O fim do jornalismo impresso, na conversa com Ramonet

Antes de ontem à noite participei de um debate com Ignacio Ramonet, editor do histórico “Le Monde Diplomatique” e autor de alguns livros de repercussão mundial, sobre as mudanças na mídia com o advento da Internet.

Nos debates, foi-lhe perguntado se acreditava no fim do jornal impresso. Sua resposta foi, digamos, algo política. Crítico de arte, enveredou pela música clássica. Mostrou que o advento da música moderna não acabou com a ópera.

Na sua opinião, o papel continuará existindo, mas perdendo expressão. Com menos consumo de papel, haverá menos produção por parte das empresas. E, com menos produção, o custo ficará mais caro e inviabilizará mais jornais. Mas os jornais de papel continuarão existindo.

O fim do papel

Definitivamente, não continuarão.

O primeiro fator são os custos versus a audiência.

Não há termo de comparação de custos. O jornal impresso exige gráficas pesadas e estoques de papel como se fosse uma indústria; estrutura de distribuição como se fosse um atacadista, colocando os produtos diariamente em centenas de milhares de assinantes e em milhares de bancas.

O jornal digital acompanha o assinante em qualquer local que acesse a Internet. O conteúdo não  tem limitações de espaço. Tem o hiperlink para remeter a documentos, matérias maiores e outras referências. Pode exibir podcasts e vídeos. Tem a interatividade.

As novas gerações já aboliram o papel das suas leituras. E as que se formaram na era do papel gradativamente rumam para as plataformas digitais, imensamente superiores no plano tecnológico. É um espanto a variedade de pessoas de mais idade aderindo entusiasmadas às redes sociais.

É um ambiente em que se chega, primeiro, e se monta o cadastro. Nos dias seguintes, começam a aparecer parentes desaparecidos, amigos de infância, a primeira namorada, o colega de bar. Junto com ele, o novo mundo traz notícias, indicações de amigos, temas de interesse.  E, para os leitores mais qualificados, um universo de opiniões sem paralelo e sem a compartimentalização do papel impresso.

Por todos esses fatores, em prazo relativamente curto será impossível a sobrevivência do jornal impresso. Todos irão para o meio digital, no qual será muito mais difícil o controle do mercado de opiniões – como ocorre hoje em dia.

Um segundo ponto levantado no debate é sobre as mudanças no jornalismo tradicional.

As mudanças no jornalismo

Crítico de artes, mais do que jornalista, Ramonet explicou que o enfraquecimento das empresas jornalísticas está levando ao fim da reportagem geral e da reportagem investigativa. Segundo explicou, grassa guerra terrível na África e nenhum grande veículo enviou seu correspondente. Do mesmo modo, nenhum veíulo irá amarrar um repórter por semanas e semanas para uma reportagem investigativa.

Ousei discordar do mestre.

Hoje em dia há possibilidades muito maiores de grandes reportagens e de reportagens investigativas de fôlego. Há bancos de dados de todos os tipos, ferramentas permitindo cruzamento de nomes, de empresas, acesso a documentos perdidos aqui e no exterior. Em um dia, um bom repórter levantará mais dados relevantes do que em dois meses de investigação no modelo antigo.

É questão de tempo de aprendizado para o novo padrão se impor.

Os filtros

Uma das questões centrais foi sobre a falta de filtros na Internet. Quem pode assegurar a veracidade das notícias? Antigamente, os jornais cumpriam esse papel. Nos últimos 20 anos, com a mistura de ficção e jornalismo no eixo Rio-São Paulo, esse filtro deixou de existir.

O novo filtro não será exclusividade dos jornais. Para cada tema relevante, haverá um site, blog ou comunidade de especialistas opinando e se tornando a referência do tema.

No jornalismo tradicional, para tratar da infinidade de temas, sem ser especialista, o repórter definia “fontes” confiáveis, No vasto mundo da Internet, a confiabilidade será dada por associações, especialistas. Os novos veículos organizarão suas notícias e análises tendo esses referênciais como parâmetro.

Há implicações profundas na política econômica, nas políticas públicas de maneira geral, na influência sobre o Legislativo e o Judiciário.

O mercado de opiniões

Ponto central de discussão foi sobre as mudanças no jornalismo trazidos pela Internet. Ramonet não considerou significativas as formas de colaboração online, de leitores mandando fotos e reportagens pela web.

De fato, não são.

O que existe de significativo vai muito além dos instantâneos.

Um dos pontos significativos é que a Internet implode a hierarquia de opiniões sustentada pelos jornais – como bem lembrou o comentarista Assis Ribeiro em comentário publicado hoje.

O mercado das ideias têm estranhas hierarquias, mais ligadas ao marketing da notícia do que propriamente à profundidade das análises.

A palavra impressa confere um peso desproporcional ao seu ator. Antes, um artigo de colunistas fast-foods acaba tendo mais peso do que a opinião de um cientista social, um analista político, um professor de direito. A cada dia que passa, pesa menos.

A Internet possibilita um embate no qual os colunistas fast-foods são confrontados com os blogueiros mais aguerridos. E ambos estão no mesmo patamar hierárquico, discutindo de igual para igual. A blogosfera conseguiu tirar o colunismo de um falso pedestal e traze-lo para o embate diário dos blogs.

Luis Nassif

8 Comentários

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  1. Jornalismo ético e de interesse público é construção coletiva

    Jornalismo ético e de interesse público é construção coletiva, e não linear! Nassif anuncia na alba – a primeira luz da manhã – a Nova Era do jornalismo no cibermundo. Novos tempos. 

    1. Besteira total! Uma coisa é

      Besteira total! Uma coisa é discordar de Clovis Rossi (ou qualquer jornalista com cara e nome). Outra coisa é discutir com “Iv Avatar”.  Esta auto-indulgência das redes sociais (que se considera melhor do que a “velha midia”) define esta nova realidade. Ignorantes anônimos.

  2. ao fim e ao cabo

    À luz da da realidade nua e crua das evidências o jornal impresso tem seus dias contados…pela nostalgia que isto representa para milhões de leitores em todo mundo,  muitas gerações (não conta seus  desafetos ideológicos) lamentarão a morte de  algo valioso da nossa cultura.

  3. Que dane-se o papel

    “O fim do papel”

    “Definitivamente, não continuarão.”

     

    De um Estado para o outro vai haver investimentos publicos só pela internet? 

    É claro que acaba com os donos do capitalismo tipo impresso.

    Mas quem vai ser o dono dessa internet? O povo

    Então, o resultado disso é o fim da divida pública…

    E os EUA se salvarão do shutdown,

    Viva, viva a internet!!!

  4. O que restará

    O telegrafo sobreviveu ao rádio durante décadas, mas finalmente morreram. O rádio que na metade do século passado era um ambiente de teatro, shows e música agora é acompanhante de motoristas e solitários. A TV não acabou com o cinema, mas agora com os telões de alta qualidade, projetando em sua sala uma tela de 3 metros de largura, e mesmo com as tvs de 60 polegadas, o cinema começa a fraquejar. Agora a TV começa a sofrer os ataques dos computadores, tablets, consoles de jogos e celulares. As revistas estão desaparecendo aos poucos, mais 5 anos e nenhuma estará por aí, sairão da nossa realidade junto com seus primos os jornais. No fim restará apenas uma mídia que fará a vez do cinema, TV, rádio, consoles de jogos e tablets. Será um pequeno celular que poderá projetar imagens de até 3 metros nas paredes, com som de cinema e com todos os conteudos possíveis.

  5. filtros e gargalos

    “O novo filtro não será exclusividade dos jornais. Para cada tema relevante, haverá um site, blog ou comunidade de especialistas opinando e se tornando a referência do tema”

    Estas entidades “ad hoc” ,citadas pelo Nassif, ao meu ver carecem de uma estrutura economica que lhes ofereçam suporte. O patrocinio publico que viabilize tais entidades seria inviável em larga escala, o setor privado não encamparia uma empreitada destas “pelo amor as causas democraticas”. Estas entidades na vida cotidiana são uma quimera . Ao meu ver o que prevalece é a iniciativa individual para se cruzar os dados. As ferramentas estão à disposição : google, instituições economicas, IBGE, wikipedia…

    Ao meu ver esta questão do filtro é muito mais  individual e demanda educação e treinamento tecnológico. Ainda restariam as coberturas de campo, que na minha opinião continuarão como o grande filão das mídias tradicionais. Ademais, esta democracia vibrante prevista pelo Nassif seria um ideal que gostaria de ver aplicado.     

  6. Enquanto o mundo se abriu às

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