Ódio às leis trabalhistas une o golpista Maia à lembrança caricata de Mario Amato, por Igor Fuser

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Da Revista Fórum

Ódio às leis trabalhistas une o golpista Maia à lembrança caricata de Mario Amato
 
por Igor Fuser
 
Ao ler no noticiário de hoje a declaração de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, de que “a Justiça do Trabalho não deveria nem existir”, me lembrei de um personagem da cena brasileira recente que parecia definitivamente perdido no meu baú de memórias inúteis: Mario Amato, falecido no ano passado, aos 97 anos. Como presidente da Fiesp, cargo que exerceu de 1986 a 1992, ele foi o principal líder empresarial no período da chamada “redemocratização”, após o fim da ditadura militar.
 
Amato tinha uma virtude que era ao mesmo tempo um defeito: costumava verbalizar seus pensamentos em estado bruto, sem passar pelo controle de qualidade do super-ego . Isso era uma virtude pela franqueza, e também um defeito porque ele dizia muita besteira, com seu discurso destemperado, politicamente incorreto. Encarnava, com perfeição, o espírito tacanho, reacionário e preconceituoso da burguesia paulista – e brasileira, por extensão.

Ganhou um lugar de desonra na história política do país ao afirmar, durante a disputa presidencial de 1989, que se o líder petista Luiz Inácio Lula da Silva ganhasse a eleição, 800 mil empresários deixariam o Brasil, mudando-se para Miami. Anos depois, em entrevista à revista Veja, declarou que sua frase foi decisiva para a derrota de Lula no embate contra Fernando Collor – o queridinho das classes dominantes no segundo turno da eleição.

Vi Mario Amato uma única vez, em 1986, no início da minha carreira como jornalista, quando trabalhava na Folha de S.Paulo. Pelo meu cargo de editor de assuntos internacionais, participava do grupo de jornalistas que, todas as sextas-feiras, no 9º andar do edifício da empresa na Alameda Barão de Limeira, se reunia ao redor de uma enorme mesa para almoçar com o patrão, Octavio Frias de Oliveira.

Nesses almoços havia sempre um convidado, que era o centro das atenções – um empresário importante, uma autoridade, um especialista em algum tema de interesse. O ilustre convidado era recebido com todas as honras pelo anfitrião e pelos seus dois filhos: Otavinho, atual diretor de redação da Folha, e Luís, que herdou do pai o comando dos negócios.

Antes do almoço, havia um bate-papo informal com o convidado numa sala com sofá e poltronas, enquanto eram servidos aperitivos. Foi nesse cenário que eu testemunhei a conversa entre Mário Amato e o “seu” Frias, como nós, funcionários da Folha, o chamávamos. Amato falava com descontração, bem humorado, contente em divertir o séquito de jornalistas ao seu redor. A espontaneidade da conversa era favorecida pelo compromisso – regra de ouro nesses eventos – de que tudo o que fosse dito permaneceria em sigilo. No jargão jornalístico, em “off”. (Dado o longo tempo transcorrido, e o fato de que os dois protagonistas já faleceram, me considero desobrigado, a esta altura, de preservar o “off”)

Registrei na minha memória, especialmente, a frase que o cacique da Fiesp usou para admitir o fato óbvio de que não passavam de exagero as queixas estridentes do patronato em relação à política econômica do governo da época (o presidente era José Sarney). “Empresário chora mais do que puta”, disse Amato, taça de vinho na mão, em tom de falsa confidência, seguido por uma gargalhada geral.

Mas o que liga, na minha lembrança, esse almoço na Folha às declarações infames de Rodrigo Maia é o momento em que Mario Amato confessou ao patriarca dos Friasseu desconforto com a Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, vigente no país desde 1943, quando foi estabelecida pelo presidente Getúlio Vargas.

“Você se lembra bem, né, Frias, como era antigamente”, disse Amato, saudosista, com um sorriso nos lábios (havia uma certa simpatia simplória na sua figura). “Não precisava nada disso que tem nessas leis de hoje. A gente conhecia bem os nossos empregados, sabia o nome da maioria deles. Quando algum trabalhador precisava de alguma coisa, se ele fosse bom, a gente ajudava, não deixava faltar nada. Quando ele morria, a firma dava um apoio à viúva. Não tinha essa complicação toda, essa burocracia.”

É essa mesma CLT que se torna, agora, o alvo da ofensiva direitista no Brasil do golpismo, quando tudo parece possível à burguesia no poder. A mesma Fiesp de Amato, vale recordar, esteve na vanguarda da mobilização golpista, com seu pato patético na Avenida Paulista. O desmanche da legislação trabalhista é prioridade na agenda da turma do Temer e deve se tornar a “bola da vez” logo na sequência do desmonte da previdência pública, se essa tragédia se consumar.

Para os inimigos da legislação trabalhista, a culpa pelo atual desemprego recorde cabe aos trabalhadores, supostamente dotados de direitos e benefícios acima do que a economia poderia suportar. “O excesso de regras no mercado de trabalho gerou 14 milhões de desempregados”, declarou Maia – um despautério que Amato endossaria sem pestanejar.

Se os políticos golpistas,fieis servidores de um empresariado que combina a tecnologia do século 21 com uma mentalidade escravocrata do século 19,conseguirem levar adiante seus planos de destruição da CLT, em pouco tempo o deputado Maia nem precisará mais se preocupar com a Justiça do Trabalho. Esse ramo do Judiciário se tornará totalmente ocioso, por falta de direitos a serem protegidos.

* Igor Fuser é doutor em Ciência Política pela USP e professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC (UFABC)

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Redação

11 Comentários

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  1. A legislação trabalhista deve

    A legislação trabalhista deve ser aperfeiçoada, não no sentido de retirar direitos, mas de simplificação, de redução da burocracia. A tecnocracia estatal, sendo uma extensão da plutocracia no desprezo pelos trabalhadres, pouco conhece da realidade das empresas, dos empregados e do ambiente de trabalhado. Esses tecnocratas criam  um cipoal de normas que servem à chantagem da fiscalização e pouco, na prática, à proteção do empregado. 

  2. Justiça do Trabalho

    Quando comecei a trabalhar, o Contrato de Trabalho, padronizado, já vinha com a “opção” pelo FGTS, criado pelo Governo golpista de 64. Caso discordasse da opção compulsória, a saída era a rua!

    Prevalecendo a reivindicação dos atuais golpistas, podemos esperar algo semelhante a ser incluído nos futuros Contratos de Trabalho. Uma cláusula como: “O Contratado aceita plenamente que o aqui negociado tem prevalência sobre qualquer Legislação do Trabalho.”

    Nesse caso, para quê, mesmo, a necessidade de Justiça do Trabalho?

  3. O contexto economico do Pais

    O contexto economico do Pais mudou completamente dos tempos de Mario Amato até hoje. A legislação trabalhista precisa sim ser revisada, da forma engessada como se aplica hoje prejudica os proprios trabalhadores porque o mundo do trabalho mudou e desestimula as empresas a contratarem novos empregados, protege quem já está emprega e não ajuda quem precisa de emprego.  Manter a CLT como está beneficia principalmente o imenso sistema que vive dela, a Justiça do trabalho, um milhão de advogados trabalhistas, 16.000 sindicatos. Na mundo inteiro compoucas exceções não existe Justiça do Trabalho e

    a economia funciona por modelos mais simples de contratação..

     

    1. No Brasil a origem de todos

      No Brasil a origem de todos os problemas sociais está na desigualde, ná péssima distribuição de renda e no poder dos mais fortes sobre uma imensa maioria de fracos. Não há como comparar com países desenvolvidos sem resolver esssa questão primeiro.

      É comum ouvir de pequenos empresários, que na Justiça do Trabalho, os juízes protegem demais o empregado e não vê as dificuldades do empregador, que também tem família, custos pessoais, etc.

      Mas na verdade, esses pequenos empresários são apenas vítima, como os trabalhadores, dessa injustiça social que reina no Brasil e que a elite mantém a qualquer custo.

      Realmente a Justiça do Trabalho poderia ser dispensada, mas somente quando as relações de trabalho puderem ser justas.

       

  4. Evidentemente, no Brasil não

    Evidentemente, no Brasil não estamos discutindo modelos de estado de bem-estar social. Estamos vivendo a destruição selvagem do pouco que temos em nome de um neoliberalismo totalmente anacrônico. Mas, para o futuro, quando a democracia for restaurada será necessário pensar sobre o tema.

    Há diversos modelos de estado de bem-estar social. Um dos aspectos nos quais diferem é exatamente a legislação que regula as relações entre o patronato e os trabalhadores. Se não me engano, o modelo sueco, que foi sendo alterado ao longo do tempo, tem hoje uma legislação trabalhista que não impõe ao contratante os custos diretos ou indiretos do estado de bem-estar. Multas, avisos prévios, estabilidade, etc. foram praticamente abolidos. Em compensação – e a compensação é obviamente necessária se há compromisso social – o estado garante um salário desemprego altíssimo, saúde, educação, assistência à velhice, etc., tudo isso financiado, é claro, por impostos elevados e progressivos. Procuram, assim, compatibilizar garantias sociais com redução do risco de contratar trabalhadores. Já na Alemanha e principalmente na França é diferente.

  5. Desonerar a folha e tributar o faturamento
    Os 80% a mais de encargos deviam ser repassados inteiramente ao trabalhador, que com a renda extra compraria mais e faria a economia girar. Isso acabaria com a “PeJotificacao” do trabalho. Eu mesmo não consigo emprego de carteira assinada desde 2009.

    1. Achas mesmo que é essa a
      Achas mesmo que é essa a solução para o desemprego?!
      Procura o Temer, assuma o ministério do Trabalho e resolva crise… Voto em vc para presidente Cabral!!!

    2. Achas mesmo que é essa a
      Achas mesmo que é essa a solução para o desemprego?!
      Procura o Temer, assuma o ministério do Trabalho e resolva crise… Voto em vc para presidente Cabral!!!

  6. “… se essa tragedia se

    “… se essa tragedia se consumar.” Como assim? São favas contadas. Se alterar alguma coisa no projeto do governo é para pior.

    Quanto a CLT, é só uma questão de tempo. Entrará em votação será revogada.

  7. Essa matéria vai encher o

    Essa matéria vai encher o rodrigo maia de orgulho! Vai sair correndo na direção de seus pais dizendo: “Olha papai! olha mamãe! eu pareço com alguma coisa!… kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

  8. entre a ignorância e a safadeza

    Mario Amato foi um dinossauro e tinha visão política e social equivalente. Nasceu no início do século XX, filho de imigrantes que, como tantos, vieram da Europa para “fazer a vida” no Brasil e construiu um conglomerado empresarial importante.

    À época, a miséria, a opressão, a necessidade de criar suas próprias oportunidades em um ambiente estranho, hostil em um Estado disfuncional, uma república embrionária, nas mãos de oligarquias, moldava padrões. As pessoas se submetiam ou subvertiam o sistema a seu favor. O padrão do empreendedor, via de regra, ao lado de uma habilidade nata para o comércio, exigia um comportamento associal e aético, individualista, focado na ambição de construir fortuna. Agiam, em sua maioria, como máquinas movidas a ambição. O lado humanista aparecia na exata medida em que lhes trazia projeção social e ajudava a construir a imagem padrão do líder empresarial. Mão-de-obra sequer era vista como capital humano, era insumo abundante, barato e facilmente reposto. Na maioria das vezes as memórias da infância e juventude de agruras e da história recente de família trazia medo de perder o que haviam construído e de retornar às condições miseráveis de vida da qual haviam escapado. Isso tornava-os mais do que conservadores, tornava-os acentuadamente reacionários. 

    Muito provavelmente, Mario Amato se encaixava no perfil. Então, com todos os defeitos e com uma visão social equivocada e rejeitada quando medida pelos padrões atuais, tinha méritos. Integra, na exata medida de sua contribuição, o início do desenvolvimento industrial do Brasil.

    Já o Deputado Federal e Presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia, com formação em segundo grau, ostenta como experiência de vida profissional, 5 anos trabalhando em instituições financeiras. Com apenas 26 anos foi nomeado para a Secretaria Municipal de Governo do Rio de Janeiro e, dois anos após foi eleito deputado federal. Filho de político, genro de político, cujas respectivas famílias têm profundas raízes na oligarquia política, ostenta a típica carreira política dos membros dessa oligarquia. Não possui qualquer identidade com o eleitor, contado como um voto que pode ser comprado, cabresteado ou manipulado e que, após a eleição, é desprezado como pessoa e ignorado como cidadão. Apaniguado do poder é uma marionete, sem uma única ideia própria. Todas as suas ações políticas são vinculadas, subordinadas e exercidas a favor dos grupos de interesse aos quais se vincula. Nesse aspecto é um penduricalho do sogro Moreira Franco de quem recebeu a presidência da Câmara, quem segura os cordéis que o controlam e para quem exerce o poder que lhe dado.

    Então, o artigo compara o incomparável e ainda que Amato mereça todas as críticas do mundo por suas posições nas dimensões do social e da política, não mereceria ser comparado com um súcubo.

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