Parcialidade da imprensa ameaça democracia

Jornal GGN – A RFI ouviu especialistas a respeito da cobertura que a mídia brasileira vem fazendo da crise política. De acordo com eles, a parcialidade das análises e a falta de credibilidade dos veículos ameaçam a própria democracia.

“Alguns órgãos de comunicação, como a revista Veja e a Rede Globo, demonstraram um engajamento claro na defesa do impeachment, o que, em alguns momentos, transformou o jornalismo destes grupos em verdadeiros panfletos”, disse Dennis de Oliveira, chefe do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

Enviado por Henrique O.

Da RFI

Parcialidade da grande imprensa ameaça democracia brasileira, dizem especialistas

Por Daniella Franco

Capa de alguns jornais brasileiros do dia 18 de abril, depois da aprovação da abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff pela Câmara dos Deputados. Miguel Schincariol / AFP

A controversa cobertura da crise política brasileira pelos maiores meios de comunicação do país está no alvo de críticas de especialistas e profissionais da mídia. Para os jornalistas ouvidos pela RFI, não há dúvidas sobre a parcialidade da cobertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff que, além de resultar na falta de credibilidade da informação, ameaça a própria democracia do Brasil.

“Alguns órgãos de comunicação, como a revista Veja e a Rede Globo, demonstraram um engajamento claro na defesa do impeachment, o que, em alguns momentos, transformou o jornalismo destes grupos em verdadeiros panfletos”, avalia o professor Dennis de Oliveira, chefe do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicação e Artes da USP (ECA-USP).

Para ele, a visão “panfletária” da grande imprensa tem contribuído para se deslegimitar e acirrar ainda mais a opinião pública. “Nesse debate sobre a crise há ofensas, agressões, acusações, mas não verdadeiros argumentos. Então, a longo prazo, a credibilidade dos jornalistas pode, sim, ser afetada. Mas, o mais grave é a que a grande mídia prejudica, desta forma, a democracia brasileira”, analisa.

O país dos trinta Berlusconis

A parcialidade da grande mídia na cobertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff é algo que vem preocupando organizações que militam pela liberdade de imprensa, como a ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF). Na edição deste ano de sua Classificação Mundial de Liberdade de Imprensa, o Brasil, que aparece em 104° lugar entre 180 países, é lembrado como a nação onde os maiores meios de comunicação seguem nas mãos de poderosas famílias próximas da classe política.

Em 2013, em um relatório sobre os desequilíbrios e obstáculos dos meios de comunicação brasileiros, a ONG descreveu o Brasil como “o país dos trinta Berlusconis” que “dominam as plataformas de comunicação de todo o território” e impedem que “os meios de comunicação sejam independentes dos centros de poder”.

Ao comentar a posição do Brasil no ranking de 2016, a ONG diz que o tratamento que os meios de comunicação deram à crise política no país mostra que “os principais meios convidaram sua audiência de maneira dissimulada a ajudar na queda da presidente Dilma Rousseff”.

“Percebemos uma clara distorção no tratamento da informação e uma falta de objetividade evidente que contribuíram para a polarização da sociedade”, diz o chefe do Departamento América Latina da RSF, Emmanuel Colombié. Para ele, é inegável que a cobertura da crise política pelas grande imprensa brasileira é direcionada à saída de Dilma Rousseff da presidência.

Para Colombié, isso vai até mesmo de encontro ao principal dever do jornalismo, que é informar. Ele lembra, por exemplo, que na semana que antecedeu a votação da abertura do processo de impeachment na Câmara dos Deputados, uma pesquisa do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso à Informação da USP, revelou que três das cinco matérias mais compartilhadas por brasileiros no Facebook eram falsas. “Isso mostra a desinformação da própria população sobre o que acontece no Brasil, o que é um verdadeiro perigo para a democracia”, conclui.

Jornalismo pode ser imparcial?

Ao contrário de boa parte dos veículos internacionais, como os grandes jornais francesesLe Monde, Le Figaro e Libération, no Brasil, os grandes meios de comunicação ainda defendem a ideia de que fazem jornalismo imparcial. Um conceito inexistente, para o jornalista Carlos Castilho, do Observatório da Imprensa. “Não existe isenção absoluta no jornalismo. Por outro lado, é possível fazer uma cobertura equilibrada”, defende.

Castilho acredita que seja difícil desconstruir esse antigo discurso do jornalismo, que data de antes do advento da internet, no qual ouvir “os dois lados” de cada história era suficiente para justificar a objetividade. “Mas hoje já não podemos fazer isso porque, em cada história, temos muitos lados. O que acontece é que o jornalismo ainda não se adaptou a essa nova realidade”, ressalta.

A falta de reflexão nas redações

Na semana passada, em editorial, o jornal francês Le Monde se questionou se sua cobertura sobre a crise na política brasileira estava apenas ecoando os principais jornais do Brasil. A dúvida surgiu depois que o diário recebeu dezenas de cartas de brasileiros e franceses vivendo na França e no Brasil, criticando a parcialidade da correspondente no país, Claire Gatinois.

Le Monde também reconheceu e lamentou que o editorial de 31 de março, intitulado “Brésil: ceci n’est pas un coup d’Etat” (Brasil: isto não é um golpe de Estado, em tradução livre), não tenha sido equilibrado, em especial por ter omitido que os apoiadores do impeachment são acusados de corrupção, a começar por Eduardo Cunha, presidente da Câmara, assim como por não ter considerado suficientemente a parcialidade da imprensa nacional.

No Brasil, essa reflexão dentro das redações está longe de acontecer. Os próprios jornalistas percebem que falta uma discussão mais aprofundada sobre o trabalho que desempenham. “Institucionalmente, as reflexões não têm sido críticas. Poucos veículos têm abordado essa questão. Alguns, mais ligados à esquerda, como a Carta Capital, fazem uma crítica maior em relação a esta cobertura. Mas, obviamente, cada veículo segue o que estabelece sua linha editorial”, diz o sub-editor de Política do site G1, Fabiano Costa.

Fora do espectro dos grandes grupos de comunicação, meios independentes parecem ser os únicos a marcarem sua posição, como explica a repórter Katia Passos, do Jornalistas Livres. “Eu diria que mais do que um apoio, as grandes mídias estão patrocinando um golpe de Estado no Brasil. Lutar contra isso e desconstruir o discurso delas é uma tarefa muito difícil. Mas o poder de alcance que têm é tão grande que encontramos muitas dificuldade para chegar ao mesmo patamar dessa mídia golpista”, diz.

A repórter ressalta a tradição dos brasileiros de se informar unicamente pela imprensa tradicional e a influência que a televisão ainda exerce no público. Além disso, ela nota a falta de reflexão da população sobre a informação que consome, independentemente da classe social à qual pertence. “Em qualquer matéria da revista Veja que fale sobre o processo de impeachment, por exemplo, as pessoas fazem comentários horrorosos, preconceituosos, sexistas. Isso acontece justamente porque as pessoas acreditam naquela informação sem raciocionar. E isso demonstra também uma falta de responsabilidade muito grave das grandes mídias, que incitam esse tipo de comportamento”, conclui Passos.

Redação

10 Comentários

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  1. a midia nacional morreu como fonte de informacao
    Por aqui midia e sinonimo de planfeto partidario, manipulacao e mentira como a que Veja montou sobre um risivel plano de Lula pra fugir pra Italia ,imediatamente desmentido por autoridades italianas. A midia bananeira da Republiqueta das Bananas em que as instituicoes midia -judiciario e politicos nos transformaram.

  2. “no Brasil, os grandes meios

    “no Brasil, os grandes meios de comunicação ainda defendem a ideia de que fazem jornalismo imparcial.” 

    Está aí a prova do Golpe: Qualquer cidadão em plena sanidade mental pode verificar que isso é uma mentira descarada.

    As críticas antecipadas, quase ofensas, feitas à presidente Dilma pela declaração de que há um Golpe em curso no Brasil, que ela NAÕ O FEZ na ONU, é outra prova claríssima da parcialidade político-ideológica cujos “jornalistas” desses veículos de informação negam desavergonhados.

    Prova também a necessidade desesperada de desmentir absolutamente tudo o que a presidente disser ou pretender dizer.

     

  3. Le Monde admite ter ignorado parcialidade da mídia brasileira

    Do jornal francês RFI – Rádio França Internacional:

    Le Monde admite ter ignorado parcialidade da mídia brasileira

    Na edição antecipada de domingo (24), o mediador entre os leitores e a redação do vespertino francês Le Monde, Franck Nouchi, faz a seguinte pergunta: “Le Monde foi parcial na cobertura da crise política brasileira?”

    O questionamento foi feito depois do jornal ter recebido dezenas de cartas de brasileiros e franceses vivendo na França e no Brasil. O jornal cita a carta, que elogia como muito bem argumentada, de quatro brasileiras residentes em Paris,”movidas pela consciência do impacto que o Monde tem sobre a opinião pública”. No texto, elas perguntam por que Le Monde escolheu a parcialidade para abordar a crise política brasileira ao invés de indagar, abordar novos ângulos… e não seguir o coro uníssono da grande mídia brasileira.

    Na mesma linha, Le Monde também levou em consideração o correio de um outro grupo de ex-exilados políticos brasileiros da França e da Bélgica, que interrogam por que não foram feitas reportagens mais balanceadas com personalidades de destaque como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros nomes, sobre suas razões para se posicionarem com tanta firmeza pela democracia. Na contramão, é citado somente um leitor que elogia diversos artigos e o ombudsman defende as coberturas de algumas matérias.

    Parcialidade das mídias brasileiras é reconhecida

    No entanto, reconhece e lamenta que o editorial de 31 de março, intitulado”Brésil: ceci n’est pas un coup d’Etat” (Brasil: isto não é um golpe de Estado, em tradução livre), não tenha sido equilibrado, em especial por ter omitido que os apoiadores do impeachmentsão acusados de corrupção, a começar por Eduardo Cunha, presidente da Câmara, assim como por não ter abordado suficientemente a parcialidade da imprensa  nacional. Nesse contexto, o mediador lembra um dossiê completo publicado em janeiro de 2013 pela ONG Repórteres Sem Fronteiras, que chamava o Brasil de “o país dos 30 Berlusconi”*, lembrando que os dez principais grupos econômicos, familiares, dividem o mercado da comunicação de massa.

    Finalizando, o jornal admite que o ideal teria sido enviar um jornalista de Paris para apoiar sua correspondente em São Paulo, Claire Gatinois, para relatar com mais profundidade as fraturas sociais da população, reveladas durante a crise.

    * referência ao ex-premiê italiano Silvio Berlusconi, dono de um império midiático na Itália.

    http://br.rfi.fr/geral/20160423-brasil-le-monde-admite-ter-ignorado-parcialidade-da-midia-nacional-na-crise-0?ns_campaign=reseaux_sociaux&ns_source=twitter&ns_mchannel=social&ns_linkname=editorial&aef_campaign_ref=partage_user&aef_campaign_date=2016-04-23

  4. Concordo.

    Concordo com o exposto.

    Acho que devia existir um indicador do impacto das ações da velha mídia. Pelo alcance que têm, a responsabilidade em relação a democracia e estado de direito é um imperativo.

  5. Jornalismo

    O jornalistas no Brasil são pobres de mentalidade, muitos se colocam num patamar superior e discriminam colegas de outras emissoras de televisão. A família Marinho, Civita, Frias, Saad, Edir Macedo, Silvio Santos dominam e controlam os meios de comunicação no Brasil, estes grupos de empresários estão associados a políticos regionais e nacionais e têm ligações com empresas nacionais e estrangeiras.

    O parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição da República estabelece:

    §5º Os meios de comunicação social não podem, direta ou diratamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio

    Os proprietários dos meios de comunicação obedecem à lei? e aí poder judiciário quanto vocês faturam para beneficiar os empresários corruptos donos das emissoras de televisão, da mídia impressa e virtual ? Quais os interesses políticos e econômicos em jogo? 

    A mais poderosa ferramenta do século XXI, a internet, é uma arma extremamente valiosa e útil para diminuir a desigualdade de direitos entre o oligopólio da mídia e da mídia alternativa. A informação tem custo e benefício, é uma ferramenta essencial na sociedade, o jornalismo, o direito à informação, a fonte de informação e o interesse público estão interligados e são agentes do fluxo de informações eficaz e eficiente. A carência é o recurso humano, pois há muitos jornalistas mediocres e despreparados que são usados como objetos dos interesses dos patrões capitalistas. Esses jornalistas nunca leram o código de ética dos jornalistas brasileiros que horror rsrsrs. preferem obedecer ordens dos editores chefes pobres coitados, rastejam para receber um salário.

  6. uma pessoa mesmo manipujlada

    uma pessoa mesmo manipujlada pela grande mídia aceita a ideia de que essa manipulação é natural….

    isso quer dizer o que?

    falta de ética? canalhice?

    por que ssa pessoa se irrita quando voce contesta essa atitude de aceitação da

    manipulação como se fosse  algo natural e pode ser feita sem punição nenhuma?

  7. A imprensa brasileira emprega
    A imprensa brasileira emprega aqui o modelo “guerra de informação” defendida por Hillary Clinton https://m.youtube.com/watch?v=LyjnEm8DZkI&sns=tw. É a mofada versão totalitária dos gringos de afogar o povo em medo e em propaganda para seguir controlando o Estado para cuidar apenas de alguns interesses privados (dentre os quais os daqueles que lucram fazendo propaganda política conservadora).

  8. Orgão de controle

    Nassif, não tem nenhum orgão que fiscalize a atuação ética dos jornalistas? Tipo OAB, CRM, CREA, algum assim? Mesmo que os exemplos que eu citei sejam corporativistas e não divulgam quantos e quem são os que respondem as sindicâncias, mas pelo menos a sociedade teria a quem reclamar.

    Está vergonhoso explicar isso para quem está fora do Brasil.

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