O bom projeto editorial do Estadão, por Luis Nassif

Em vez de redações gigantescas - como havia antes - deveria haver um corpo de jornalistas experientes, para o trabalho de selecionar os temas, contextualizar e desenvolver pautas criativas. Um corpo de repórteres de peso para as pautas especiais. Na linha de frente, um exército de freelancers, no Brasil e fora do país, acionados para temas específicos.

A linha política do Estadão é imutável. Mas o novo projeto, lançado por esses dias, não se limitou apenas à redução do tamanho do papel – aderindo ao tamanho tabloide. O projeto finalmente parece entender a diferença entre o jornal e as notícias eletrônicas.

Há um artigo relevante de Carlos Alberto Di Franco, sintetizando o projeto. Admite que os jornais perderam o protagonismo. E tem que competir com a Internet no seu próprio campo, que consiste:

* reportagens mais analíticas e contextualizadas;

* enriquecidas com dados trabalhados;

* pautas criativas.

E impressionante a lentidão com que a mídia – especialmente a escrita – encontrou seu caminho. 

Em fins dos anos 90, 20 anos atrás, escrevi um artigo sobre os novos tempos para uma revista de imprensa. Otávio Frias Filho me pediu que preparasse um paper para uma discussão interna na Folha.

No estudo, eu mostrava a mudança do tempo da notícia. Antes, a notícia era diária. Havia as revistas semanais que selecionavam matérias, publicavam com sua visão de mundo e acrescentavam pautas especiais. 

Com as informações passando a ser horárias, caberia aos jornais fazer, diariamente, a filtragem que as revistas faziam semanalmente. Isto é, organizar as melhores informações do dia anterior, contextualizar, acrescentar análises e dados.

Principalmente, com as informações indo cada vez mais para a Internet, os jornais teriam que se organizar para serem os corregedores dos governos, com sistemas de dados que permitissem baixar dados públicos, trabalhá-los, criando indicadores de acompanhamento. O que veio a ser batizado, anos depois, de jornalismo de dados.

Obvimente haveria a necessidade de uma mudança radical nas redações.

Em vez de redações gigantescas – como havia antes – deveria haver um corpo de jornalistas experientes, para o trabalho de selecionar os temas, contextualizar e desenvolver pautas criativas. Um corpo de repórteres de peso para as pautas especiais.  Na linha de frente, um exército de freelancers, no Brasil e fora do país, acionados para temas específicos.

Na época, Otávio marcou um almoço comigo e, nele, admitiu que não gostava da informação digital. Ouviria o que eu estava sugerindo por desencargo. Não aprendeu nada.

Nos anos seguintes a Folha – e a imprensa em geral – quis competir com a Internet emulando as características do novo meio: matérias curtas, busca de apenas um ângulo das matérias, reduzindo as matérias a manchetes e lides chamativos.

Gradativamente, foi perdendo o comando das grandes reportagens, dos grandes perfis, das grandes contextualizações, das grandes investigações. Tudo se tornou caça-likes. Colunistas espalhados em todos os temas, levantando peças isoladas de temas maiores para disputar a atenção imediata do leitor.

Comprei hoje a edição papel do Estadão. Bem feita, sem a avalanche de informações dos tempos atuais, com matérias mais bem acabadas, com uma ou outra pauta diferenciada.

Não sei se segura as pontas. Na fase inicial de mudanças, as redações ficam sob o entusiasmo dos projetos pilotos. Depois, terão que manter a qualidade.

Se melhorar um pouquinho o ranço dos editorialistas, ainda poderá se tornar um jornal interessante.

Luis Nassif

1 Comentário

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  1. desisti do estadão há 35 anos, nas eleições paulistas de 1986… Lembram do Antonio Ermírio de Moraes? era quase uma terceira via – agora temos em quem votar – bancada pela grande mídia

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