que vêm, já a justiça, esta é para toda a eternidade”.
 
Eles desconhecem, por exemplo, o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que, através de decisões como a da ministra Rosa Weber, proferida em junho de 2014 na Reclamação 16.434, é claro e enfático:
 
“Sem dúvida, a Constituição da República confere especial proteção, na condição de direitos fundamentais da personalidade, à honra e à imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X). 
 
Quando em questão, todavia, o exercício de função de interesse público, e não a vida privada ou a intimidade, a ponderação do interesse público na manifestação do pensamento conduz a um elevado grau de tolerância no tocante aos requerimentos de proteção do interesse individual.
 
Conforme já enfatizado, quando se trata de ocupante de um cargo público, investido de autoridade, e que está, no desempenho das suas funções, sujeito ao escrutínio da imprensa e do público em geral, mostram-se vultosamente mais largos os limites da crítica aceitável“.
 
Decisões judiciais como as que atenderam aos pedidos de Moscardi e de sua advogada é que fazem o Brasil situar-se na 104ª posição no ranking mundial de liberdade de imprensa, de acordo com a organização Repórteres sem Fronteiras.
 
Além de desconhecerem princípios constitucionais que, notadamente, como delegado de Polícia Federal deveria respeitar, ele e sua advogada escondem, nos seus pedidos, a estratégia que adotaram para retirar do blog reportagens que os desagradaram. Elas citam irregularidades até hoje não explicadas por ele, ou mesmo Departamento de Polícia Federal (DPF), tampouco pelo Ministério Público Federal (fiscal da lei) ou pelo juiz Sérgio Moro.
 
Ambos não relataram à magistrada do 12° Juizado Especial nem à Turma Recursal que para obterem a censura – considerada inconstitucional pelo STF -, ajuizaram três ações distintas, duas delas simultâneas, o que pode ser considerado como litigância de má fé.
 
Como se recorda, por se considerarem ofendidos pelas reportagens do blog,  Moscardi e a delegada Érika Mialik Marena ingressaram com ações pedindo indenização por Danos Morais – direito de  qualquer cidadão – e censura ao blog.
 
No 8º Juizado Especial de Curitiba, Erika obteve do juiz Nei Roberto de Barros Guimarães liminar determinando a retirada de duas reportagens do blog – Novo ministro Eugênio Aragão brigou contra e foi vítima dos vazamentos (16/03) e Carta aberta ao ministro Eugênio Aragão (22/03).
 
Esta censura permanece até hoje, completando neste domingo (03/07) 54 dias. Já o delegado Igor Romário de Paulo ingressou com ação contra o jornalista Luís Nassif, mas não obteve a liminar censurando o Jornal GGN como queria – Ao tentar censurar Nassif, delegado confessa viés político da Lava Jato.
 
Erro na documentação – O atual recurso de Moscardi tanto no 12° Juizado Especial como na Turma Recursal é por conta da extinção de uma ação decretada pela juíza Vanessa Bassoni, como noticiamos em Cai parte da censura ao blog: DPF Moscardi erra e juíza extingue processo.
 
Depois de conceder a liminar, inclusive com uma censura prévia, pela qual determinava ao blog se abster de “divulgar novas matérias com conteúdo capaz de ser interpretado como ofensivo ao reclamante, sob pena de adoção das medidas coercitivas pertinentes”, a juíza descobriu um erro na inicial apresentada pela advogada Márcia Eveline, irmã da delegada Érika, e extinguiu o processo. O erro, no fundo, foi fruto da estratégia que ela e o cliente adotaram para obterem os resultados almejados.
 
Mesmo residindo na jurisdição do Juizado Especial do bairro Santa Felicidade, em Curitiba, a primeira ação ajuizada pelo delegado e sua advogada foi em 13 de abril, às 21h08min, no 11° Juizado Cível no centro da capital paranaense. Nela, consta o endereço do condomínio onde ele reside, sem especificar que ele fica no bairro de Santa Felicidade.
 
Menos de 24 horas depois, em 14 de abril, recorreu ao Juizado Especial Cível de Santa Felicidade com a segunda ação de indenização por danos morais contra o mesmo jornalista. Ela é uma copia perfeita da ação impetrada na véspera. Portanto, também apresentou o endereço do condomínio onde reside, sem especificar que ele fica no bairro de Santa Felicidade.
 
Como afirmamos em Para censurar o blog, o delegado Moscardi usou de má fé na Justiça do Paraná, curiosamente, ambas ações foram colocadas sobre segredo de Justiça, atendendo ao pedido de Moscardi. Na de n° 0001803-71.2016.8.16.0184, do Juizado Especial Cível de Santa Felicidade, a juíza Adriana de Lourdes Simette decretou grau máximo de segredo impedindo até os servidores da secretaria do Juizado de acessarem os documentos anexados à inicial pelo delegado.
 
 Perde em um, entra com outro – A ação proposta no 12° Juiz Especial de Curitiba – nº 0016778-07.2016.8.16.0182  – foi o terceiro movimento do delegado com o objetivo de cobrar indenização por danos morais ao jornalista e tentar impedir que as matérias permanecessem no blog.
 
Coincidência ou não, ela foi apresentada no mesmo dia 3 de maio em que a juíza Adriana de Lourdes, do fórum de Santa Felicidade, indeferiu o pedido de liminar censurando o blog. Ou seja, no bairro de Santa Felicidade, a ação foi acatada, mas o pedido de censura rejeitado. A juíza alegou a inconstitucionalidade do mesmo que o bacharel Moscardi parece desconhecer:
 
“(…) o pedido liminar para que o réu se abstenha de publicar novas matérias sobre o autor, no presente momento, não há como prosperar, sob pena de violação ao direito da livre manifestação de pensamento e violação ao art. 5º, inciso IX, da Constituição Federal“.
 
Dois dias depois, Moscardi e sua advogada desistiram dessa ação. Já no 11º juizado Cível, em 27 de abril, a juíza Flavia da Costa Viana extinguiu a ação nº 0014289-94.2016.8.16.0182, por incompetência territorial. Ela deixou claro que a competência para aquele processo era do fórum do domicílio da parte autora, no caso, o Juizado Especial do bairro de Santa Felicidade, local da residência do delegado. Mal sabia ela que uma segunda ação já tramitava naquele fórum, em segredo de Justiça, desde o dia 14 de abril.
 
 
Mudança de domicílio – Foi na sua terceira ação, a do 12º Juizado Cível, que Moscardi apresentou pela primeira vez como seu local de domicílio o endereço da Superintendência da Polícia Federal, no bairro Santa Cândida, em Curitiba.
 
Isto pode ser interpretado como uma forma de fazer a juíza aceitar o processo, embora resida em outro bairro. E foi o que aconteceu: a juíza Bassoni acolheu o pedido e concedeu a liminar censurando o blog.
 
Mas ela, dias depois, verificou que embora o domicílio citado fosse o da superintendência do DPF, a prova de residência apresentada era a conta de luz da casa no condomínio do bairro de Santa Felicidade. Com isso, decidiu pela extinção da ação por incompetência territorial, como fez o 11º Juizado Especial Cível.
 
No pedido apresentado à Turma Recursal, Moscardi relacionou esta decisão com a repercussão que a censura provocou a partir da liminar que determinou a suspensão das notícias:
 
“Em razão dessa decisão, o réu disseminou no meio jornalístico estar sofrendo censura, e pelo corporativismo, trouxe à decisão liminar e ao juízo a quo imensa atenção e exposição, seguidas das mais duras críticas por aqueles que desconheciam por completo o conteúdo dos autos. Subsequentemente, a d. Juíza extinguiu o processo por incompetência territorial, ignorando o endereço informado na inicial e atribuindo ao Autor, em estágio já avançado da demanda, domicílio diverso do que de fato tem”.
 
A tese por ele defendida é que o Código Civil dá ao funcionário público o local de trabalho como sendo seu domicílio. Mas, curiosamente, ele só usou tal endereço na terceira ação interposta. No pedido de revisão da extinção do feito à juíza Bassoni, considerou que ela ao extingui-lo teria reconhecido de “forma equivocada a incompetência territorial desse juízo, por considerar o endereço residencial do Autor para determinação de seu domicílio, ignorando previsão legal expressa que determina de forma diversa”. E acrescentou:
 
“A fim de que se restabeleça a ordem processual, e levando em conta todo o escárnio promovido pelo Réu diante da decisão, reiteramos o pedido de determinação do segredo de justiça, além dos motivos já expostos deve-se considerar que ação foi proposta visando preservar direitos personalíssimos do Autor, e não agravá-los, sendo que essas atitudes em nada se prestam ao deslinde do feito”.
 
No pedido ao Tribunal Recursal, ele acusou o jornalista de ter cometido crimes, sem especificá-los:
 
“Houve um pedido liminar para suprimir a veiculação dos artigos do site do Réu, uma vez que incorriam em praticas criminosas e não na liberdade de expressão, razão pela qual o pedido foi concedido”.
 
Novo revés – A recusa da juíza Bassoni em rever a decisão que extinguiu o processo não foi o único revés que o delegado Moscardi sofreu. Ao descobrir que ele ingressou antes com ação no 11º Juizado Especial, ela considerou-o o juízo natural do caso e decidiu enviar para lá o processo.
 
No próximo dia 7 a Turma Recursal analisará o pedido de Moscardi assim como o apresentado pela defesa do blog, através dos advogados Rogério Bueno da Silva, Tarso Cabral Violin e Thaisa Wosniack, do escritório Rogério Bueno, Advogados Associados. Para melhor situar os juízes, os advogados detalharão em um memorial o andamento das ações de Moscardi, mostrando que ele ingressou com três ações com o mesmo objeto, o que não é algo normal.
 
Já no 8° Juizado Especial, onde o editor deste blog tinha sido dado como revel, no próximo dia 27 será realizada a audiência de conciliação na qual a nossa defesa requererá a revisão da decisão que que há 54 dias impede a divulgação de duas matérias.
 
 
 
Redação

7 Comentários

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  1. Corporativismo é os juízes

    Corporativismo é os juízes darem apoio incondicional a um juííz primário após este ser repreendido por outro da suprem a corte por ter gravado e divulgado comversas da presidente e do ex presidente. Estes caras da vaza jato acham que por terem apoio da rede golpe podem tudo.  Como disse o Aragão, acham um sacrilégio poder serem criticados. Aquela suposta força tarefa conseguiu reunir num só grupo a arrogância, a prepotência e a petulância.

  2. Truculência e autoritarismo nunca mais!

    Esatav pensando… gostaria de pedir a algum jornalista que eventualmente esteja lendo esse artigo que, tendo oportunidade numa coletiva, por exemplo, pergunte a juízes, promotores e policiais envolvidos com a Lava Jato se eles já estão pensando em, assim que terminar a operação, como farão para voltar a viver sem a impunidade de que hoje desfrutam, sem espetáculos, sem o estrelato da mídia, sem a pecha de heróis do país. Pode parecer bobagem mas o choque decorrente desse retorno significa perda, um golpe numa das maiores fissuras humanas: a vaidade, o poder. Não seria interessante um período para “descompressão”?

    Digo isso porque as polícias militares e civis dos estados não souberam transar bem o fim da ditadura e alguns (muitos?) servidores públicos do ramo tornaram-se, com o beneplácito de suas corporações, principalmente em estados administrados por privatistas, em verdadeiros justiceiros, prejudicando não só a segurança das pessoas como também a imagem da própria corporação. Senão depois vai ser uma trabalheira gigante para que juízes, promotores e policiais voltem a cumprir as leis…

  3. litigante de má fé

     Vai com tudo Euler, precisamos de mais detalhes de autoritarismo de agentes da lei. Esta é nossa defesa contra mal feitos dos que se julgam donos de seus cargos. Abomino delegados que expressam preferências polítcas em público.

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