O fim do oligopólio e monopólio de mídia depende ou não do Congresso?

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Em 2011, a AGU entendeu que a concentração de grupos de comunicação só precisa da Constituição para ser impedida. Mas parecer da PGR de Gurgel gera dúvidas e controvérsias

Jornal GGN – A proposta da presidente Dilma Rousseff de regulamentar a mídia sob o aspecto econômico incomoda, inegavelmente, os grandes grupos de comunicação interessados em manter intacto o conglomerado que construiram nos últimos anos. No Congresso Nacional, há uma bancada inteira de parlamentares que pisam na Constituição e não escondem que são proprietários ou sócios de veículos de massa espalhados pelo Brasil. O favorito para presidir a Câmara este ano, inclusive, já decretou: vai engavetar qualquer iniciativa de democratizar os meios de comunicação. Fica a pergunta: o fim do monopólio e oligopólio de mídia, conforme expresso na Carta Magna, depende mesmo da vontade do Legislativo?

Em 2011, ao analisar uma ADO (Ação de Inconstitucionalidade por Omissão), a Advocacia Geral da União (AGU) entendeu que não. O Congresso não é obrigado a discutir o parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição Federal, que é claro ao estabelecer que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”.

A ADO 11, assinada pelos juristas Fábio Konder Comparato e Ricardo Quintas Carneiro a pedido de associações de classe e do PSOL, tenta declarar o Congresso omisso face a necessidade de regulação da mídia. Foi apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010 e sustenta que depois de mais de 25 anos de Constituição, o Legislativo não avançou com o debate sobre liberdade de imprensa e expressão. Além do fim do oligopólio e monopólio, outro ponto abordado pela petição é o direito de resposta. O GGN publicou reportagem sobre isso (leia mais aqui).

Para os defensores da ADO 11, “a ausência de regulamentação dos meios de comunicação permite o abuso do poder econômico por parte dos grupos empresariais que concentram o controle da comunicação de massa, instância central das atividades econômicas e das ações políticas.”

Segundo a petição inicial, o artigo 220, parágrafo 5º da CF “não contém norma autoaplicável e os conceitos de monopólio e oligopólio são típicos da ciência econômica, demandando a estipulação de parâmetros legais que definam suas hipóteses de caracterização.” Ou seja, a defesa pede que o Congresso seja “condenado” a ter um prazo para apresentar uma proposta de regulamentação para este tópico.

Mas, segundo relatório da AGU assinado pelo então advogado-geral da União Luís Inácio Lucena Adams, “não há como reconhecer a existência de omissão legislativa inconstitucional em definir monopólio e oligopólio”. Isso porque não está expresso na Constituição que o artigo 220, parágrafo 5º carece de uma lei complementar para ser aplicável em situações reais.

“Se não há exigência constitucional direcionada ao Poder Legilsativo para que conceitue monopólio e oligopólio, não se verifica omissão legislativa inconstitucional.”

“Aplica-se, aqui, semelhante argumentação aventada para demonstrar a inexistência de omissão legislativa inconstitucional quanto ao direito de resposta. Com efeito, o parágrafo 5º do artigo 220 também encerra norma de eficácia plena, não havendo qualquer óbice à sua aplicação imediata”, sem necessidade de lei infraconstitucional.

O que a AGU sugere em seu parecer sobre a ADO 11 é que a desconstrução do monopólio e oligopólio da mídia pelo governo federal não necessariamente precisa passar pelo Congresso e enfrentar um embate eterno dada a resistência da mídia e dos próprios parlamentares. Estaria Dilma, portanto, apta a adotar um modelo “top down” de regulação econômica da mídia?

Há dúvidas e controvérsias.

Outro lado

Em abril de 2012, exatamente um ano após a AGU se manifestar sobre a ADO 11, a Procuradoria Geral da República (PGR), à época chefiada por Roberto Gurgel, fez a seguinte observação:

Quando o assunto é monopólio e oligopólio de mídia, é necessária uma postura “dúplice” do Estado. A priori, na “formulação de políticas públicas de distribuição da propriedade das empresas de comunicação e na diversificação do conhecimento e das informações difundidos”. E, a posteriori, na “promoção da livre iniciativa e na repressão à concentração e abuso do poder econômico, por meio de medidas corretivas ou sancionatórias, que dependem da edição da lei”.

A AGU alega que a norma é de plena eficácia, “mas a realidade demonstra que isso não basta para que o seu comando seja atendido na prática. Como reconhecido por Daniel Sarmento, ‘este preceito é completamente desprovido de eficácia social no país. A concentração [dos poderosos veículos de mídia] em níveis escandalosos aqui é regra. E a pressão dos interessados na manutenção do atual status quo tem inviabilizado a regulamentação e aplicação da vedação constitucional ao monopólio e oligopólio da mídia.”

Para a PGR, portanto, cai por terra o parecer da AGU sobre o fim dos monopólios e oligopólios de mídia não exigirem lei complementar ao que consta na Constituição.

A PGR conclui que o Congresso deve iniciar o debate e vota pela procedência parcial da ADO 11. Porém, frisa que o STF já versou sobre pedidos de ADO antes e entendeu que o Judiciário não tem como impôr prazos para tramitação de matérias ao Legislativo.

A ADO 11 está na mesa da ministra Rosa Weber. No site do STF, a última movimentação do caso ocorreu em fevereiro de 2013. O GGN entrou em contato com a assessoria de imprensa do Supremo a fim de saber em que pé anda a ação, e foi informado de que o gabinete da ministra está em período de recesso até o início de fevereiro.

***

Antes de entrar no mérito da ADO 11, a PGR de Gurgel destacou que em democracias jovens como a brasileira, “constuma-se considerar intocáveis determinados termas ligados às liberdades públicas, com o compreensível recebeiro de que sua regulamentação ocasione retrocessos. (…) A cada tentativa de discussão sobre o tema, imediatamente os grandes veículos de comunicação se levantam para tachá-las de censura. (…) Posturas como a da grande mídia, na verdade, caracterizam uma tentativa de se evitar o debate, o que representa uma grave violação à liberdade de expressão. (…) Portanto, cabe ao Congresso, no exercício de soberania popular, dispor a esse respeito e buscar elementos para tanto junto aos setores especializados do governo e da sociedade civil.”

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

14 Comentários

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  1. Se não há legislação que

    Se não há legislação que regule, também não há legislação que impeça a democratização;

    Há criterio na lei para a distribuição de verba publicitaria e de fomento?

    P.S. Esse governo é tão amador que ao invés de chamar o movimento de Democratização da Midia e bater o pé nisso, usa o termo “regulação” como se as empresas de mídia fossem esclarecer do que se trata. Faz favor!

  2. Incompetência moral …………….

    “Portanto, cabe ao Congresso, no exercício de soberania popular, dispor a esse respeito e buscar elementos para tanto junto aos setores especializados do governo e da sociedade civil.”

    É….., tanto blá, blá, blá, para simplesmente confundir e não fazerem nada. A considerar as omissões do Congresso, do STF e outras postergações, nunca teremos o que preceitua a CF sobre os oligopólios da midia prostituta!Se o Congresso vier a ter a última palavra sobre este assunto, by by !!!!!Vários dos membros daquele órgão, são donos, laranjas, ou estão de “rabo preso” com esta mídia prostituta, que possivelmente tem algum dossiê que os comprometa,  e jamais irão “peitar” os coronéis midiáticos! Só lamento que um País como o nosso, não seja capaz de resolver esta questão, como fizeram vários outros, e isto pode-se simplesmente chamar de  – incompetência moral e outros babilaques………………..

  3. Se depender desse Congresso,

    Se depender desse Congresso, vamos ter que esperar mais 25 anos para discutirmos a concentração nos meios de comunicação no país.

  4. PARA PENSAR.

    Em nosso ordenamento jurídico há duas regras básicas para se saber se determinado ato precisa ou não de legislação infraconstitucial para ser praticado.

    Na área do DIREITO CIVIL, portanto relações da vida privada, o que não é PROIBIDO é PERMITIDO.

    Já na área do DIREITO ADMINISTRATIVO, que trata das relações privadas com o Poder Publico, determinado ato só é PERMITIDO se houver norma legal auturizariva.

    Como a regulação da mídia é uma relação entre o particular e o Poder Público,  portanto matéria de Direito Administrativo, é indispensável uma lei infraconstitucional para a medida ser implementada. Simples assim.

     

     

  5. POR ISSO DEVEMOS TER DIREITO DE CONVOCAR PLEBISCITO!

    Esse é um claro exemplo de omissão do Congresso. Se eles estão caindo de podres e corruptos, o povo deve ter direito de propor leis e votá-las diretamente:

    https://www.facebook.com/democracia.direta.brasileira/photos/a.300951956707140.1073741826.300330306769305/314356765366659/?type=3&theater 

    Essa é a principal diferença entre nós e as nações mais desenvolvidas, onde o povo tem esse direito:

    https://www.facebook.com/democracia.direta.brasileira/photos/a.300951956707140.1073741826.300330306769305/503107126491621/?type=3&theater 

    Restaria o socorro do judiciário, mas infelizmente esse poder está ainda mais podre que o legislativo, mas luta com muita garra, para ficar ainda pior:

    https://www.facebook.com/democracia.direta.brasileira/photos/a.300951956707140.1073741826.300330306769305/557376264398040/?type=3&theater 

    O executivo não é tão ruim, mas precisa fazer tudo o que lhe cabe, até para não ser conivente com a corrupção nacional. Aguardamos anciosos os próximos passos da Dilma.

    1. ” Aguardaremos ansiosos os

      ” Aguardaremos ansiosos os próximos passos da Dilma” Com a força que até os blogs dito progressistas,  estão dando à Geni, digo Dilma, onde encontrará ela a autoridade necessária p/ fazer algo que vá contrariar os verdadeiros donos do Brasil. Ela que se meta e  o PIG, Gilmar e toda a passarada , e os famintos rentistas , farão com que ela  caia na hora.

  6.  
    Tem razão Luka. Chego até a

     

    Tem razão Luka. Chego até a suspeitar, que a renitência em usar o termo “regulação” cumpre uma certa “estratégia da birra”. Só pode ser. A não ser que estejamos nas mãos de um bando de atulemados. Coisa que não creio. Mas, que é de lascar a paciência de qualquer nordestino, não tenho dúvidas.

    Orlando

  7. mais um vez..

    Nós brasileiros, pelo menos aqueles que se consideram conscientes, estamos esperando as bênçãos dos céus. Estamos esperando que caia aquela chuva que vai transformar e abençoará nossas vidas com um toque de magia.

    Não é uma critica e sim uma constatação.

    Se quisermos podemos fazer mais, mesmo que com a alta probabilidade de sermos derrotados e linchados.

    Já panfletei com meia folha de A4 impressa num mimeografo a álcool.

    Hoje temos outros instrumentos mas esperamos a chuva regada à magia.

    Enquanto isso a chuva ácida vai corroendo nossas almas, mentes e corações até o tempo em que nos declararmos débeis.

    1. O que acontece é o
      O que acontece é o seguinte:

      Quem poderia ter uma atitude decisiva a respeito de assuntos graves como este nao o faz.

      São os políticos de “esquerda” que lançaram postos altos no sistema politico.

      O nome deles é Dilma, Lula, Suplicy, Mercadante, Marta, Wagner etc.

      São uns covardes omissos.

      É extremamente difícil e toda sorte de esforços? Sim.

      Por isso mesmo depende de pessoas que alcançam grande importância.

  8. o parecer da agu

    o parecer da agu possibilitaria uma solução mais rápida.

    a que remete ao congresso, é difícil, pelo motivos já

    ditos por outros comentaristas.

  9. Se não existisse um conceito

    Se não existisse um conceito jurídico de oligopólio, o CADE não trabalhava um único caso de fusão e aquisição.

    E se não existisse conceito legal de monopólio, a Petrobrás, ou a União não teriam o monopólio sobre a lavra de Petróleo, o Correio da exploração do serviço postal. E a turma da Petrobrax não teria tanto trabalho para derrubar o inimigo do Monopólio Estatal “inexistente”.

    O fato é que os pouquíssimos profissionais aptos e dispostos a entrar nessa discussão jurídica geralmente trabalham para empresas privadas, justamente inventando argumentos para negar a existência de um oligopólio, mesmo quando evidente. Ou buscando fusões em setores absolutamente oligopolizados, como a telefonia.

    O simples fato de serem poucos profissionais, permite formar sua própria oligarquia ortodoxa, que não deixam passar conceitos que não venham da ciência jurídica da matriz, os EUA e a UE, apenas reproduzindo em solo brasileiro o que beneficia o povo de lá, não o daqui.

    Os raros profissionais que atuam no lado do Estado e do interesse social, em oposição ao interesse privado, estão em outros órgãos, engessados em sua atuação, como o CADE. E onde a migração de volta para o mercado é comum na cúpula, de modo que dificulta eventuais vontades estatais democratizadoras. 

    E sonhar que a sociedade civil tem capacidade de mobilização para lutar pelo seu interesse nessa questão é ser tão Poliana quanto o pessoal que acha que o Direito do Consumidor funciona equilibradamente com 4 ONGs mais estruturadas – e sua meia dúzia de advogados  saídos do movimento estudantil – batalhando contra um exército bem formado de advogados ultraespecializados das 200 ou talvez 500 grandes S/A que dominam o mercado brasileiro, mais seu poder de lobby. Nem que fossem os 300 de Esparta.

    Ficamos dependendo da nossa eterna herança sebastianista portuguesa, à espera de um Konder Comparato  que venha protocolar a inicial, emitir o parecer de sumo especialista, contrarrazoar o Recurso Especial, cruzar a bola e cabecear para o gol, mesmo com o governo federal recheando os bolsos do adversário e fechando acordos que fortalecem coronéis digitais conhecidos em nome da governabilidade. Impossível.

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