O professor da UFV e a formação jornalística no Brasil

bemfeito

Revista Fórum

O professor da UFV, o Facebook, a notícia falsa, o reacionarismo e a formação jornalística no Brasil

Por Maria Frô   

Um caso tomou a atenção mídia ontem:  G1G1O TempoAlagoas em Tempo RealEstadãoEstado de MinasFórumO DiaTribuna de Minas,Brasil de Fato,  trata-se de uma postagem no Facebook do professor Joaquim Sucena Lannes, chefe do departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Em seu perfil do Facebook, Lannes veiculou uma notícia falsa e ao veiculá-la fez um comentário de apologia à violência.

Ele foi denunciado administrativamente (nº do  registro da sindicância: 007921/2015), afastado da Chefia do Departamento ontem à noite e  e será apresentada ainda hoje contra ele uma denúncia na delegacia civil.

Há tantos equívocos numa única ação deste professor que se agíssemos como ele poderíamos escrever ‘bem feito’! Mas acho que tal postura não ajudaria muito. Não creio que o debate mesmo que discordemos do que diz o professor deva se reduzir ao pensamento expresso no comentário infeliz de Lannes em seu Facebook. Eu ainda acredito na convivência de pensamentos diversos e no respeito às leis. Portanto, não direi caso o processo civil e administrativo leve a sua exoneração algo como ‘está com dó do reacionário, leva pra casa’.

Vamos ao caso:

1) Um professor que é chefe do Departamento de Comunicação Social de uma universidade federal não se dá ao trabalho de investigar se a dada notícia que circula nas redes e que ele reproduz em seu perfil é verdadeira ou falsa. Isso diz muito sobre um certo tipo de jornalismo praticado onde parece que o fato não tem relevância. Mais que a gravidade de um comentário que incita a violência, “o olho por olho, dente por dente“, chama a atenção a ausência de um saber basal de qualquer um que trabalha com comunicação mas, especialmente, um saber que é condição mínima para se chefiar um departamento de Comunicação numa universidade federal: rigor com os fatos, apuração jornalística antes de publicar qualquer notícia.

Sobre a dificuldade do professor que coordena o departamento de Comunicação em distinguir notícias falsas de verdadeiras na rede chama a atenção alguns posts de seu perfil no Facebook. Nestas duas postagens reproduzidas abaixo, compartilhadas por ele do Sensacionalista fico em dúvida pelos seus comentários se ele sabe que se trata de um site de humor:

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2) Segundo dado preocupante neste caso: temos um professor de uma universidade federal que forma novos profissionais da comunicação que parece não fazer a menor ideia de que um juiz não pode desprezar a lei em seus julgamentos.

Se a notícia fosse verdadeira, um jornalista para emitir fazer qualquer opinião sobre o caso, para fazer qualquer juízo de valor sobre o evento, precisaria considerar que uma decisão judicial não pode ignorar os princípios legais. Juiz aplica a lei. Seja um juiz conservador ou um juiz democrático suas decisões judiciais precisam estar embasadas na lei. Nenhum juiz pode julgar um caso baseado em sua decisão pessoal. A Justiça no Brasil não alcança os que não podem pagar por um advogado, se os juízes começarem a julgar todos os processos com base em suas convicções pessoais abrindo mão da lei, voltaremos ao tempo das cavernas, o tempo da ausência do Direito estabelecido.

Boa ou ruim a lei existe para mediar conflitos, punir infratores e assegurar direitos, inclusive aos infratores, ao menos os direitos que estão estabelecidos nos códigos penais e outras leis que regem o país. Por isso repetir frases reacionárias como ‘bandido bom é bandido morto’ é no mínimo ignorar as leis do país.

Bandido deve ser julgado e, se condenado, cumprir a pena que a lei prescreve ao crime cometido, garantindo-lhe o que diz a lei. Por mais hediondo que seja o crime cometido e por mais que desejemos o sofrimento e morte dos bandidos que cometem crimes hediondos, os presídios não deveriam ser infestados de ratazanas, superlotados, um lugar onde presos se matam decapitando uns aos outros. Presídios, em teoria, são lugares para os condenados pagarem por seus crimes e reaprenderem a viver em sociedade.

Voltemos à ação do professor. Antes da repercussão de sua postagem, Lannes justificou sua opinião como sendo ‘apenas uma reflexão‘. Reflexões, especialmente produzidas por acadêmicos, costumavam ser fruto de pesquisa e análise, exigiam tempo de maturação das ideias, mas parece que hoje elas são moldadas pela repetição ad nauseam de frases feitas ditas por figuras como Sheherazade:

“Engraçado, algumas pessoas acharam que meu pensamento é errado. Mas é apenas uma reflexão. A polícia prende meliantes, ladrões, estupradores, etc. Gente que entra em nossas casas e matam, ferem, estupram, entre outras coisas. Depois, um juizinho vem e solta o meliante para fazer mais. Ok, não vamos discutir por isso. Isto é minha opinião. Não gostou? Levem o meliante para casa, deem carinho a ele. O protejam. Sem problemas. O juiz solta e vocês acolhem. E fim de papo”.

Lannes com sua ‘reflexão’ deu margem para que comentaristas fizessem análise de seus conhecimentos gramaticais:  “O protejam”, ele quis dizer: protejam-no. Chefe do departamento de comunicação e não sabe que é vedado iniciar uma frase com pronome do caso oblíquo. Há uma relação intrínseca entre o reacionarismo e a burrice”, diz um comentarista na notícia publicada no portal da Fórum.

Como não queremos incorrer em preconceito linguístico (arma utilizada pela direita conservadora para atacar aqueles que elas acham que não tem capacidade ou mérito para ocupar cargos importantes) não vamos falar da necessidade de professores universitários, de universidades públicas e de prestígio e dos que coordenam departamentos de Comunicação mostrarem o domínio da norma culta na produção de seus textos.

Nos portais li também opiniões de alguns comentaristas adeptos da ‘reflexão’ estilo Sheherazade dizerem que o professor está sendo “censurado”. Há um equívoco, a meu ver, neste argumento que ignora que nossa liberdade de expressão também está condicionada às leis, especialmente à Constituição que veda a apologia à violência. Falar em censura neste caso também não se aplica, porque nenhuma ordem judicial obrigou o referido professor a apagar o seu post. Por que então o referido professor que estava apenas ‘refletindo’ apagou seu próprio post? Talvez porque tardiamente tenha percebido que a liberdade de expressão de cada um de nós está condicionada à responsabilidade do que expressamos.

Este caso permite ainda que reflitamos sobre o falso argumento da direita reacionária no Brasil que quer Paulo Freire expulso das escolas (como se a pedagogia freiriana fosse realidade nas escolas brasileiras). Esse grupo usa o termo ‘ideologia’ como se o seu pensamento não fosse ideológico. Podemos ver na fala deste professor e em várias de suas postagens no Facebook o quanto há de ideologia reacionária em seu pensamento. A questão que me assalta após a breve análise deste caso é: em que estado se encontra a formação jornalística no país? 

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Redação

12 Comentários

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    1. Que agressoes grotescas?

      A colocaçao de pronomes que ele usou é a que eu, você, e toda a torcida do Flamengo usa. O cara é um idiota, claro, mas nao é por isso que vale tudo contra ele. Lamento que a Maria Frô, normalmente uma pessoa progressista, tenha caído nisso, nessa gramatiquice idiota. E o que ela chama de “norma culta” (ai essa hipocrisia de que gostamos tanto…) nao é nenhuma norma autêntica, é apenas o registrado nas gramáticas normativas, que descrevem como existente a linguagem usada apenas por escritores literários da segunda metade do Séc. XIX. A própria gramática do Celso Cunha diz isso.

      E desde pelo menos o Modernismo, que já está fazendo quase 100 anos, os escritores literários deram uma banana para essa gramatiquice. Abaixo um poema de Oswald de Andrade a respeito (há outro do Mário, mas nao consegui encontrá-lo; aliás já Lobato tem texto gozando essa mania com colocaçao de pronomes):

      Dê-me um cigarro

      Diz a gramática
      Do professor e do aluno
      E do mulato sabido
      Mas o bom negro e o bom branco
      Da Nação Brasileira
      Dizem todos os dias
      Deixa disso camarada
      Me dá um cigarro

      a

      1. Perdão prezada,

        mas continuo pensando que para um professor universitário, que de quebra é Chefe do Departamento de Comunicação Social da Universidade, os erros são mesmo grotescos, não só os de colocação de promomes, mas também os de concordância. Isso não me autoriza a qualificá-lo de idiota como você fez, mas me permite dizer, sim, que Maria Frô acertou inclusive no detalhe.

        1. Vc acredita no mito da norma culta (segdo o Bagno, norma oculta)

          E ainda por cima que ela esteja descrita nas gramáticas normativas. Nao vi problemas de concordância no que ele escreveu; isso seria um pouco estranho na escrita de um professor universitário, nao por ser um “erro grotesco” (grotesca é essa apreciaçao normativista) mas pelo fato de, normalmente, nao fazer parte da variante linguística de classe média; mas nao vi caso nenhum no comentário dele. Quanto à colocaçao de pronomes, repito, essa é a regra geral da gramática real do Português Brasileiro (que há muito tempo nao é mais a mesma do Português Europeu). Te aconselho o livro Preconceito Linguístico, do Bagno. E nao venha me falar em mistura de tratamentos, que é outra coisa que faz parte do uso real da língua entre nós.

  1. A desconstrução do magistério por um professor.

    Como diz o comentário, não podemos patrulhar a linguagem alheia, desmerecer alguém pelos erros de português, exceto, claro, se se tratar de operadores do Direito, jornalistas, professores de português ou literatura. Mas qualquer notícia que qualquer um revele, qualquer comentário desabonador que se faça, devem estar baseados em fatos, não em fofocas. Por fofoca, pode-se enlamear a honra de alguém inocente. Mas um chefe de departamento de uma universidade federal, qualquer um que ocupe um cargo dessa relevância, deveria respeitar a liturgia do cargo. Não é igual a eu e você fazendo comentários neste blog, embora, a maioria absoluta dos comentalristas faça comentários baseados em fatos, não em fofocas. E aí, cada um dá sua opinião, de acordo com sua ideologia e experiência de vida.

    Na verdade, a prestigiosa Universidade Federal de Viçosa foi agredida quando um de seus representantes emitiu opiniões tão chulas e pouco inteligentes que nos fazem pensar: “se o professor se expressa dessa maneira, como se expressarão seus alunos”?

  2. “em que estado se encontra a

    “em que estado se encontra a formação jornalística no país?”:

    No estado de coma.

    Que ele seja retirado de seu posto o mais rapido possivel, credo!

  3. Relinchar é grátis.

    Há também aquela “notícia” que um site de humor publicou há alguns anos, ainda no primeiro mandato de Dilma. Dizia a “notícia” que havia uma discussão no seio do PT se as novas cédulas de real deveriam conter a expressão “Deus seja louvado”. Todos sabem que a expressão viola um dos artigos da Constituição, onde se diz que o estado é laico. Então, a notícia-piada prosseguia: “…diante da discussão, Dilma bateu o martelo e determinou que as novas notas trariam a expressão “Lula seja louvado”. Alguém do tamanho moral e intelectual de Roberto Freire, um pernambucano que mora no Recife e se elegeu deputado federal por São Paulo, além de ocupar cargos na Secretaria de Turismo (sem GPS, ele não chega nem ao aeroporto de Guarulhos), um ex-comunista que abraçou as posições fascistas mais extremadas, acreditou na “notícia” e desceu a lenha na presidenta. Senhores, esse é o nível da oposição política no Brasil de hoje.

  4. O Inconsiderado!

     

    Só penso o seguinte. Alguém fala normalmente com um estranho na rua, sabe com quem esta falando num taxi, num ônibus ou numa fila qualquer do SUS, banco ou supermercado. NÃO alcançamos!

    A vida é de estranhos e desconhecidos na realidade das pessoas, preconceituoso todos têm prévias considerações da cultura, social e pessoal, o importante é não colocar estes monstros a solta e consentir nos dominar, perpetramos ate que morrem e adormecem na gente. Os inconsiderados nos sobrepujam! Para isto temos a pretexto que abunda.

    No virtual única e no real a diferença é aparência. Latino e negro, alto ou baixo, no sobrenome. Mais como tem aquele velho samba “Mocinho bonito Perfeito improviso do falso grã-fino” e outro bamba “Metido a malandro e só aprendeu a falar Como é que é? Como é que tá? Moro mano?” que também são exemplos do que se dribla na vida real.

    Naquele movimento classista dos médicos brasileiros contra o programa de mais médicos para todos, tivemos vários professores contra, muito mais que os próprios que foram as ruas, na foto do corredor no Ceara aparecem. Muitos professores são contra abertura das faculdades de medicina, socializar para outras classes além da A e B. Ou a prova para advogado não é uma armadilha a mais para uma trincheira? Não seria o caso da seleção natural dos quem são os melhores advogados se firmarem na profissão? Caso passado dos jornalistas dos cursos e os natos ou formados no dia a dia. Existe seleção e prova para escritor?

    Conclusão que a informação na internet está expondo a casa grande e a senzala, a alma tanto das elites brasileiras como da pobreza. Quantas vezes vemos a mídia retirar matéria da internet e outros órgãos também. A internet é uma ferramenta importante e como foi admirável o gravador do Juruna. A internet esta expondo muito mais a alma de determinadas classes brasileira. Ai aparece às feridas, cicatrizes, a carne nua e as sombras da nossa realidade brasileira ocultada e trancada no armário da cozinha.

    A Assombração!

  5. Formação em geral no Brasil

    O senhor Joaquim Sucenna Lanes ou é leviano-ideologico ou é um exemplo tipico do analfabeto funcional que pulula em certas administrações publicas. 

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