O Clima, o tempo e a divulgação jornalística. Quanto pior, melhor!

Por Rogério Maestri

Como engenheiro civil formado há 40 anos e mestre em recursos hídricos há quase 30 anos aprendi a o que não se deve dizer para a imprensa, quando o assunto são eventos extremos de tempo que ocorrem em determinados locais. Simplesmente porque a descrição dos mesmos, tanto qualitativamente quanto quantitativamente, é bem difícil e a experiência diz que, quanto mais informarmos a imprensa sobre o assunto, pior fica a notícia!

Há algum tempo, os engenheiros que militavam na área de hidrologia quando perguntados sobre a magnitude de dada cheia de um rio caiam na besteira de dar dados mais credíveis para os jornalistas, dados como:

A cheia atingiu níveis correspondentes a um período de recorrência de 72,5 anos.

O que queria dizer o hidrólogo? Que analisando estatisticamente, de acordo com as tecnologias usuais da época e correlacionando com uma curva de probabilidade de ocorrência de cheias, a cheia ocorrida tinha uma PROBABILIDADE de ocorrer cheias igual ou maior do que esta a cada 72,5 anos.

Dada a resposta, lá vinham as manchetes:

– Cheia como esta só vai ocorrer daqui a 72,5 anos, declara o engenheiro fulano de tal!

– Conforme o engenheiro fulano de tal, só ocorreu cheia como esta no século passado!

Abaixo da manchete, certamente viria um comentário do seguinte tipo:

Dona Maria, cuja a família mora na região há mais de 50 anos, desmente o engenheiro, pois seu avô, em 1945, fez uma marca da altura da cheia ocorrida na data, há 62 anos, que superou a enchente deste ano.

Depois do incidente, o engenheiro hidrólogo, ressabiado da má compreensão da sua afirmação, na próxima vez ele passa ao novo jornalista ou estagiário (o diabo é que a cada vez é um novo jornalista que nunca tem experiência nenhuma sobre o assunto).

A chuva ocorrida, se analisada em termos de intensidade-duração de uma hora, tem, estatisticamente falando, uma probabilidade de ocorrer a cada 150 anos.

O que queria dizer o hidrólogo? Que analisando a distribuição de volume de chuva durante um período de tempo de uma hora, ocorrerá, estatisticamente falando, uma chuva maior do que esta EM UMA hora somente com uma frequência MÉDIA de 150 anos. Ou seja, que a probabilidade de ocorrer duas chuvas como estas ou maiores num período de 10 anos é muito pequena (mas possível).

A partir da resposta, que tornou menos emocionante a manchete lá vem à manchete com um subtítulo.

– Engenheiro fulano de tal diz que, estatisticamente, esta chuva só ocorre a cada 150 anos: Dona Maria moradora da região, há mais de trinta anos, desmente o engenheiro, pois ela viu chuvas maiores do que esta nos últimos trinta anos no mínimo umas três vezes!

O mesmo engenheiro, um período depois, é questionado por um terceiro estagiário de comunicação, por outra chuva intensa ocorrida em outro local. Desta vez, realmente ressabiado com seus desencantos jornalísticos dos últimos anos, ele responde da forma mais correta que poderia responder:

– Realmente , choveu pra cara…, uma barbaridade!

Como o jornal não poderá publicar as declarações do engenheiro hidrólogo, pela primeira vez virá à manchete correta.

– Segundo o Dr. Engenheiro Hidrólogo Fulano de Tal, choveu muito na região, o que é confirmado pela Dona Maria, moradora há mais de trinta anos no local!

Resumo da história, quando perguntado sobre fatos de difícil descrição, como o clima ou tempo, e se não for possível o próprio entrevistado escrever o texto, é melhor não dizer nada para não se comprometer e deixar que a imprensa escreva o que dá manchete, independente se for verdade ou não.

Redação

8 Comentários

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  1. Ó clima, ó tempo

    Gosto muito de ler reportagens ou assistir vídeos sobre o assunto. É humor da melhor qualidade. Algo semelhante a capacidade dos jornalistas ao lidarem com grandezas matemáticas. A prova bruta da ignorância abissal dos deformados pelas faculdades de jornalismo. Paralelo encontrado apenas na visão dos bacharéis de direito sobre a sociedade onde vivem.

    O conceito de evento climático extremo é de dar dó, as mudanças climáticas de dar nojo. As reportagens e os artigos defecados sobre os leitores e espectadores são sempre tendenciosos, alarmistas e desprovidos de comparações sérias. Aliás a pessoa normal, que recebe informações apenas da mídia corporativa, acredita que apenas no último século o clima é um dos maiores adversários das civilizações e da humanidade.

    Enchentes, secas, furacões, granizo e outros eventos eram e são constantes. Aquecimento ou arrefecimento idem. Porém a partir da supremacia da ideologia das alterações antropogências o passado climático passou a ser visto como algo idílico e amistoso. Parecido com o tal bom selvagem, ambos não corrompidos pela maldade humana em busca de poder e riquezas.

    Quando ocorreu a tragédia na região serrana do Rio de Janeiro, em 2011, transcrevi para um exaltado e panfletário alarmista verde um trecho de O Guarani, de José de Alencar, sobre a catástrofe natural que transforma os rios em verdadeiros personagens da trama, aliás responsável pelo desfecho. A resposta do infeliz ao meu comentário foi que era ficção. Restou-me apenas replicar que o autor, pelo visto, além de escrito era também profeta. Afinal como um riozinho plácido como o Paquequer de repente começa a rugir…

    1. Como eu escrevi ao Maestri.

      Valem-se da falta de memória climatológica da população para fazerem os alarmes que bem entenderem. E pior: não se pode questionar ou contestar os alarmistas catastrofistas que é considerada uma heresia. Preservar a natureza, com certeza, é preciso, mas dar como definitivo que o mundo acabará em calor nas próximas décadas, julgo precipitado.

      1. Roberto, quanto a memória é ainda pior.

        Se procurarmos dados meteorológicos no Brasil há um ano chave 1961, antes deste ano, parece que não existiam termometros, pluviometros e outros equpamentos, pois os grandes agentes públicos estão com preguiça de colocarem no sistema dados anteriores a 1961, ou seja as nossas séries históricas não são históricas!

  2. Jornalistas Economistas.

    Jornalista vê o clima como noticia. Isto é, algo  que pode ser esticado, comprimido , dobrado até que não se pareça com o fato, mas que fica mais bonito na televisão.    ( Os matemáticos chamariam isto de transformação topológica). Algo assim como os graficos do jornalismo economico.

    Por exemplo  um dado indice que em 2002 era igual  0.2%  e agora em 2015 chegou a 0.8%, só vai virar notícia no Jornal Nacional , se  for noticiado da seguinte forma

    Houve um aumento de 400% no tal  indice  desde que a serie começou a ser medida em 2002.

    Isto faz com que os jornalistas economicos  apareçam na frente de gráficos, com escalas variáveis  como se fossem cientistas economicos.  

     

  3. não choveu suficiente sobre a represa

    Caro Maestri, também ou engenheiro e tenho me divertido com uma particular incapacidade de todos os jornalistas de compreender o conceito de bacia hidrográfica. Aos longo dos últimos dezoito meses não ouvi, sequer uma vez, uma notícia que incluisse a idéia de que a represa sempre acolhe a água de uma bacia hidrográfica.

     

     

  4. Ainda bem que não tinhamos

    Ainda bem que não tinhamos esse tipo de mídia na época do Egito antigo.Pois como saberiamos do sobe e desce do Nilo.

    Penso que só depois do acontecido.

    Parabéns pela escriba professor.

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