O caso Gisele Bündchen, por Bárbara Castro

Atualizado às 13h52

 

Por Adamastor

Do Correio do Brasil

Gisele Bündchen: Não é só propaganda

Inveja. Falta de senso de humor. Feminismo barato. Toda a sorte de argumentos negativos está circulando como reação ao pedido de suspensão da propaganda da Hope Lingerie protagonizada por Gisele Bündchen, pelo Conar. O órgão afirma que a peça é sexista. A empresa se defende com outro argumento sexista (usa do bom-humor para explorar a sensualidade natural das brasileiras). Gisele não se pronunciou até agora.

A modelo mais bem paga do mundo, que arrisca seus primeiros passos também como empresária, é símbolo da mulher moderna, que não depende do marido ou do pai para pagar as suas contas. Ela mostra que a tão sonhada independência financeira é possível – ainda que muitas feministas não aprovem o caminho que ela encontrou para aparecer nas listas da Forbes.

E é essa contradição – entre a imagem que Gisele passa ao mundo com o seu trabalho e o conteúdo da propaganda – o que tanto incomoda.

No início da década de 1980 a taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho era de 32,9%. Em 2009, ano da última pesquisa PNAD divulgada pelo IBGE, esse número era de 59,5%. O crescimento rápido nesses quase trinta anos é atribuído às mudanças no mercado de trabalho, à expansão no setor de serviços e à crise econômica que vivemos nas décadas de 80 e 90. As mulheres teriam saído de casa para ajudar a completar o orçamento familiar.

São poucos os que dão destaque a um fator cultural de extrema importância para a mudança desses números: a percepção cada vez mais hegemônica de que as mulheres possuem as mesmas competências e capacidades que os homens, e podem, portanto, desempenhar os mesmos papéis que eles na arena pública.

Apesar desses avanços, conquistados pelas lutas e reivindicações do movimento feminista, sabemos que a diferença salarial entre os dois sexos persiste, bem como o abismo de gênero entre os que ocupam cargos mais elevados dentro da hierarquia empresarial.

A essa altura você deve estar se perguntando o porquê de eu insistir em tantos dados “clichês” em um texto sobre a polêmica de La Bündchen. Explico. A propaganda faz a mulher voltar no tempo. Devolve a emancipada Gisele ao lar que sua avó habitou um dia.

A divisão sexual do trabalho e as desigualdades de gênero ainda presentes no imaginário social são os principais limitadores da equidade de gênero no mercado de trabalho. A ideia de que as mulheres devem se ocupar das tarefas domésticas e da criação dos filhos, enquanto os homens devem prover a casa por meio do seu trabalho ecoa tanto entre empresas quanto entre os profissionais.

Os patrões dizem pagar menos a elas porque o seu desempenho e dedicação são menores do que o dos homens, já que o foco das mulheres é a família. Por sua vez, elas se sentem moralmente obrigadas a desempenhar tarefas que poderiam ser compartilhadas com seus companheiros e em contrapartida têm menos tempo para se qualificar, e menor disponibilidade para realizar viagens de trabalho, para citar só esses exemplos. Eles, nem preciso dizer, temem ser associados ao universo feminino ao executarem tarefas relacionadas ao cuidado (limpeza, alimentação, criação dos filhos etc.).

Por isso a gravidade da imagem da “Amélia” que Gisele vem protagonizando desde as propagandas da SKY. Elas passaram desapercebidas pela grita geral porque o texto não literalizava o sexismo que a Hope teima em naturalizar. Gisele, a mulher poderosa e independente, é reconduzida ao seu papel de gênero e volta a brilhar no reino do lar. Nada poderia ser mais aviltante à luta das mulheres.

* Bárbara Castro é mestre em Ciência Política e Doutoranda em Ciências Sociais pela Unicamp.

Por Marcelo Sobral

Numa linha parecida, vejam estes comerciais australianos:

Luis Nassif

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