O que a Mídia Ninja não é

Uma das coisas que se aprende quando se estuda cultura, em sua forma mais abrangente, é o chamado relativismo cultural: não se pode tentar enquadrar costumes e tradições alheias por tudo aquilo que constitui nossa própria matriz de costumes e tradições. É a falta de relativismo que leva muitos a rotular de “bizarro”, “estranho” e outras adjetivações pejorativas a tudo aquilo que não nos é familiar. Para tentar entender a diversidade cultural dos outros é preciso, antes de tudo, se despir dos próprios preconceitos.
 
Relativismo é exatamente o que faltou na tentativa de entrevista do programa “Roda Viva”, da TV Cultura, com Bruno Torturra e Pablo Capilé, criadores do coletivo Mídia Ninja. As perguntas feitas à dupla foram sintomáticas por falar muito mais dos entrevistadores do que propriamente dos ninjas; se o que houve foi uma tentativa de “decifrar” – e, em alguns momentos, de desqualificar – o que o grupo faz por meio de suas transmissões em tempo real, os entrevistadores falharam no intento.
 
Falharam porque não foram capazes de perceber que o grupo é apenas o resultado da própria dinâmica de transformação política e social que se desenha nas ruas, e não é de hoje. Falharam ao não serem capazes de perceber que a Mídia Ninja é apenas uma – e não a única – das experiências de mídia alternativa que acontecem no país. Falharam porque não abriram mão, em nenhum momento, do seu próprio conceito de “jornalismo” ao tentar entender o tipo de “jornalismo” feito pelos ninjas.
 
Não abriram mão desse conceito porque o tratam como algo definitivo, acabado em si mesmo, incapaz de sofrer a dinâmica do tempo e dos rumos sociais – e mudar com eles. Partem do princípio que jornalismo se resume ao modelo que caduca há 50 anos nas redações; que se trata daquela sopa de letrinhas de perguntas específicas que se apertam em um enlatado cheio de conservantes. Será mesmo que eles acham que o jornalismo contemporâneo é apenas mudar a mídia, mas manter a mesma linguagem?
 
Velho maniqueísmo
 
Você sabe que um jornalista está amarrado nos mesmos velhos manuais de sempre quando o ouve falar a expressão “ouvir os dois lados”. O maniqueísmo – político, ideológico, cultural, social, etc – começa com esses chavões, que, ainda que sejam apenas palavras, falam sozinhas mais que frases inteiras.
 
Uma demonstração clara foi a reação risível de Mario Sergio Conti, apresentador do programa (talvez um dos seus últimos, aliás), à resposta de Capilé sobre quem ele mais se sentia “próximo”, politicamente falando. Ao ouvir o início de uma resposta, interrompeu com “quem é próximo de todo mundo é o Sol”, como se fosse um arauto da sabedoria. Disse que a resposta do entrevistado fora “evasiva” ao justificar a intromissão, no melhor estilo Fausto Silva.
 
Rotular uma resposta que ele não foi capaz de entender – ou aceitar – como “evasiva” mostra apenas a velha arrogância de quem está, diante do manual de sempre, acostumado a plantar as respostas na boca dos entrevistados. Se não for a resposta que ele espera, então não houve resposta. Trata-se de um tipo de jornalista que acha que “lado” tem necessariamente uma cor, uma bandeira, uma sigla. O que Conti ignora, em sua vasta experiência em repetir o mesmo modelo, é que ideias – sobretudo coletivas! – são muito mais complexas que o espectro político das legendas partidárias.
 
Mesma postura teve o ex-lulista Eugênio Bucci. Acostumado a assumir lados (o atual é anti-lulismo pastelão), tentou impregnar ao grupo a pecha de “falta de credibilidade” por, vejam só, assumir lados. Passou a maior parte do tempo mais interessado em dizer que o grupo era petista (ou anti-tucano) que, de fato, buscar entender sua dinâmica. Era como se os ninjas, caso estivessem ao “lado” daquele que ele próprio já defendeu com unhas e dentes, não merecessem ser levados a sério. Não por acaso, depois de ouvir de Capilé que os integrantes dialogavam com “todos”, emendou com “E com o PSDB, vocês dialogam?”
 
Novo maniqueísmo
 
Nota-se que os entrevistadores do “Roda Viva”, diante de um formato próprio do coletivo (não único, não pioneiro, não revolucionário), não ousaram abrir mão do DNA tradicional, ultrapassado e conservador dos velhos manuais de redação, que se arrastam intocáveis há mais de 50 anos. Na tentativa de dizer o que o grupo é, perderam a oportunidade de ouvir do próprio grupo a que veio, afinal. Foi o mesmo apego à intocabilidade do modelo que os levou a perguntar, não muito tempo atrás, se blogueiro é jornalista. Hoje, a maioria deles são, vejam só.
 
Particularmente, acompanho (e faço) mídia alternativa desde quando era um embrião de jornalista, ainda na faculdade. A Mídia Ninja não é a primeira iniciativa, nem será a única. Há outras mídias em andamento por aí. Essas diferentes facetas de mídia alternativa já receberam o batismo da desconfiança da sagrada “grande imprensa” (como no já citado caso dos blogueiros).
 
As rádios comunitárias – vulgo “rádios piratas” – já foram a bola da vez, com acusações (da própria “grande imprensa”) que variavam desde financiamento de narcotráfico até a derrubar aviões. Acusar de “petista”, meus caros, é apenas mais uma das formas de desqualificar o que é diferente do modelo (como se esse fosse o suprassumo da isenção). Até mesmo a EBC, proposta de rede pública de comunicação que teve, entre seus quadros, o próprio Bucci (na Radiobrás), já foi vilipendiada pela imaculada imprensa privada.
 
Minha saga pessoal em acompanhar, com o mínimo de relativismo, essas formas (todas válidas) de fazer comunicação alternativa me leva a ter uma visão serena e sem necessidade de pressa em qualquer direção. Não vou optar, ao contrário de muitos jornalistas da antigas e muitos jovens ávidos por repetir os manuais, pelo novo maniqueísmo do momento: o que tenta dividir os ninjas entre algo bom e inovador/algo ruim, petista.
 
Não, não tenho essa necessidade em dizer o que a Mídia Ninja é. Mas tenho tranquilidade para dizer o que ela não é: esse modelo arcaico, monopolista e desesperadamente assustado com a (possível) perda de espaço diante de qualquer novo formato que não reze pela cartilha dos velhos manuais de redação. Se eles, os ninjas, vão mudar o mundo? Pouco provável. Mas por que tentar desqualificá-los? A resposta é mais fácil do que se pensa, porque ela nada mais é que a repetição de uma velha estratégia: desqualificar para destruir.
 
Se a evolução da dinâmica das comunicações de massa e feitas pela massa dependessem dessa mentalidade quadrada dos entrevistadores dessa edição do “Roda Viva” (a exceção, claro, foi Alberto Dines), ainda estaríamos discutindo se a fotografia seria inferior à pintura enquanto arte ou – para fazer justiça ao século em que pararam Conti e Bucci – se Fusca poderia ser chamado de carro.
Mário Bentes é editor-chefe da Revista Babel
Redação

1 Comentário

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  1. midia Ninja -comentario

    Minha opiniao sobre a minha pessoa é a mesma que o cartel midiatico tinha a meu respeito com toda a minha permissao.Explico,sou alienado,burro,ignorante,pobre,idiotizado até que descobri a internet cancelando todas as minhas assinaturas de jornais e revistas.Nao me tornei inteligente,porem mais triste pelo desperdico de neuroneos onde, iludido, pensei que havia muitos deles.Descobrindo os estudantes de comunicaçao ,jornalismo, que sao instruidos a procurar ler de tudo e muito para depois simplesmente considerar a gente como perfeitos idiotas,manipulaveis.No Roda Viva percebi que os deuses da comunicaçao se “acham”,não só fazem parte da elite,sao elite pura,selecionada.Deus sabe que é Deus porque tem certeza que nao é medico nem jornalista,È Deus,pronto.Com a minha estupenda ignorancia vejo que a turma do cartel midiatico sabe que pisaram no  tubo da pasta de dente deles ,lutam para tentar colocar de volta o creme dental dos sorrisos cretinos.Não vao conseguir rotular mais com tanta facilidade, o tubinho agora é outro.

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