“Mas são ratos franceses…” disse a jornalista

 

 

No dia de hoje, 05/11/2013, o Gazeta Esportiva levou ao ar matéria sobre a carreira de um futebolista brasileiro que foi contratado por um clube francês. Ao fim da mesma, um dos ancoras do telejornal disse que o filho dele esteve na França e ficou alarmado com a quantidade de ratos que existe em Paris (5 ratos para cada pessoa). Rapidamente ele foi contestado pelo seu colega, o qual afirmou que no Brasil também existem muitos ratos. A digressão prosseguiu com referências a um filme recente e chegou ao fim quando a jornalista Michelle Giannella sugeriu que os ratos brasileiros são piores que os ratos franceses. “Mas são ratos franceses…” disse ela.

 

Para falar a verdade eu não estava prestando muita atenção ao Gazeta Esportiva naquele momento. Durante a reportagem saboreava despreocupadamente um generoso lanche de carne refogada e queijo fresco. Todavia, ao ouvir a frase “Mas são ratos franceses…” empregada para depreciar os ratos brasileiros em relação aos seus pares na França quase engasguei.  Ratos são ratos, pensei. Porque diabos os ratos franceses seriam melhores que os ratos brasileiros?

 

Os ratos são velhos inimigos íntimos da humanidade. A revista Super Interessante fez uma boa matéria sobre a relação perigosa entre roedores e seres humanos (http://super.abril.com.br/mundo-animal/rato-pior-amigo-homem-443065.shtml). Em qualquer lugar do planeta os ratos são vetores de diversas doenças, algumas delas mortais.

 

Há pouco mais de uma décadau o esposo de uma colega minha morreu de Leptospirose, doença transmitida pela urina do rato. Ele foi contaminado ao lavar o carro após uma enchente no bairro onde morava em Osasco SP. Durante a Baixa Idade Média, a pulga do rato preto espalhou a Peste Negra na Europa provocando a morte de aproximadamente 1/3 da população européia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Peste_negra ). A mortandade em algumas cidades francesas foi horripilante, fato este que demonstra a ingenuidade e incorreção histórica cometida por Michele Giannella ao defender os ratos franceses (supostamente melhores que os ratos brasileiros).

 

Em meados do século XIX os ratos brasileiros (que são tão daninhos quanto seus pares franceses) podem ter provocado uma verdadeira revolução na minha família. Em razão de um surto de peste em Salvador, meu bisavô paterno (que é também meu tataravô materno) liquidou os negócios da família na capital baiana e mudou-se para São Paulo a fim de estudar Direito na Faculdade do Largo São Francisco. Foi também em razão desta pequena guerra familiar e ancestral com roedores que a frase “Mas são ratos franceses…” provocou-me tanto estranhamento.

 

A guerra entre os homens e os ratos é antiga e intensa, aqui e na França. Portanto, ao contrário do que sugeriu Michelle Giannella no Gazeta Esportiva, os ratos brasileiros não são piores que os ratos franceses. Ao fazer suas digressões, os telejornalistas do periódico esportivo deram enfase a uma suposta superioridade cultural dos franceses para concluir que o jorgador brasileiro está melhor lá que cá. Em razão disto, fiquei imaginando o que um culto cidadão francês, um profundo conhecedor a História da França e do mal que os ratos fizeram, fazem e farão aos seus conterrâneos, diria ao ouvir a frase “Mas são ratos franceses…” dita com a finalidade de amenizar a raticidade dos ratos do seu país em comparação aos nossos pobres e subdesenvolvidos ratos brasileiros.

 

Levando em conta o fato de que a guerra entre roedores e homens não acabou e provavelmente nunca terá um fim, talves o meu hipotético telespectador francês do Gazeta Esportiva de 05/11/2013 fizesse uma citação erudita. Diria ele então “…multa rumor affingebat, ut paene bellum confectum uideretur…” *  esboçando um sorriso monalísico em virtude de crer que os jornalistas brasileiros não são leitores de Caio Júlio César. 

 

 

 

 

 

* Os boatos acrescentaram muitas fantasias a ponto de fazer parecer que a guerra tinha acabado. (Bellum Civile, tradução de Antonio da Silveira Mendonça, Estação Liberdade, 1a reimpressão, p. 101)

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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