Não é o “radicalismo islâmico”. É a Independência o que assusta os EUA.

 

NÃO É O ISLÃ RADICAL QUE ASSUSTA OS EUA. É A INDEPENDÊNCIA.

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A natureza de qualquer regime apoiado no Mundo Árabe é secundária em relação ao poder de controlá-los. Povos são ignorados, a menos que rompam suas correntes.

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Noam Chomsky | 04/02/2001

tradução livre por Guilherme de Alarcon Pereira
(confira o original no The Guardian:
“It’s not radical Islam that worries the US – it’s independence”)
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“O Mundo Árabe está em chamas”, reportou a Al-Jazeera, em 27 de janeiro, enquanto por toda a região, os aliados ocidentais “estão perdendo rapidamente sua influência.”

A onda de choque foi posta em movimento pela dramática insurreição na Tunísia, que expulsou um ditador apoiado pelo Ocidente, reverberando especialmente no Egito, onde manifestantes sufocaram a brutal polícia de mais um ditador.

Observadores compararam os eventos com a queda dos domínios russos em 1989, mas há diferenças importantes.

Essencialmente, não existe um Mikhail Gorbachev misturado com as grandes potências que apoiam os ditadores árabes.

Em vez disso, Washington e seus aliados se mantem fiéis ao princípio consagrado de que a democracia só é aceitável na medida em que esteja em conformidade com seus objetivos estratégicos e econômicos: saudável em território inimigo (até certo ponto), mas não no “nosso quintal”, por favor, a menos que esteja devidamente domesticada.

Uma comparação com 1989 tem alguma validade: com a Romênia, onde Washington manteve seu apoio a Nicolae Ceausescu, o mais cruel dos ditadores do Leste Europeu, até a fidelidade tornar-se insustentável. Finalmente, Washington saudou sua derrubada, enquanto o passado foi apagado.

Essa é uma norma padrão: Ferdinand Marcos, Jean-Claude Duvalier, Chun Doo Hwan, Suharto e muitos outros gangsteres úteis.

É o que pode estar sendo encaminhado no caso de Hosni Mubarak, em paralelo aos esforços de rotina para tentar garantir que um novo regime que o suceda não venha a se desviar muito dos caminhos aprováveis.

(…)

Um refrão comum entre as sumidades midiáticas é que o medo do islamismo radical requer (com relutância) uma certa oposição à democracia em bases pragmáticas.

Embora não sem algum mérito, a formulação é enganosa. A ameaça em geral sempre foi a independência.

No Mundo Árabe, os EUA e seus aliados têm regularmente apoiado islâmicos radicais, algumas vezes para evitar a ameaça do nacionalismo secular.

Um exemplo familiar é o da Arábia Saudita, o centro ideológico do Islã Radical (e do Terrorismo Islâmico).

Outro de uma longa lista é Zia ul-Haq, o mais brutal dos ditadores do Paquistão e o favorito do Presidente Reagan, que realizou um programa de islamização radical (com financiamento saudita).

“O argumento tradicional promovido dentro e fora do Mundo Árabe é o de que não há nada de errado, de que tudo está sob controle”, diz Marwan Muasher, ex-funcionário jordaniano e atual Diretor de Pesquisa sobre o Oriente Médio do Carnegie Endowment. “Com essa linha de pensamento, forças engajadas argumentam que os opositores e intrometidos que pedem por reformas estão exagerando a verdadeira realidade”.

Dessa maneira, é possível dispersar a opinião pública.

A doutrina é repassada de volta e intensamente difundida mundo afora como, da mesma forma, no próprio território dos EUA.

Na eventualidade de agitações, mudanças táticas podem ser necessárias, mas sempre com um olho em estratégias para reassumir o controle.

O vibrante movimento democrático na Tunísia foi dirigido contra “um estado policial, com pouca liberdade de expressão ou associação, graves problemas de direitos humanos”, governado por um ditador, cuja família era odiada pela sua venalidade. Esta foi a avaliação do Embaixador dos EUA, Robert Godec em uma mensagem de Julho de 2009 divulgada pelo Wikileaks.

Na mesma linha, segundo alguns observadores, os “documentos [revelados pelo Wikileaks] deveriam criar um sentimento reconfortante entre o público estadunidense que pode ver que seus representantes estão alertas, atentos aos detalhes” – como em verdade não cabe a menor dúvida quanto ao fato de que as mensagens [vazadas pelo Wikileaks] são tão conclusivamente positivas em relação às políticas dos EUA que é quase como se Obama estivesse as vazando ele próprio (ao menos, pela forma como Jacob Heilbrunn escreve em The National Interest.)

“Os Estados Unidos devem dar uma medalha a Assange”, diz uma manchete do Financial Times. O Analista Chefe em Política Externa, Gideon Rachman escreve que “a política externa dos Estados Unidos vem à tona como baseada em princípios, inteligente e pragmática … as posições tomadas publicamente pelos EUA sobre quaisquer dadas questões são normalmente a mesmas posições praticadas internamente.”

Sob essa visão, o Wikileaks desconstrói os “teóricos da conspiração” que questionam as nobres motivações que Washington regularmente proclama.

A mensagem [vazada pelo Wikileaks] do Embaixador Godec ampararia esses julgamentos – ao menos se não continuássemos de olho.

Se o fizermos, como reporta o Analista em Política Externa Stephen Zunes no Foreign Policy in Focus, vamos descobrir que – mesmo com as informações de Godec em mãos – Washington forneceu US$ 12 milhões em ajuda militar para a Tunísia.

Acontece que a Tunísia foi um dos únicos cinco beneficiários estrangeiros: Israel, como de rotina; Egito e Jordânia, duas ditaduras do Oriente Médio; e a Colômbia, que há muito tempo combina o pior histórico de direitos humanos e a maior ajuda militar dos EUA no hemisfério.

Heilbrunn ainda destaca seu “Quadro A” (de Árabe) para demonstrar o apoio árabe [dos Governos, é óbvio] para as políticas dos EUA mirando o Irã, como revelado por mais mensagens vazadas.

Rachman, por sua vez, também aproveita o mesmo exemplo, como faz a mídia em geral, festejando essas revelações encorajadoras.

As reações mostram o quão profundo é o desprezo pela democracia na cultura erudita.

Nunca mencionado é o que a população pensa. O que facilmente temos como descobrir.

De acordo com pesquisas divulgadas pela Brookings Institution, em agosto, alguns árabes realmente concordam com Washington e com os comentaristas ocidentais na percepção de que o Irã seja uma ameaça: 10%.

Em contraste, eles consideram os EUA e Israel como as principais ameaças: 77% e 88% respectivamente.

A opinião dos árabes é tão hostil às políticas de Washington que a maioria (57%) pensa que a segurança regional seria reforçada, caso o Irã possuísse armas nucleares.

Ainda assim, “não há nada de errado, tudo está sob controle” (como Marwan Muasher descreve a fantasia dominante).

Os ditadores nos apoiam!

Seus súditos podem ser ignorados!

A menos que eles quebrem as correntes… e as políticas precisem ser ajustadas.

Outros vazamentos também parecem emprestar substância às análises entusiasmadas quanto à nobreza de Washington.

Em julho de 2009, Hugo Llorens, Embaixador dos EUA em Honduras, informou a Washington acerca de uma investigação da embaixada sobre “questões jurídicas e constitucionais em torno da remoção forçada do Presidente Manuel ‘Mel’ Zelaya em 28 de junho”.

A Embaixada concluiu que “não há dúvida de que os militares, a Suprema Corte e o Congresso Nacional conspiraram em 28 de junho, no que se constituiu em um golpe ilegal e inconstitucional contra o Poder Executivo.”

Bastante louvável, exceto pelo fato de que o Presidente Barack Obama seguiu rompendo com a quase totalidade da América Latina e da Europa, apoiando o regime golpista e desconsiderando as atrocidades subsequentes.

Talvez as revelações mais notáveis do Wikileaks tenham a ver com o Paquistão, observadas pelo analista politico Fred Branfman no Truthdig.

As mensagens revelam que a Embaixada dos EUA está plenamente consciente de que as guerras de Washington no Afeganistão e no Paquistão não só impulsionam um antiamericanismo desenfreado, como também “arriscam desestabilizar o Estado paquistanês” e, não bastante, ainda provocam a ameaça do pesadelo sem volta: o de que as armas nucleares possam cair nas mãos de Terroristas Islâmicos.

Mais uma vez, as revelações [do Wikileaks] “devem criar uma sensação de conforto… pois nossos funcionários não estão dormindo no ponto” (palavras de Heilbrunn) -, enquanto Washington marcha intrepidamente para o desastre.

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O mais recente livro de Noam Chomsky, em coautoria com Ilan Pappe, é “Gaza em Crise.”

Noam Chomsky é professor emérito de linguística e filosofia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) em Cambridge, Massachusetts, Estados Unidos.

Redação

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