Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Mídia dilui significado da descoberta de papiro com “ensinamentos secretos” de Jesus, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

As notícias foram dadas como alguma coisa entre Indiana Jones, conspirações do “Código da Vinci” de Dan Brown ou sobre Jesus convenientemente próximo do Natal. As notícias sobre a descoberta do manuscrito em grego do “Primeiro Apocalipse de Tiago” (manuscrito apócrifo gnóstico até então conhecido em linguagem copta da chamada “Biblioteca de Nag Hammadi”), perdido no acervo da Universidade de Oxford, foram cercadas por uma mitologia midiática que sempre é acionada para diluir aquilo que é de mais virulento e revolucionário no Gnosticismo (razão pela qual foi tão perseguido por toda a História): os conflitos políticos e econômicos como parte do drama de uma luta cósmica entre o Bem e o Mal, sem superação dialética ou solução evolutiva. A grande mídia cobriu a descoberta como “religiosa”, diluindo a potencial ameaça às instituições desse mundo: de que Jesus não veio para nos “salvar”, mas para nos revelar algo que já existe dentro de nós – apenas nos fazem esquecer através de ilusões. E a mídia que “noticia” a descoberta do manuscrito é uma delas.

Nem tão perto do Natal para ninguém perceber a notícias, ocupados que todos estão com seus afazeres natalinos; nem tão longe do Natal o suficiente para que ninguém associe o simbolismo da descoberta com a data do nascimento de Jesus.

Por isso o timing da notícia (primeira semana de dezembro) foi perfeito e, portanto, suspeito pelos seus propósitos.

Vamos em primeiro lugar à notícia:  estudiosos encontraram a mais antiga cópia de um texto cristão apócrifo em meio ao acervo da Universidade de Oxford, uma das mais antigas do mundo.

O manuscrito é uma edição em grego do “Primeiro Apocalipse de Tiago” que reúne os chamados “ensinamentos secretos de Jesus” para o seu “irmão” Tiago – para muitos historiadores, um “irmão espiritual”. 

Esse texto já era conhecido em copta (linguagem egípcia que evoluiu dos hieróglifos) dentro da coleção de 52 manuscritos gnósticos organizados em 13 códices de papel velino encadernados em couro, descobertos em 1945 no Alto Egito, e que acabaram conhecidos como “Biblioteca de Nag Hammadi” – aqui no Brasil reunidos em uma edição em português da editora Madras: James M. Robinson, A Biblioteca de Nag Hammadi. A biblioteca foi encontrada em um enorme jarro no que é hoje a cidade de Nag Hammadi.

Manuscritos de Nag Hammadi

O documento de 1.600 anos atrás, descreve como Jesus passa o conhecimento da “prisão terrena” para Tiago, além de revelar que o mundo é protegido por figuras demoníacas (os “Arcontes”) que bloqueiam o caminho da elevação espiritual após a morte através dos diversos céus, mantendo-nos prisioneiros do mundo material.

Narrativa herética

Essa narrativa foi considerada herética por apresentar uma versão de Jesus bem diferente: muito mais revelador de uma sabedoria já pré-existente no homem (porém, esquecida) do que um messias que teria vindo para redimir a humanidade do pecado – na verdade todo o pecado e o Mal já estariam presentes na própria Criação que aprisiona a humanidade.

Em outras palavras, o “Primeiro Apocalipse de Tiago” mostra Jesus como um enviado (um “aeon”) que não tinha o propósito de nos “salvar”, mas tentar despertar-nos do sono do esquecimento através dos “ensinamentos secretos” – a gnose.

O texto, assim como todo o restante da coleção gnóstica de Nag Hammadi, foi proibido desde que Athanasius, bispo de Alexandria, definiu o cânone dos 27 livros que formariam o Novo Testamento bíblico. Banindo todas as seitas sincréticas conhecidas como “gnósticas”, condenando-as à perseguição e o genocídio, como o episódio do massacre dos gnósticos Cátaros em Laguedoc, Sul da França, no século XII.

Geoffrey Smith e Brent Landau: professores da Universidade do Texas que descobriram o manuscrito

Desde o triunfo do cristianismo ortodoxo, o Gnosticismo (assim como os seus derivados esotéricos como a Alquimia) acabou habitando os subterrâneos dos movimentos sociais. E acabou transcendendo o campo religioso para sua cosmogonia e ontologia inspirarem pensadores revolucionários e movimentos culturais e artísticos críticos: o Iluminismo, o Romantismo dos séculos XVIII-XIX, o revival espiritualista e esotérico do Espiritismo e Teosofia do século XIX, até chegar no século XX no campo científico e cultura de massas – dos paradoxos  da Física Quântica até alcançar Hollywood é a suas melhores traduções fílmicas (porque didáticos) do drama cósmico descrito pelos evangelhos apócrifos gnósticos: Matrix e Show de Truman.  

Mitologias midiáticas contra o Gnosticismo

Por isso, desde a descoberta da coleção de Nag Hammadi, o mundo tem uma bomba nas mãos – sincronicamente, coincidiu com as explosões das bombas atômicas em Hiroxima e Nagasaki. Evangelhos diametralmente opostos aos bíblicos canônicos, que potencialmente são capazes de colocar os conflitos econômicos e políticos desse mundo em um novo patamar – como partes de um drama cósmico de uma luta universal entre o Bem e o Mal, sem superação dialética ou solução evolutiva. 

Seria muita ingenuidade da nossa parte acreditarmos que a perseguição ao Gnosticismo tenha acabado e ficado lá atrás na Inquisição católica. Apenas as estratégias de repressão a uma histórica heresia mudaram: de banimentos, assassinatos e genocídios à diluição através da grande mídia e indústria do entretenimento.

“Primeiro Apocalipse de Tiago”: o conflito cósmico entre o Bem e o Mal

Um olhar mais detido na cobertura feita pela mídia corporativa à notícia da descoberta da edição em grego do Apocalipse de Tiago transita por diversos mitos que compõe uma mitologia midiática maior: 

(a) a compartimentalização da notícia aos chamados “fatos diversos” – curiosidades históricas, científicas etc.; 

(b) o mito do “antigo”, do “perdido” ou do “raro” – um manuscrito em língua morta no qual o fetichismo da forma (o “papiro”, o “antigo”) desvia a atenção da mensagem do conteúdo; 

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

21 Comentários

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  1. Ensinamentos secretos? Que coisa platônica!
    Vide Fedon e Menon. Tudo bobagem. Ademais, todoa os outros apóstolos estariam errados? A mídia esconder? Cristo não se declarou o caminho, verdade e vida? Logo, ele não é o próprio ensinamento secreto? Seja lá a bobagem que isso quer dizer? Nietzsche explicou, de velho, em A Genealogia da Moral, essa tentativa de adoecer o mundo, de florear a dor. O autor do artigo, se vê na foto, esconde o domínio da dor sobre ele, no sorriso !

    1. Eu me incluo fora de qualquer

      Eu me incluo fora de qualquer discussão filosófica e religiosa. Isso não me impede de estranhar uma pessoa ver na foto de outra o domínio da dor que esconde no sorriso. E fico a me indagar, isso é Religião ou Filosofia ? Ou será que essa pessoa, não a da foto, é o próprio JC prenunciando a segunda vinda ?

      1. Os processos psíquicos:
        Não são absolutamente retos, mas também oblíquos – mim chorou quando eu nasci. Portanto, adicione a a psicanálise à filosofia, o inconsciente à reflexão. Mas – indicando ser ou não como os delicados, que preferiram morrer -, terás a escuridão mais extensa e densa – a teologia -, estragulando ou não a coruja de Minerva!

        1. Prezado Ronaldo, mim incluiu

          Prezado Ronaldo, mim incluiu eu fora não por desprezo à Religião, Psicanálise e Filosofia, sim por não ter bagagem dialética. E sempre que provoco aprendo um pouco. Jamais estrangularia a Coruja de Minerva mas a vivo caçando para sorver dela uma gota de sabedoria. 

    2. Doenças e sorrisos…

      Caro Ronaldo…

      Se o sr. teve o cuido de ler o texto até o final:

      Primeiro: é exatamente isso que o texto tematiza, esse clichê midiático da cobertura em qualificar a “descoberta” como um “manuscrito sobre ensinamentos secretos”.

      Segundo: Nietzsche está correto em qualificar a religião (e o cristianismo católico em particular) como doença do mundo. O cristianismo católico é a religião dos escravos. Por isso adotado pelo império romano para manter adoecidos os espíritos dos vencidos.

      Terceiro: Por isso a crítica à angulação da cobertura como notícia religiosa. Justamente para diluir o conteúdo gnóstico (e, portanto, político contra os cânones do catolicismo) e manter essa doença espiritual, principalmente pela proximidade (estratégica) do Natal.

      E quarto… desculpe desapontar o seu perspicaz olhar semio-psicanalítico para a foto… estou sorrindo porque naquele momento não tinha coisa melhor para fazer…

      Se eu contar que nesse momento também estou sorrindo, você acredita?…

      1. Trago, agora, também um sorriso!
        Obrigado, caro Wilson, respondestes a minha provocação com cortesia e alegria, a par de diferenças, obrigado!

      2. Está aí o seu engano

        Está aí o seu engano, o Cristo de Deus revelado nas Escrituras não tem por origem o catolicismo romano, é bem anterior, adveio de Jerusalém, da Palestina, e somente 300 anos depois foi adotado como religião de Roma a partir da “conversão” do Imperador Constantino, e consumado oficialmente com o édito de Tessalônica proclamando pelo imperador Teodósio I no ano de 380. Os manuscritos, os códices que formam o Novo Testamento são na realidade cópias dos originais que foram escritos no primeiro século da nossa era Cristã, no entanto, são pelo menos 200 anos mais antigos do que esse manuscrito copta que vc já pressupõe como verdadeiro no seu conteúdo baseado apenas na sua convicção religiosa e/ou filosófica.

        1. EURITÉIA

          Veio de muito antes, começa cou Euriteu, um sandalheiro da  Euritiéia. Ele dizia: “Caminhe pelo mundo, usando meus calçados”, e isto vigorou até aparecerem as sadálias do pescador, umas espécie da Hawaianas da época.

  2. Verdade e mentira

    Verdade e mentira, bem e mal, luz e trevas, amor e ódio, vida e morte, Jesus evangélico e Jesus gnóstico. Cada um faça a sua escolha.

    É muito interessante que nesse tema tudo gira em torno de um eixo: O Cristo bíblico versus o Cristo gnóstico ou extrabíblico.

    O primeiro é redentor, o segundo não; o primeiro ressuscitou no corpo, o segundo não; o primeiro é o Filho Unigênito de Deus, o próprio Deus, o segundo não, é apenas mais um enviado, como muitos outros; – e assim por diante.

    Poderíamos sintetizar isso como O Cristo bíblico versus o Anticristo gnóstico adotado pelas inúmeras seitas pseudo-cristãs, ditas “espiritualistas”, invariavelmente reencarnacionistas.

    Sintomático nesses últimos dias…

     

     

     

     

  3. Conhecimento?

    Como pode ser chamado de “conhecimento” textos sobre assuntos que ninguém, jamais, mostrou que existem?

     

    No máximo, é mitologia.

  4. Questões inúteis!
    Cristo: da salvação ou do conhecimento mítico, não mexe em nada com o povo. Uma ou muitas reportagem não serão acatadas de imediato por cristãos. Seja qual for o livro religioso – falso ou verdadeiro, mentiroso ou sincero -, não importa, não tem valor para os fiéis, é revelação segundo “O Tratado Político-Religioso de Baruch Spinosa. A questão está posta na teologia, nas elaborações racionais segundo a “Suma Teológica” de Tomás de Aquino, são as teologias que mediatiaziam a relação entre crentes e sacerdotes, entre rebanho e curral, quer dizer Igrejas.

  5. Senso evolutivo
    Encontrar ou divulgar um pergaminho deste, sem dúvida nenhuma é uma evoluçã. Não evoluir seria continuar acreditando cegamente em uma igreja que coloca os seres humanos como meros robôs, com medo do futuro e inferno, sendo que a palavra divina vai muito além disso. Quanto ao bem e o mal, se faz valer, ele ainda está presente na sentença de diversos falsos profetas que condenaram a humanidade a uma falta de conhecimento dos mundos espírituais e reais significados dos mesmos, vivendo nesse ciclo vicioso sem crescimento de guerras e preconceitos, por achismo!!

  6. Senso evolutivo
    Encontrar ou divulgar um pergaminho deste, sem dúvida nenhuma é uma evoluçã. Não evoluir seria continuar acreditando cegamente em uma igreja que coloca os seres humanos como meros robôs, com medo do futuro e inferno, sendo que a palavra divina vai muito além disso. Quanto ao bem e o mal, se faz valer, ele ainda está presente na sentença de diversos falsos profetas que condenaram a humanidade a uma falta de conhecimento dos mundos espírituais e reais significados dos mesmos, vivendo nesse ciclo vicioso sem crescimento de guerras e preconceitos, por achismo!!

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