Mídia Ninja e Fora do Eixo: uma polêmica necessária

A entrevista de Pablo Capilé e Bruno Torturra para o Roda Viva* da última segunda ampliou o debate sobre a novidade representada pela Mídia Ninja e pelo Fora do Eixo.
 
Primeiramente vou tentar fazer uma breve explicação sobre o que são os dois, já que ninguém é obrigado a saber tudo de antemão. 
 
O Fora do Eixo é uma rede de trabalhos criada por produtores culturais que estimulam a circulação de artistas e produtores, o intercâmbio de tecnologia de produção e o escoamento de produtos.
 
A Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) é um coletivo de jornalismo em rede que produz e distribui conteúdo de forma independente e dentro dos acontecimentos, sendo especializado na cobertura de mobilizações sociais.
 
Desde a criação destes coletivos eles estiveram rodeados de polêmicas, seja com direitistas defensores dos grandes conglomerados de produção e distribuição cultural e midiática, seja com setores mais ortodoxos da esquerda.
 
As acusações da direita são previsíveis, já que defendem o status quo: um modelo de cultura e comunicação em que toda a linha de produção e distribuição é voltada para o lucro e a reprodução do sistema, com a alienação objetiva (econômica) e subjetiva (da consciência, dos sentidos) das pessoas.
 
O que me surpreende é a postura defensiva de setores da esquerda, que reage assustada a estas novidades de uma forma que não contribui para que construamos sínteses, novos caminhos para a cultura, para as comunicações e para a sociedade como um todo.
 
Estes setores da esquerda criticam uma série de questões relativas ao funcionamento político interno e financiamento econômico do Fora do Eixo. Sobre o funcionamento político interno me abstenho de falar por puro desconhecimento. Sobre o financiamento econômico as críticas são várias, as duas principais me parecem ser a dependência do Estado e das empresas e a distribuição dos recursos obtidos.
 
Sobre a dependência do Estado e das empresas nenhuma novidade, vivemos em um sistema capitalista e todo mundo precisa comer. Artistas e comunicadores não são seres sobrenaturais que sobrevivem sem os meios concretos para tal. 
 
Não é possível viver à margem do sistema, tampouco criar alternativas dentro deste. A única alternativa verdadeiramente radical pressupõe necessariamente a superação do próprio sistema capitalista.
 
Não podemos exigir dos nossos artistas e comunicadores que morram de fome enquanto esperamos uma revolução social.
 
Nada mais justo que, enquanto não ocorre esta revolução social, os referidos coletivos busquem meios de financiamento público e privado para se sustentar e a seus integrantes de maneira profissional. Sempre devendo tomar o cuidado de manter sua independência.
 
Outro elemento que vem sendo colocado é sobre a distribuição dos recursos obtidos, que seriam destinados à própria rede. Esse me parece o argumento mais estranho vindo de pessoas de esquerda, já que o que a esquerda mais fez ao longo da História foi utilizar o tempo, as habilidades, subjetividades e mesmo os recursos financeiros dos indivíduos para financiar suas organizações.
 
Ou seja, não há pecado algum na destinação voluntária dos seus associados dos recursos obtidos para a sustentação da organização.
 
Sobre a disputa de hegemonia que o Fora do Eixo estaria realizando nos atos, assembleias e organizações, também não vejo isso como algo a ser criticado. O posicionamento político, a organização coletiva, a disputa de opinião, de espaços e de corações e mentes são saudáveis e devem ser feitos publicamente.
 
Na política o Fora do Eixo tem sido um aliado importante em pautas como a discussão dos direitos autorais, o Marco Civil da Internet, a democratização das comunicações, dentre tantas outras, sempre com posturas avançadas. Neste ponto devemos utilizar como critério de avaliação aquela máxima da prática como critério da verdade.
 
Minha crítica é que para conseguir avançar mesmo nestas pautas setoriais é preciso ter e se organizar numa visão sistêmica, discutindo o modelo político, econômico e social de forma ampla e global. O Fora do Eixo, Mídia Ninja e congêneres precisam avançar neste aspecto.
 
O Fora do Eixo me parece ser, em resumo, uma cooperativa. Não é um modelo tão revolucionário, mas também não é uma ferramenta a serviço do neoliberalismo e da exploração da mais valia como colocam alguns ultra ortodoxos.
 
Ao colocar as pessoas para morarem juntas, viajar, produzir, se integrar, se formar nas técnicas e no debate político e se doarem a uma organização coletiva, ele representa uma experiência válida e que deve ser apoiada e com a qual podemos aprender muito.
 
Registro o avanço que é terem formado uma universidade livre, fora das estruturas da tradicional e medieval universidade existente, e que ao meu ver precisa ser, senão superada, pelo menos radicalmente transformada.
 
Nas últimas décadas a esquerda tem se afastado desta questão da produção e distribuição cultural e de comunicação e da sustentação dos indivíduos envolvidos.
 
Os partidos e movimentos sociais se focaram em discussões nas conferências de políticas públicas, nos órgãos estatais e setoriais partidários, ou então resumiam a cultura a uma cobertura estética dos espaços de debate, como os shows e culturais que preenchem as noites de encontros estudantis ou sindicais. Na comunicação muitas vezes se via (e se vê) os profissionais de comunicação destas organizações e eventos como meras ferramentas de transmissão de informação em mão única.
 
Para termos uma nova sociedade precisamos construir uma nova cultura e uma comunicação nova. O Fora do Eixo e a Mídia Ninja não surgem com todas as respostas e não me parece se proporem a isso. Eu possuo uma série de críticas teóricas e estéticas ao trabalho deles, discordo de uma série de opiniões que eles tem colocado, mas eu prefiro fazer esse diálogo com eles, considerando-os aliados e buscando sínteses, do que empurrá-los para o outro lado do rio e me fechar nas alternativas auto proclamatórias já existentes.
 
Nos isolarmos em nossos coletivos e teorias é confortável, mas não nos levará a lugar algum. Precisamos experimentar, arriscar e criar novos rumos. Por ver esse pessoal experimentando e debatendo que eu sou um simpatizante do Fora do Eixo e da Mídia Ninja.
 
Yuri Soares Franco é historiador e secretário-executivo do Conselho da Juventude do Distrito Federal
 
 
 
 
Redação

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