O blogueiro brasileiro no Japão e a cobertura da mídia

Do blog pequenascousasdo japao de Jose Comessu, tambem no Blog da Dilma

sexta-feira, 18 de março de 2011Cobertura da catástrofe no Japão pela imprensa do Brasil: DEPLORÁVELEste blogueiro foi procurado por vários veículos de comunicação do Brasil para dar um depoimento sobre o flagelo no Japão. Alguns eu passei para outras pessoas que quisessem falar, outros eu nem respondi simplesmente pelos seguintes motivos: NÃO  moro na região do terremoto, da usina nuclear ou do tsunami. NÃO sou especialista em energia nuclear para comentar a radiação de Fukushima Daichi, sem falar que estava dormindo profundamente as 14:49 do dia 11 de março e nem senti qualquer vibração, nem meus roncos, aqui em Hamamatsu , distante exatos 614 quilometros do  local do desastre.

Agora tenho mais um motivo para não falar para essa imprensa brasileira que pratica o jornalismo de ¨bunda¨ na cadeira.

A cobertura da imprensa do Brasil simplesmente está DEPLORÁVEL.

Primeiro foi aquela brasileira, a tal da Andreia Matsubara que se dizia desemparada pelo Consulado de Tóquio.

Sua mãe no Brasil fez um apelo dramático pela TV para salvarem sua filha.

Foram até seu apartamento em Sendai e as imagens mostram um local sem nenhuma ruína.

Até o reporter  e sua equipe receberam  abrigo da ¨flagelada¨ pois não queriam dormir no carro.

Outra pérola foi a descrição de um jornalista da Folha de S.P. do seu quarto de hotel. Ele usou o secador de cabelo como aquecedor, já  não tinha ar condicionado por causa do racionamento. Ele apoiava o aparelho debaixo do abajour. O IDIOTA além de não saber que isso podia provocar um  incêndio, devia ignorar o apelo do governo para economizar energia.

Na falta de personagens reais da tragédia, a mídia resolveu seguir alguns ¨salvadores¨ que foram buscar de ¨lotação¨  os brasileiros desabrigados. Voltaram com algumas poltronas vazias. A maioria estava ocupada com estrangeiros de outras nacionalidades que resolveram pegar carona.

Se quiserem saber realmente o que pensa um morador do local do terremoto, leiam o depoimento desse brasileiro que mora na cidade de Sendai, distrito de Izumi. Felizmente ele mora em um local afastado do litoral. Ele pediu para não ter o nome revelado, pois não quer ser importunado.

Sendai, 17 de março
Amigos,

Estou mandando este email para aqueles no Brasil me pedindo informacoes.

Pra comecar, ha poucos brasileiros nas areas atingidas, motivo pelo qual a gente nao houve falar de vitimais fatais brasileiras. Os dekasseguis se encontram em regioes industrializadas. A regiao atingida, Tohoku (“Nordeste”) e’ uma das mais pobres do pais. Sempre foi. Nao e’ a toa que escolheram Tohoku pra ser o local onde Oshin nasceu.

Os brasileiros nesta regiao sao gente como eu, fora do movimento dekassegui. Sao ryugakuseis, gente que casou com japones. Enfim, gente que nao precisa, nao quer ou nao tem como conviver com outros brasileiros.

Sao menos de 1000 na area atingida, o que da menos de 0.4% da populacao brasileira no pais. Logo, se voce e’ ignorante da geografia do Japao mas esta preocupado com seus queridos aqui (99% dos casos), fique tranquilo porque a possibilidade dele/dela ter morrido e’ pequena.

Mas ha probabilidade de um terremoto secundario de magnitude 7 na escala Ritcher (equivalente ao de Kobe). A vizinha da frente, que teve a casa trincada, deixa o carro na rua (e nao na garagem) e mora e dorme no carro com medo dele. So entra na casa pra cozinhar e fazer as necessidades.

Mas ele nao aconteceu nos primeiros 4 dias onde a probabilidade era maior. Mas ele pode ocorrer dentro dos proximos meses, dizem os especialistas. Como se sabe disso? Porque isso ocorreu em terremotos de ordem semelhante. A ciencia de prever terremotos hoje se restringe a estudar o passado ja que nada se sabe como prever terremotos.

Este proprio e’ uma prova disso. O grande terremoto que todo mundo fala e’ o Tokai Jishin, centrado na area que vai de Tokyo a Nagoya. Tenho ouvido falado dele desde que vim ao Japao. De que ja esta na hora de acontecer (isso e’ baseado na teoria de eles ocorrem em ciclos periodicos, baseados em comprovacoes empiricas – outra coisa do que se sabe muito pouco).

O da semana passada foi zebra. Pegou todos os especialistas de surpresa e muda toda a perspectiva da coisa. O de Tokai, se vier, vai ser picuinha ja que, em termos de probabilidade, deve ser menor que este, que, dizem, acontece a cada 1000 anos.

Outra mentira e’ de que este foi o maior da historia do Japao. Bem, ha’ registos de ocorreu um semelhante em 800 AD, 1200 anos atras. Este e’ maior desde que comecaram a medir e registrar terremotos no Japao, ha um seculo atras.

E quanto a radiacao? Tome cuidado com as noticias que voce ouve. A comecar pela Globo (“uma das 10 maiores TVs do mundo”) ha muita mentira que ate ginasianos aqui conseguiriam apontar. Me dizem que muito mudou no Brasil. Dificil de acreditar. O amadorismo, a cultura de fazer tudo nas coxas continua o mesmo.

Pra comecar a maioria nao consegue discernir Fukushima provincia da Fukushima cidade, o que e’ sinal de que estao mal acessorados. A usina fica na regiao litoranea de Futaba-gun (a regiao em que minha mae nasceu) na costa litoranea da provincia de Fukushima. 

Como poderia de se esperar ela fica numa regiao parcamente povoada. Ja a cidade de Fukushima fica no meio da provincia (veja mapa em anexo). Nao e’ a cidade mais importante da provincia (Koriyama), outra coisa que o blogueiro e o jornalista para-quedista desconhece. Ha 250 km de distancia entre a usina e a cidade de Fukushima enquanto a area de evacucao e’ de 30 km em torno da usina. Logo nao ha problemas imediatos.

As implicacoes a medio e longo prazo sao diferentes. O perigo e’ real. A preparacao psicologica do publico para o pior ja comecou discretamente. A aparicao do emperador ontem na TV e’ para isso. Ontem comecaram a aparecer gente na TV e radio dizendo com enfase que “este problema nao e’ especifico de Fukushima mas de todo povo japones”. 

Por que tanta enfase no obvio, pode voce perguntar. E’ para preparar o pessoal de outras provincias a receber eventuais vitimas da radiacao, ao inves de repudia-los, como ocorreu com Nagasaki e Hiroshima.

Ustream da NHK ao vivo para o mundo de graca: http://www.ustream.tv/channel/nhk-world-tv

E’ em ingles. Como disse para alguns de voces anos atras, e’ perdoavel nao saber japones. Num mundo globalizado, quem nao sabe ingles esta perdido. Como a maioria ja passou da hora de aprender linguas, facam seus filhos aprenderem.




Sendai, 18 de março  
Amigos,

Emborar a luz tenha voltado 3 dias depois, ainda hoje, 1 semana depois, continuamos sem agua e gas.

Nao tomo banho, nao escovo dentes, nao lavo cabelo nem fiz a barba por uma semana. O luxo e’ limpar o corpo com uma toalha molhada com agua quente.

O cafe da manha se resume a uma fatia de pao pullman com leite. O jantar e’ cup lamem. O almoco varia. Como nao ha agua, o prato e’ revestido com saran wrap antes de ser usado, evitando de ter que lava-lo. Uso o mesmo copo plastico e hashi faz ha uma semana. Nunca lavados.

O pessoal vai ate a piscina da escola pra pegar agua a ser usado como agua de descarga da privada.

O que voce acha de todo isso? Se estou certo, ha um gap entre o que eu e voce sentimos a respeito. Me acho abencoado. Bem ou mal tenho teto, comida e luz.

Mas esta e’ a questao. O terremoto mudou a situacao em 2 minutos. Depois de 2 minutos, voce vive num mundo diferente. Quao rapidamente voce seria capaz de se adaptar a esse novo mundo? Quao rapidamente voce e’ capaz de reconhecer que vive num mundo diferente? Isso e’ fundamental e tenho visto que esse e’ o problema da maioria.

E nao se iluda. Nao e’ problema do vizinho. Ele comeca em casa, com seu marido, esposa ou filho. As pessoas ficam atordoadas com o terremoto e nao sabem o que fazer. Como convence-las do que e’ prioritario no momento? O que fazer depois um terromoto as 2:50 da tarde? Estamos no inverno e nesta epoca do ano as 17:30 fica tudo escuro aqui (o dia e’ notavelmente mais curto em Sendai do que Tokyo). O que fazer em 2 horas e meia ate o sol cair? Sem aquecedor, voce tem que guarantir que estara em bem sua cama com cobertores e futom o suficiente para enfrentar o frio de zero graus a noite.

A minha esposa comecou a limpar a bagunca da casa, enquanto eu achei que o importante era garantir um lugar para dormir (o que nao seria possivel nos quartos dado a bagunca e terremotos secundarios) dentro da casa e o jantar. Achou que a luz voltaria em questao de horas (errou a previsao por 3 dias). Gastamos um bom tempo discutindo o que fazer.

E a luta comecou no dia seguinte. Alguns supermercados comecaram a vender. Eles nao deixam o pessoal entrar dentro; colocam mesas do lado de fora com mercadoria, como se fosse feira livre. O pessoal entao entra na fila e espera a vez. E e’ racionado, uma unidade de cada tipo de produto. A espera na fila durou, na minha experiencia, de 1 hora e meia a 3 horas, dependendo do supermercado. As 7:30 da manha tem fila num super que abre as 10:00.

Uma coisa muito distinta do Brasil e’ a maneira que os supermercados e firmas em geral aqui se comportam. Me lembram as aulas de Educacao Moral e Civica que tinha no ginasio. Que, no estilo bem brasileiro, o pessoal aprendia mas nunca achava que era para ele ou pra alguem esperto aplicar na pratica.

Aqui se leva a serio isso. As firmas estao cientes do papel que cumprem na sociedade. Elas cobram mas nenhuma tentou cobrar mais caro pra aproveitar. Funcionaram desde o dia 1 ou 2, mesmo tendo motivos pra nao funcionarem por semanas.

Embora haja comida para uma semana, resolvemos comer frugalmente. Simplesmente porque nao ha garantias de que a situacao se normalize antes disso. Obvio, nao? Mas tome a minha palavra, nao e’. Muita gente tem problemas em entender isso. Ha gente fazendo o contrario. Enquanto estocamos o que pudermos, ha gente que preferiu comer o que tem pra ir comprar quando acabar.

E’ uma estrategia perigosissima ao meu ver. Pressupoe que o abastecimento voltara ao normal ate la ou que ainda havera comida no estoque do supermercado, quando na verdade, a possibilidade do supermercado esgotar e’ maior a medida que o tempo passa. O que mais me surpreende e’ que essas pessoas nao percebem que a vida delas esta em jogo. Nao estamos aqui falando de comprar um video game para o filho. Quanto tempo voce consegue viver sem comprar um game para seu filho? Quanto tempo voce consegue viver sem comer?

Vamos todo dia, de manha e no final da tarde ao abrigo (sao quadras cobertas de escolas transformadas em abrigos) perto de casa pegar agua e comida tambem. Sao distribuidos gratuitamente um garrafa de 500 ml de agua, oniguiri e uma banana. Um conjunto, note bem, por familia e nao por individuo. E nao da pra todos da fila.

A volta da luz nos deixa mais confuso ainda. Vendo TV, radio ou Internet nos da a impressao de estarmos interligados ao resto pais e do mundo quando isso nao ocorre na realidade. As estradas estao interditadas e mesmo que alguem queira me enviar comida de outra parte do pais o servico de entrega nao funciona. A gasolina esta racionada tambem.

Existe uma dicotomia entre o que se sente e a realidade. Isoloados fisicamente mas online com o resto do mundo. Muito estranho essa sensacao.

Um livro americano que fiz meu filho ler meio ano atras foi “A Estrada”, que virou filme em 2009. E’ a historia de pai e filho tentando sobreviver num mundo apocaliptico. A percepcao da realidade e a habilidade de como se virar num mundo novo com situacoes nunca vistas antes e’ o que valem. A leitura valeu porque o moleque foi capaz de entender rapidamente o que eu falava enquanto a mae teve (tem ate hoje) problemas pra entender.

Isto porque sempre achei que eletricidade, banho de agua quente e TV, coisas que damos como certas sao artificiais. Pressupoem civilizacao. Ao contrario do que muitos pensam, nao ha garantia de que a humanidade sempre ira caminhar pra frente. Ha retrocessos e o que voce fara numa situacao dessas?

Cousado por Pequenas Cousas às 18.3.11 53 comentários      Links para esta postagem  http://www.pequenascousas.com/2011/03/cobertura-da-catastrofe-no-japao-pela.html

Luis Nassif

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