Os direitos televisivos no futebol

Da Revista do Instituto Humanitas Unisinos

Quase tudo como dantes no quartel televisivo do futebol brasileiro

Poderio da Rede Globo é reafirmado com imbróglio dos direitos de transmissão mesmo com limites estabelecidos pelo Cade

Por: Anderson David G. dos Santos

Seis meses. Este foi o tempo que durou a expectativa de os direitos de transmissão televisiva do Campeonato Brasileiro de futebol ser definidos através de uma licitação estabelecida na livre concorrência. Isto mesmo. A indústria cultural no Brasil é tão selvagem que até mesmo para processos liberalizantes as barreiras parecem ser intransponíveis.

Se a decisão de outubro do ano passado do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade sobre as mudanças exigidas na licitação dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro foi pouco comentada, falou-se muito da licitação em si.

Há quatorze anos, a Rede Globo tem o privilégio na negociação, com a opção de cobrir qualquer proposta após a abertura dos envelopes, o que foi definido pelo Cade como formação de cartel entre ela e o Clube dos 13, entidade que reúne os 20 clubes de maior torcida no país e que estabelecia, até então, a transação de modo coletivo.

A decisão do Conselho, após longo período, foi para que Globo e C13 assinassem um termo de ajuste de conduta em que se comprometiam, já a partir da licitação de 2012 a 2014, a extinguir o direito de preferência na negociação dos direitos de TV do Campeonato Brasileiro e realizar negociações separadas por mídia (TV aberta, por assinatura, pay per view, internet e celular). Ainda assim, não extinguiu o ponto mais importante: o monopólio das transmissões.

Só que a comercialização dessas edições em vez de regularizar o processo só reafirmou a dependência desse esporte com a Rede Globo. A possível aquisição de tais direitos por outro grupo televisivo levou a um desmonte do C13. O que se junta a uma história de interferência da emissora sobre o futebol nacional, até por sua posição de líder há mais de 40 anos no setor de audiovisual.
Precisamos explicar que os clubes de futebol passaram a ter uma exacerbada dependência do dinheiro oriundo dos direitos de imagem, chegando ao ponto de pedirem a antecipação dessas receitas para pagar dívidas mais imediatas, com a intermediação da entidade que os representa. Segundo diretores do próprio Clube dos 13, a Globo teria se utilizado disso para conseguir mais aliados na licitação. 
Essa pressão se explica pela lucratividade da transmissão do esporte, em que a publicidade paga todos os gastos estruturais, com muito lucro, dada a audiência e os interesses específicos do público. Além do poder em determinar a organização das tabelas do campeonato, a ponto de adaptar o horário dos jogos à sua grade, em que eles começam nas quartas-feiras às 22h por causa da novela, sem qualquer preocupação com o torcedor. 

O resultado do seu poderio foi dado no início deste mês, quando os clubes se reuniram numa assembleia na sede do C13 e o presidente Fábio Koff informou que oficialmente a Rede Globo seria a emissora a transmitir as edições de 2012 a 2014 do Brasileirão.

A Rede TV!, única a apresentar proposta na licitação, de R6 milhões por ano, acabou sendo a mais prejudicada com o resultado final. Até mesmo por não ter certeza sobre o acordo, não apresentou garantia bancária e descumpriu o edital, o que será um grande problema caso impetre um processo judicial. Para piorar, pode perder o direito de transmitir a Série B já a partir deste ano, que é repassado a ela pela Rede Globo, entrando em seu lugar a Band.

Koff foi outro perdedor na história. O ex-presidente do Grêmio seguiu todos os trâmites definidos pelo Cade e quando mais esperava que o órgão brecasse os contratos sigilosos individuais estabelecidos entre Globo e clubes, não o viu acontecer. Na audiência pública realizada no dia 25 de abril no Conselho de Educação, Esportes e Cultura do Senado, o presidente do órgão, Fernando Furlan, afirmou que até onde se sabia não havia nada de errado nos contratos.

Sobre as acusações, a Rede Globo se defende desde o início sob os argumentos da “parceria histórica” e por ter experiência e estrutura prontas, com um maior número de geradoras no país. Para ela, a licitação não poderia considerar o preço – até mesmo porque, provavelmente, a Rede Record, com recursos de outras fontes além da publicidade, deveria apresentar o maior valor.
Mas não só ela sai vencedora desta celeuma. Cresce a força do presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, atual escudeiro do presidente da CBF, Ricardo Teixeira. O clube foi o primeiro a se retirar oficialmente do C13, assinou com a Globo com o dobro do que recebia e na maior faixa e, para completar, é um dos times presentes na comissão formada para analisar, numa espécie de auditoria, as pendências financeiras dos clubes com a entidade.

Desse processo todo, apesar da manutenção do desprezo ao torcedor, percebemos como ponto positivo o fato de essa discussão ser exposta a público, com informações das próprias indústrias culturais sobre os seus negócios e, até mesmo, de denúncias da situação do mercado brasileiro de comunicação feita, por exemplo, pela Rede Record.

Outro ponto interessante veio do presidente da Comissão do Senado, Roberto Requião (PMDB-PR), que informou que caso a Comissão visse irregularidades poderia elaborar proposta de um projeto de lei sobre o assunto. Por mais que saibamos as dificuldades de qualquer regulamentação no audiovisual, aparecer essa possibilidade já é algo positivo, visto que a regulação do setor como um todo vive há anos de uma afasia por parte do Legislativo.

Só cabe a nós, torcedores, pensarmos em alternativas de como baixar o som da TV e ouvir o rádio, ainda sem discussões sobre direitos de transmissão, e assim como no fervor da torcida de final de Copa do Mundo começar a pressionar para que se possa ter uma mudança efetiva no campo comunicacional brasileiro.

Luis Nassif

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