Marco regulatório: a gota d’água, por Venício A. de Lima

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Sugestão de Henrique O

do Observatório da Imprensa

Marco regulatório: a gota d’água

Por Venício A. de Lima

Conhecidos os resultados eleitorais, espera-se que, no seu segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff enfrente a questão inadiável de um marco regulatório democrático para o setor de comunicações ou “da regulação econômica do setor” como ela mesma tem dito.

grand finale do processo de construção de uma “linguagem do ódio” (ver, nesteObservatório, “O que será feito do ódio e de sua linguagem?“) e da partidarização da cobertura jornalística – que vinha progressivamente se radicalizando ao longo de toda a campanha – confirmou os graves riscos para o processo eleitoral e, sobretudo, para a própria democracia, de um mercado oligopolizado que favorece a ação desmesurada e articulada de grupos privados de mídia na defesa de interesses inconfessáveis.

Refiro-me, por óbvio, à edição 2397 da revista Veja, do Grupo Abril, à sua circulação antecipada, à sua planejada repercussão em outros meios de comunicação e à sua utilização (capa reproduzida e distribuída como panfleto) no esforço derradeiro de cabos eleitorais do candidato Aécio Neves (ver aqui).

Liberdade de expressão?

A edição 2397, que não foge ao padrão rotineiro praticado pela Veja, abandona princípios elementares do que possa ser chamado de jornalismo, nos termos definidos historicamente pela própria indústria de comunicações.

Um bom exemplo poderia ser “a teoria da responsabilidade social da imprensa”, consagrada pela Hutchins Commission (Estados Unidos, 1947): “Propiciar relatos fiéis e exatos, separando notícias (reportagens objetivas) das opiniões (que deveriam ser restritas às páginas de opinião) e servir como fórum para intercâmbio de comentários e críticas, dando espaço para que pontos de vista contrários sejam publicados” (ver aqui).

Aparentemente Veja não se preocupa mais com sua credibilidade como produtora de notícias e cultiva de forma calculada um tipo de leitor cujas opiniões ela expressa e confirma. De qualquer maneira, em momentos críticos de um processo eleitoral seu poder de fazer circular “informações” no espaço público é inquestionavelmente ampliado por sua cumplicidade de interesses com outros oligopólios da grande mídia.

Acrescente-se que Veja sempre se ampara legalmente em artimanhas jurídicas de profissionais da advocacia e, muitas vezes, em decisões do próprio Poder Judiciário que tudo permite em nome da liberdade de expressão equacionada, sem mais, com a liberdade da imprensa.

Não foi o que aconteceu dessa vez.

A resposta do TSE

Ações judiciais impetradas pelo PT no TSE tentando diminuir as consequências daquilo que a candidata/presidente Dilma chamou de “terrorismo eleitoral” foram objeto de decisões imediatas e impediram que as consequências fossem ainda mais danosas – embora não houvesse mais tempo para “apagar” insinuações e denúncias publicadas sem qualquer comprovação às vésperas das eleições.

As decisões do TSE, claro, foram rotuladas de “censura” pelo Grupo Abril e unanimemente pelas entidades que representam os oligopólios de mídia – ANJ, Abert e Aner – assim como pelo candidato Aécio Neves, diretamente beneficiado.

De qualquer maneira, a reação pública imediata da candidata/presidente Dilma no horário gratuito de propaganda eleitoral e as decisões do TSE reacendem a esperança de que a regulação democrática do setor de comunicações receba a prioridade que merece no próximo governo.

Talvez a edição 2397 de Veja tenha involuntariamente sido a esperada gota d’água que faltava para que finalmente se regulamente e se cumpram as normas da Constituição de 1988 relativas à comunicação social – que, aliás, aguardam por isso há mais de um quarto de século.

Em especial, urge ser regulamentado e cumprido o parágrafo 5º do artigo 220 que reza: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”.

A ver.

***

Venício A. Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e organizador/autor com Juarez Guimarães e Ana Paola Amorim de Em defesa de uma opinião pública democrática – conceitos, entraves e desafios (Paulus, 2014), entre outros livros

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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  1. O celular

    Ontem  o Jô Soares quando as “Meninas do Jô” falavam entre outras coisas da regulamentação da Mídia,  o JÔ,  pegou seu  celular mostrou ao povo e  disse-Regulação da Mídia pra que???  ele só não falou dos Marinhos  na  capa das Forbes como os mais ricos do Brasil!!!

    1. A tática utilizada por

      A tática utilizada por organizações americanas como NED (National Endowment for Democracy), USAID, Institute For Democracy In Cuba And Latin America Inc., e outras do gênero, para cooptar seus aliados na mídia brasileira é a de fornecer-lhes grandes meios técnicos (cursos diversos nos Estados Unidos, facilitação na exportação de equipamentos do áudio-visual de ponta, etc) e também doutrinação neo-conservadora através de seminários, conferências, estágios em território norte-americano. Esse conjunto leva à criação de think tanks regrupando empresas ligadas á mídia e que estejam absolutamente em sintonia com o pensamento neoconservador americano.

      No Brasil é o Instituto Millenium que regrupa o Grupo Estado, a Editora Abril, o Grupo Folha e as Organizações Globo. Essa empresas agem como autênticos propagadores da filosofia neoliberal e neoconservadora dos Estados Unidos no Brasil, onde os lemas, slogans e discursos nacionalistas não passam de um engôdo para ganhar a simpatia do público, a conivência que se estabelece (as novelas, nesse ponto, tem um papel fundamental) com o canal ou a publicação e, por consequência, a fidelidade. A partir daí, o leitor-telespectador torna-se um eleitor e, como tal, manipulável. A ilustração mais flagrante da alienação a que foi levado o eleitor-leitor-telespectador se deu nessas últimas eleições.

      Jô Soares é um típico produto da Rede Globo, ele fez toda sua vida profissional nessa emissora e se tornou um dos ícones dela. A Globo gosta de se chamar “a família Globo”, uma demonstração clara que sendo dessa família, não se deve traí-la. E não é por acaso que a grande maioria dos “globais” se posicionam politicamente sempre ao lado da posição política da emissora. Natural que o Jô Soares e outros “globais” não queira nem ouvir falar de regulamentação da mídia. Afinal, é a aposentadoria dele que está em risco….

      1. “fornecer-lhes grandes meios

        “fornecer-lhes grandes meios técnicos (cursos diversos nos Estados Unidos, facilitação na exportação de equipamentos do áudio-visual de ponta, etc) e também doutrinação neo-conservadora através de seminários, conferências, estágios”:

        Esquece tudo isso.  SOMENTE o dinheiro interessa.  E a direita eternamente aparece com dinheiro de origem desconhecida ou enriquece sem ninguel saber como.

        Pergunte pro judiciario.

  2. Creio que esse é o tema

    Creio que esse é o tema central do momento. Só não sei se temos uma estratégia  forte para exercer a pressão no congresso e demais poderes da república. O autor tem demonstrado em vários artigos seus a necessidade de um marco regulatório para o setor de comunicações, ele é, provavelmente, o maior especialista no assunto aqui no país. A imprensa e a mídia em geral, rebate dizendo que é uma ameaça à liberdade de expressão. Quem quiser se informar deverá descobrir que isso funciona nos EUA e na Inglaterra, como em outros lugares e não é nenhum bicho papão do jogo democrático. Talvez essa seja a ocasião de falar como se faria essa aprovação do marco regulatório, quais seriam as etapas legais. Deveríamos abordar os obstáculos possíveis desse final de mandato no congresso e o que está em jogo com os novos personagens que virão reforçar a tropa de choque pró-mídia corporativa. Acredito que isso não atinge tantos eleitores para quem a reeleição de Dilma foi crucial. Somos ainda poucos que tem condições de lutar e dar o apoio necessário à presidenta Dilma. Ontem, havia um post aqui no Nassif que falava sobre  uma suposta doação de 10 bilhões feita por bancos internacionais à mídia corporativa para que atuasse agressivamente, como de fato atuou, contra a reeleição do PT.   Isso não é tão simples assim. Quais partidos darão suporte a essa matéria? Que líderanças teremos num cenário que despeja preconceitos de tudo quanto é espécie e que demonstra uma visão apequenada da história de nossa democracia? Vai ser preciso muito mais do que nossa terrível e última experiência vivida nas últimas eleições. E de frente para os obstáculos é que teremos que enfrentar mais esse desafio, que não é só do PT, é da sociedade.

  3. Uma questão essencial

    O público da chamada “mídia golpista brasileira” é essencialmente um cultor inveterado e incondicional dos modelos norte-americanos e europeus. O que se vê e se fala dos países do hemisfério norte nos jornais e revistas brasileiras é no sentido apenas de louvá-los, engrandecê-los e deixar os leitores com a (falsa) impressão de que o mundo é “sempre melhor na Europa e nos EUA”. Desinformação total. Então, que esse público se informe melhor sobre a realidade desses países que tanto idolatram. E que busque conhecer como são as mídias na Suécia, na França, nos Estados Unidos, na Alemanha, na Suíça, etc e este público verá que as televisões públicas primam sobre os canais privados na maioria dos países. Sem dizer que todas submetem-se a um código de deontologia estrito ditado por um Conselho Superior do Audio-Visual. A mídia do hemisfério norte se permite até mesmo de ironizar a política e a cultura de outros países, misturando-se à propaganda de Estado, porém, a crítica para com o país delas é sempre moderada. Muito moderada. 

    Ou seja, na Europa (que conheço bem), e contrariamente à brasileira, a mídia e a imprensa sempre buscam dar uma boa imagem do país (mesmo que falaciosa, às vezes) e, quando é o caso, de manter uma posição alternando crítica e apoio ao governo, sem todavia, tomar partido de forma flagrante. Um amigo europeu, ao conhecer mais a maniera como funciona a mídia no Brasil, ficou estupefato com, não apenas a falta total de ética jornalística e humana desses meios, como também da ausência total de amor-próprio e de patriotismo (uma virtude muito cara aos europeus que o público e donos da “mídia golpista” jamais tiveram idéia do que seja) dos nossos jornalistas e patrões de imprensa. Perguntou-me : Mas, eles são inimigos do Brasil? e a que interesses estrangeiros eles servem?

    Necessário se faz, pois, uma reforma urgente da legislação da imprensa e da mídia (na Europa são duas coisas diferentes, mas que, às vezes, alguns confundem), um marco regulatório calcado, sobretudo, em parâmetros de deontologia, de moralidade e de respeito humano, além de comportar uma alta noção de civismo para com o Brasil. O que foi visto em certos canais de televisão e revistas brasileiras nessas últimas eleições teria sido considerado crimes para com a pessoa do Presidente da República e para com os demais valores do país expressos na Constituição caso acontecesse nos Estados Unidos, no Reino-Unido ou em qualquer outro país europeu. Inacreditável que algo assim possa ocorrer no Brasil, em uma sociedade que pretende ser uma sociedade democrática.

  4. revisor posto no olho da rua e muito muito revoltado!

    Marco regulatório: a gota d’água, por Venício A. de Lima

    em tempos cataclísmicos da crise hídrica nunca, impunemente, lança-se mão desta lamentável chamada tendenciosa para discutir a sagrada liberdade de imprensa… ainda mais que pelo equidistante bem longe… lá no resguardo do relento das ruas, ermos, cafés, botecos bem a salvo lá na sóbria academia: o clube pra inglês ver, o observatório da imprensa para tempos de pax americana e de um papa comunista, como se não bastasse ser jesuíta e argentino…

    sem chance!

  5. veja, definhe,
    deixa em paz

    veja, definhe,

    deixa em paz meu coração, 

    que ele é um pote  até aqui de mágoa,

    e qualquer desatenção, faça não,

    pode ser a gota dágua.

    ,,,olha a veia que salta,

    olha a gota que falta

    pro desfecho da festa,

    ,,,por favor!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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