O monopólio do papel jornal na Argentina

Não sei o procedimento jurídico ou político adotado. Mas, do ponto de vista de modernas economias de mercado, o monopólio na produção e compra de papel jornal configura-se claramente como uma infração ao direito econômico, pois barra a entrada de novos competidores no mercado.

Do ponto de vista de mercado, a tentativa de acabar com o monopólio é perfeitamente legítima.

Por Rubem

Argentina pede investigação sobre compra de fábrica de papel durante regime militar

24 de agosto de 2010  23h26

A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, anunciou nesta terça-feira que o governo pedirá à Justiça que investigue a venda da fábrica de papel Papel Prensa para os donos dos jornais Clarín e La Nación, os principais do país.

Kirchner mostrou documentos que indicariam que a venda, ocorrida na década de 70, teria sido irregular. A Papel Prensa é a maior fábrica do setor na Argentina e suas ações foram vendidas, de acordo com a presidente, de forma irregular para os donos dos jornais durante o regime militar.

Durante o discurso da presidente realizado na sede da Presidência em Buenos Aires e transmitido ao vivo para todo o país, foram mostradas pilhas de papel das investigações que teriam sido realizadas por integrantes do governo.

Segundo a presidente, desde a venda da Papel Prensa passaram-se “33 anos de práticas desleais com os sócios minoritários” da fábrica, pois, de acordo com Kirchner, a quantidade de papel e os preços eram definidos pelos dois principais jornais.

“Não é para controlar ninguém, mas simplesmente que deixem de controlar os argentinos e que deixem que a segurança jurídica e a livre concorrência sejam aproveitadas por todos”, afirmou.

Em seu discurso a presidente sugeriu também que os donos do Clarín e do La Nación teriam sido cúmplices do regime militar (1976-1983).

“São dados de arrepiar. (…) O proprietário da fábrica, David Graiver, morre num estranho acidente de avião. A esposa dele, Lídia (Papaleo), assinou a venda das ações por preços muito abaixo do mercado. Foi presa durante 15 anos, torturada e violada (durante o regime militar)”, disse a presidente.

No entanto, os jornais do grupo Clarín e boa parte da oposição Argentina afirmam que o governo está prejudicando a liberdade de expressão. Os dois jornais publicaram denúncias de casos de irregularidades que envolveriam o governo.

”Dados vagos”

Em seus sites, os jornais Clarín e La Nación deram destaque a um comunicado que já tinham publicado na versão impressa e também afirmaram que a presidente simplesmente não gosta da cobertura que recebe dos dois principais jornais argentinos.

Os dois jornais afirmam que a venda da empresa Papel Prensa foi “legal”. Segundo o Clarín, Kirchner apresentou um relatório com “dados vagos e imprecisos, por meio do qual tentou atacar a compra da empresa Papel Prensa pelos jornais La Nación, Clarín e La Razón, no ano de 1976”.

“Papel Prensa é uma empresa privada que fornece papel para 170 jornais de todo o país de diferentes linhas editoriais e ideológicas. (O jornal) Clarín possui 49% das ações, La Nación 22,5% e o Estado, 27,5%”, informou o La Nación.

O jornal disse ainda que a empresa nasceu em 1972 e depois foi adquirida pelo Grupo Gravier em 1976, e quando este grupo “atravessava graves problemas financeiros, (a fábrica) foi oferecida ao La Nación, Clarín e (ao jornal já extinto) La Razón”.

Setores da oposição criticaram os anúncios da presidente.

“Vamos ficar de olho para que não se acabe com a liberdade de imprensa”, afirmou o deputado Felipe Solá.

Cadeia nacional

As declarações da presidente foram feitas em cadeia nacional de rádio e de televisão quando Kirchner também anunciou o envio de um projeto de lei ao Congresso Nacional para que a produção de papel seja declarada de “interesse público”.

“Com a Justiça atuando, com o Poder Legislativo atuando, onde não temos maioria, confiamos que a democracia passe por esta verdadeira prova”, afirmou a presidente.

O discurso da presidente foi aplaudido por governadores, sindicalistas e embaixadores convidados para os anúncios na Casa Rosada, a sede da Presidência da República.

“Esse projeto de lei, que enviarei ao Congresso, também recomendará tratamento igualitário para todos os jornais em preços, condições e quantidade (de papel). Que tudo seja produção nacional e que (a fabricação de papel) tenha participação do Estado”, afirmou.

A presidente afirmou ainda que quer “transparência absoluta” neste negócio.

“Quero um país sério e uma democracia sem tutelas. E que os políticos não tenham medo do que vão dizer sobre eles nos jornais. Não só políticos, mas também empresários que tem medo que apareça uma operação e sua empresa seja afetada num só golpe”, disse.

Por Carlos Noce

Este caso está descrito por Jorge Lanata, fundador do jornal Pagina 12, no livro – Argentinos: Quinientos años entre el cielo y el infierno. A propria empresa Papel Prensa foi criada por iniciativa da ditadura do Gen. Ongania (1968) e com participação inicial da Abril, em meio a várias irregularidades. Terminou nas mãos de Graiver, o qual teria usado dinheiro vindo dos Montoneros. Este morreu em 1976 durante a ditadura Videla. O controle acionário foi entâo repassado aos grupos Clarín, La Nación e La Razón a um preço vil, a revelia dos herdeiros, que logo depois foram presos pelos militares. Realmente instrutivo é o editorial do Clarín de 19 de maio de 1977, que merece ser transcrito no original: “La Nación, Clarín y La Razón adquirieron las acciones clase A de Papel Prensa S.A. previa consulta y posterior conformidad de la Junta de Comandantes en Jefe. (…) Como surge de todo lo expuesto la transacción se celebró a la luz pública y con el consentimiento previo y posterior del Estado a través de la más alta expresión de su vontad, que consta en Acta de la Junta Militar, preservando un proyecto de interés nacional, resguardando el abastecimiento para todos los diarios de su principal insumo, en defensa de la libertad de prensa, de conformidad com una centenaria tradición argentina y respetando uno de los suportes de nuestro estilo de vida” Segundo o mesmo Lanata, esta comovedora exaltação da liberdade de imprensa em meio à mais sangrenta ditadura que tivemos por esses lados não se deveu apenas ao mimo representado pela Papel Prensa, mas também à intervenção dos militares na concessão de créditos em condições muito vantajosas. Sem dúvida um caso bastante ilustrativo das relações da mídia com o poder em nossos países. 

Luis Nassif

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