Os rebeldes de 50 e os online, por Muniz Sodré

JORNALISMO ONLINE

Novidade para gente nova

Por Muniz Sodré em 17/8/2010

É fato concebido na comunidade dos especialistas em marketing jornalístico que jovem não lê jornal – em papel, entenda-se. Não se leva em consideração, no caso, a leitura fragmentária de pílulas noticiosas na internet. Daí a novidade anunciada por Rupert Murdoch, o grande tycoon da mídia americana, presidente da News Corp, durante a recente reunião para a comunicação dos resultados de sua corporação: “Teremos os jovens lendo os jornais”. Sua estratégia se resume como “uma mudança de jogo na apresentação das notícias”.

Mas que tipo de jovem estaria na cabeça de Murdoch?

Algumas precisões se fazem necessárias. É que, quando se fala genericamente de “jovem”, a referência visa em primeiro lugar ao adolescente e depois à criança. É o estado de passagem, logo em seguida à puberdade, para a vida adulta – uma etapa considerada difícil em todas as sociedades conhecidas. Inscrito numa transição, o jovem investe-se de uma ressocialização emocional em que os padrões analíticos ou conceituais dão lugar a uma compreensão mais emocional do que lógico-argumentativa.

O fundamental aí é a abertura à experiência, à possibilidade da transformação pessoal e, portanto, ao risco de confrontar novas dimensões de si mesmo e do mundo. O descompasso entre essa abertura e o fechamento do mundo adulto costuma ser causa de desencanto dos jovens com a educação formal, com o universo das salas de aula, mas também o conteúdo tradicionalmente oferecido pelos jornais.

Insólitas iniciativas empresariais

Foi a partir dos anos 50 que começaram a surgir no Ocidente as condições públicas para um questionamento emocional coletivo, por parte dos jovens, da estrutura histórica que permitia a geração de fantasias sobre um presumido saber absoluto da parte dos pais e dos professores e dos adultos em geral. Embora o fenômeno deite raízes no passado, a característica da mudança nos anos 50 é que o projeto de independência do adolescente não passa necessariamente pela tradição profissional, mas por atividades ligadas a um saber marginal em face das finalidades da acumulação clássica: o saber da música, o domínio da canção. Conhece-se bem a saga das bandas, dos festivais de música e das “tribos” juvenis. As novas tecnologias da comunicação sempre serviram de espaço potencial para os rearranjos da socialização juvenil.

Trata-se sempre de jogo, embora não com o mesmo sentido atribuído por Murdoch à palavra (“uma mudança de jogo na apresentação de notícias”). O jogo juvenil não é uma estratégia industrial, mas um fenômeno estético que configura personalidade e hábitos de consumo. Mas é verdade que algo desse jogo juvenil tem realizado uma transição para as práticas relacionadas à tecnologia digital.

Primeiro foi a indústria do disco, que passou por grandes transformações em virtude das ações ditas de “pirataria” (downloads ou cópias não pagas de CDs) por parte, principalmente, de adolescentes afeitos à internet. Em seguida, no mercado do digital, onde se produzem e se consomem indistintamente conteúdos online, desaparecem as barreiras físicas para a circulação de textos, o que dá margem a insólitas iniciativas empresariais por parte de jovens instrumentados pelas chamadas “redes sociais”. Devido à fragilidade das barreiras dos direitos autorais em muitos planos, os jovens reeditam no campo do livro digital o fenômeno da cópia gratuita de textos, a exemplo do que antes ocorria com canções gravadas e à venda nos circuitos comerciais.

A “cultura da gratuidade”

O mais importante, porém, é que esses jovens vêm deixando claro que não se leem apenas livros, que a leitura hoje é heterogênea, ou plural. Na sociedade conformada pelas tecnologias da comunicação, o espaço urbano é atravessado por uma diversidade de textos (jornalísticos, publicitários, televisivos, digitais etc.), em que letras, imagens e sons se entrecruzam ou se misturam, com formas distintas de recepção, suscitando novos modos de ler.

A ideia de Murdoch é penetrar nesse universo, valendo-se da tecnologia dos aplicativos digitais (tablets, como o iPad da Apple, e celulares) para produzir um novo jornal de caráter nacional. A novidade, com conteúdo pago, oferecerá a seu público artigos curtos, bem feitos e de fácil assimilação.

Está no horizonte imediato a formação de uma equipe de dezenas de repórteres e editores, o que é altamente auspicioso para o meio profissional cada vez mais inseguro quanto ao futuro do jornal impresso. Basta dizer que, na semana passada, a contratação de 34 repórteres por um tabloide novaiorquino virou manchete de jornal, segundo informa e comenta a correspondente Lucia Guimarães no Estadão: “Foi como se o museu de História Natural tivesse anunciado o sucesso em reproduzir em cativeiro uma espécie ameaçada.”

É bem vinda, pois, a ideia de Murdoch. Resta apenas saber se conteúdo velho em suporte novo conseguirá mesmo mobilizar a geração que vive a “cultura da gratuidade” na internet.

 

Luis Nassif

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