Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O universo gnóstico infanto-juvenil em Jovens Titãs em Ação

por Wilson Ferreira

É férias e os filhos passam mais tempo em casa, festas e encontros com os amigos de escola. É o momento onde o “Cinegnose” cai de cabeça no universo da cultura infanto-juvenil: animações, games, redes sociais e canais do YouTube. Um universo cada vez mais dominado por uma sensibilidade “meta” – paródica, auto-referencial e metalinguística. Um exemplo é o episódio “A Quarta Parede” da série de animação “O Jovens Titãs em Ação” apresentado pelo Cartoon Network. Uma versão irônica da série clássica “Teens Titans” da DC Comics. O que acontece quando personagens ficcionais tomam consciência de que são apenas paródias de personagens em quadrinhos? A quebra da barreira imaginária entre personagem e espectador (a quarta parede) e a entrada da narrativa na mitologia gnóstica: o demiurgo “Freak Control” que aprisiona personagens para conquistar prêmios e reconhecimento – uma paródica analogia da condição humana.

O público infantil e infanto-juvenil atual não está mais diante dos velhos conteúdos midiáticos como desenhos animados, histórias em quadrinhos ou filmes. Esse público está cada vez mais lidando com mídias que propiciam experiências de entretenimento imersivas, trasmidiáticas e cross-midiáticas. 

Isso significa que as velhas narrativas infantis (baseadas na estrutura dos contos de fadas ou da jornada do herói) estão dando lugar à narrativas cada vez mais irônicas, conscientemente paródicas e auto-reflexivas.

Na verdade, são meta-narrações: paródias, paráfrases, metalinguagens – um desenho como Pink Dink Doo em dado momento se transforma num quizz show com questões sobre a história que a protagonista inventou a minutos atrás; o personagem Capitão Cueca fazendo uma paródia do Super-Homem e ironizando uma peça do uniforme do herói original, a sua estranha sunga; animações como Hora de Aventura ou O Incrível Mundo de Gumball que são verdadeiros liquidificadores de referencias da cultura pop passada e atual e fusão total de gêneros reforçada pela técnica de animação que mistura colagens de fotografias com desenhos.

Podemos até afirmar que na verdade as crianças prestam somente atenção aos berros, cores, explosões, gritos e badernas. Somente os pais se divertem ao descobrir as referencias paródicas e metalinguísticas. Mas o que estamos presenciando é mais do que isso: assistimos ao desenvolvimento de uma nova sensibilidade “meta”, isto é, irônica e auto-referencial. 

Essa é uma tese que o Cinegnose vem desenvolvendo desde a análise do sucesso do personagem Mister Maker, do Discovery Kids: uma nova sensibilidade que pressente que o universo não é uma realidade estável e perene, mas uma realidade artificial, um constructo. E nessa nova sensibilidade parece cair muito bem as narrativas gnósticas – sobre isso clique aqui.

Um bom exemplo atual é a série de animação Os Jovens Titãs em Ação (Teens Titans Go!) exibida pelo canal Cartoon Network. A óbvia referencia é a animação clássica Jovens Titãs (Teen Titans, 2003-2006) criada por Sam Register e Glen Murakami cuja estilo remetia ao formato das animações japonesas onde mostra cinco super-heróis adolescentes liderados por Robin, o menino prodígio e companheiro de Batman.

O desenho era baseado no famosa equipe de heróis-adolescentes da DC Comics composto pelos personagens Robin, Estelar, Ravena, Mutano e Ciborgue.

Surrealismo e paródia

Enquanto a animação clássica era carregada no drama, com os personagens em conflitos e vilões estrategistas que sempre colocavam em risco os heróis, sete anos depois em Os Jovens Titãs em Ação a Warner e Cartoon Network fez uma releitura em tom de comédia surreal e paródica na mesma linha de Incrível Mundo de Gumball ou Titio Avô: os conhecidos heróis da DC Comics foram colocados em um outro nível de universo.

Assistindo aos episódios da nova série, percebemos que não é uma adaptação de nada que já tenha sido feito – os produtores parecem usar a velha roupagem conhecida pelo público para se voltar para a paródia do próprio universo da DC Comics: o que os super-heróis fazem quando não estão salvando o mundo? O que os super-heróis adolescentes fazem quando não há adultos olhando?

Robin batendo o batmóvel e perdendo a licença, Estelar tentando matar um pernilongo, Ravena preparando uma estratégia que faça todos saírem da Torre para que ela possa assistir em paz a um desenho de pôneis coloridos etc.

Mas é no recente episódio chamado “A Quarta Parede” (terceira temporada, episódio 9, 2016) que nos deparamos com um exemplo de como essa sensibilidade “meta” atual (paródias, paráfrases, alusões e ironia) permite que ocorra transversalidade da mitologia gnóstica: se o universo é artificial, o que aconteceria se os próprios personagens ficcionais descobrissem sua própria natureza artificial?

Esse episódio faz um inacreditável mix dos argumentos de filmes gnósticos clássicos como Show de Truman (Truman Show, 1998), A Vida Em Preto e Branco (Pleasantville, 1998) com uma pitada freudiana presente na Trilogia da Pixar Toy Story.

O demiurgo “Freak Control”

Os jovens titãs vão assistir TV quando eis que surge na tela o vilão Control Freak que, empunhado seu controle remoto, impede que os heróis troquem de canal – o mesmo argumento de Pleasantville onde um misterioso técnica de TV com seu controle remoto faz os protagonistas serem transferidos por uma série de TV dos anos 1950, tornando-se prisioneiros daquele universo.

Da mesma forma, o Control Freak revela para os heróis de que eles, na verdade, são prisioneiros na quarta parede da narrativa televisiva e que ele os criou para que ganhasse prêmios e fosse reconhecido pela indústria do entretenimento. Mas parece que deu tudo errado.

“Eu tornei os jovens titãs em entretenimento. Vocês são o show!”, revela o Freak Control para os atônitos super-heróis. “As pessoas estão nos assistindo?”, diz Robin espantado. Todos vão até a quarta parede para ver os espectadores: “Eles estão nos assistindo sem a nossa permissão… bando de bizarros!”, revolta-se Ravena.

Tal como Truman, os jovens titãs descobrem-se como objetos de um show de entretenimento criado por um Demiurgo (o Freak Control, produtor e diretor do show). 

Também tal como em Toy Story o boneco Buzz Lightyear se descobre como um brinquedo ao ver seu próprio comercial na TV, aqui os titãs também se veem na TV. A tela substitui o espelho psicanalítico (a famosa “Fase do Espelho” lacaniano) na dissolução do Édipo – a perda da inocência narcísica para o ingresso no mundo da Cultura: a descoberta de que nada temos de especial e que somos apenas mais um indivíduo numa sociedade.

Mas qual o jogo maligno do Freak Control? O programa deveria ser sua grande conquista: prêmios e reconhecimento – assim como na mitologia gnóstica o Demiurgo cria o cosmos material para ser uma pálida cópia do Pleroma, a plenitude de onde todos forma emanados.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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