Por um plano de investimento que quebre o monopólio da Globo

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Helena Sthephanowitz

Da Rede Brasil Atual

Apesar dos urubólogos de plantão, o Plano de Investimento em Logística, anunciado na terça-feira (9) pelo governo brasileiro tem tudo para dar certo. E o motivo é muito simples: é um bom negócio e de pouco risco. Existe muito dinheiro ocioso no planeta em busca de porto seguro, que não seja apenas o capital especulativo, de alto risco. E colocar o dinheiro em ferrovias, rodovias, portos e aeroportos em um país com demanda crescente como é o caso do Brasil oferece a segurança necessária para diversificar investimentos de longo prazo.

Mas tem outros setores da economia que estão travados e a caminho de uma crise setorial pela obsolescência do modelo que trava novos investimentos. É o caso da TV aberta. A tecnologia avançou muito, a sociedade brasileira também, os equipamentos baratearam, mas a estrutura de oligopólio continua a mesma dos anos 1970, o que não atrai novos investimentos e não gera novos empregos no setor.

O modelo de negócios da TV aberta está tão travado e arcaico que não acompanhou nem a evolução socioeconômica dos domicílios brasileiros. Hoje, é comum ter dois televisores mesmo em casas de famílias consideradas de baixa renda que não dispõem de TV por assinatura. No mesmo horário, enquanto uma pessoa poderia assistir futebol no quarto, outra poderia ver novela na sala, multiplicando a audiência simultânea, a receita de anúncios no setor, e gerar mais empregos para artistas, técnicos, jornalistas, esportistas.

Mas do jeito que está hoje, mesmo com queda de audiência ano a ano, existe uma rede de televisão hegemônica, a Rede Globo, que, com a concentração de poder econômico, domina o mercado de produção de novelas e, através de conchavos com a cartolagem do futebol, há anos detém os direitos de transmissão de quase todos os campeonatos nacionais de futebol de grande interesse. Com essa concentração da programação nas mãos da mesma emissora, tira do espectador o direito à escolha do que quer ver na TV aberta.

Pausa para lembrar que o horário tardio que a TV Globo impõe aos jogos, depois da novela, espanta o público dos estádios. Esta imposição da emissora conseguiu a façanha de fazer o público médio por jogo do Campeonato Brasileiro ser menor do que o do campeonato da liga estadunidense de futebol, país onde este esporte é bem menos popular do que no Brasil.

Hoje a tecnologia digital permite ter mais de 100 canais simultâneos na mesma localidade, mas praticamente só vemos a expansão de canais religiosos e canais públicos como TV Senado, TV Câmara e de Assembleias Legislativas. Há muitos canais disponíveis sem estarem preenchidos à espera de interessados. Isso mostra um ambiente de negócios desfavorável a novos investimentos, situação que só interessa ao oligopólio de redes de TVs atuais, para não serem incomodadas por novos concorrentes. Mas é prejudicial ao cidadão telespectador e aos trabalhadores deste setor da economia.

Pois se justificou fazer um programa de investimento em logística para o tráfego de gente e coisas, também justifica fazer um programa de investimento para o tráfego de informações em TV, para oxigenar e dinamizar o setor. Claro que é bem-vinda também a nova etapa do Plano Nacional de Banda Larga prometida e também um plano de investimento ambicioso para geração de conteúdos digitais para a internet – artísticos, culturais e jornalísticos –, mas vamos nos concentrar na TV aberta nesta nota.

Para não permitir a entrada de concorrentes, os atuais donos da televisão fazem propaganda enganosa. Dizem que mudanças na legislação seria interesse do governo em “censurar” ou “controlar a mídia”. Argumento que seria piada se não fosse pura má fé. Afinal, quanto mais canais de TV, mais difícil controlar o que chega ao telespectador. Não é a toa que a ditadura apoiada pela TV Globo, que praticou a censura, estimulou a concentração do setor em poucas redes de TVs centralizadas e com donos escolhidos a dedo na hora de dar a concessão.

Até para evitar esse tipo de crítica de má-fé, seria melhor parar de usar a expressão “regulação econômica da mídia” e passar a usar “Programa de Investimento em TV aberta”. Assim os lobistas das Organizações Globo ficarão sem argumentos, pois como dizer que são contra investimentos para melhorar seu próprio setor? Só se confessarem que não querem largar o osso do oligopólio, coisa vedada pela Constituição Federal, apesar de burlada permanentemente.

Em 1970, o Brasil tinha 90 milhões de habitantes e o preço do televisor ainda era pesado, inacessível para muitos lares. De lá para cá a população passou de 200 milhões e televisor é artigo popular, mas as grandes emissoras que viraram redes nacionais são praticamente as mesmas de 45 anos atrás, só mudando de dono e de nome no caso das redes menores. Convenhamos que tem alguma coisa errada neste modelo estagnado.

Além disso, todas as concessões públicas com fins lucrativos têm de pagar pela outorga (a não ser nos casos em que há tarifas e o custo da outorga é abatido na tarifa). Mas as TVs Globo, Record, SBT, Bandeirantes, Rede TV, CNT, ganharam a outorga praticamente de graça e sem disputarem leilão. O setor de telefonia celular pagou milhões para ter direito de explorar frequências eletromagnéticas equivalentes, o que demonstra o quanto a TV aberta deixou de pagar ao povo brasileiro. Já passou da hora de passar a pagar pelo menos um pouco daqui para frente, com valores progressivos e justos, proporcionais à capacidade contributiva de cada emissora.

Sem um “Programa de Investimento em TV aberta” semelhante ao de logística, o setor entrará em crise mais rápido, assim como já ocorre com jornais e revistas em papel, prejudicando o crescimento econômico e a geração de empregos.

A internet, por natureza, já tira uma parte da audiência das TVs. Mesmo assim, a TV por assinatura está em crescimento, ainda que modesto, enquanto a TV aberta está em queda livre de audiência, justamente porque o modelo de programação está estagnado desde os anos 1970.

Houvesse diversidade vibrante nas transmissões esportivas, em noticiários, em shows, em humorísticos, novelas, séries, filmes, a soma da audiência dos canais abertos seria maior, mas é claro que esse bolo da audiência seria dividido entre os diversos canais. Melhor para os 200 milhões de brasileiros, para os trabalhadores do ramo, para novos empreendedores em novos canais, e pior apenas para os atuais donos do atual oligopólio televisivo que terão de enfrentar concorrência.

Mas já ganharam demais e, se não perderem um pouco para concorrentes, perderão de qualquer forma pelo abandono do telespectador que, cansado de não ter escolha no controle remoto, irão mais cedo do que o esperado para a internet, para serviços como o Netflix e assemelhados.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

8 Comentários

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  1. Por causa da baixa qualidade

    Por causa da baixa qualidade da TV aberta me arrependi de ter trocado minha velha TV do tipo caixotão por uma moderna, prá que mesmo se não a uso por falta de programação. E o Brasil não é nenhuma Bélgica, pelo contrário, somos muitos povos, muitos dialetos, muitas linguas, uma enorme diversidade que está sufocada pela ditadura da Globo. 

    Quantos paises cabem no Brasil

    http://conhecer-geografia.blogspot.com/2011/07/europa-cabe-no-brasil.html

  2. A Globo age com muita agressividade para não largar o osso

     

    A agressão da Globo à jornalista sueca, por Miguel do Rosário, em O Cafezinho

    lotten-600x400Lotten Collin

     

    “Você, que tem fama de esquerdista”: o estranho caso da jornalista sueca na GloboNews

    Por Kiko Nogueira, no Diario do Centro do Mundo.

    A jornalista Lotten Collin está há dois anos no Rio de Janeiro. Trabalha como correspondente da rádio pública da Suécia.

    Após as manifestações de 15 de março, Lotten foi convidada a participar de um programa da GloboNews com dois colegas estrangeiros. Eles dariam suas impressões sobres o evento.

    Ali se deu um fato inusitado. A certa altura, a apresentadora Leila Sterenberg embutiu uma observação no início de uma questão para Lotten: “Você, que tem fama de esquerdista…”.

    Pega no contrapé, Lotten passou batido e contou o que viu no domingo, especialmente seu choque com as pessoas que pediam intervenção militar e a quantidade de brancos.

    Findo o programa, porém, um produtor ainda a saudaria, cheio de confiança: “Olha a nossa comunista”.

    Parte dessa conversa está no site da Globo News (com um banner dos Correios, aliás). A íntegra com a provocação — chamemos assim — é só para assinantes.

    Lotten relatou essa experiência em seu boletim, intitulado “Uma comunista na TV brasileira”. Nele, apontou a onipresença, em seu cotidiano carioca, das opiniões de Merval Pereira, Carlos Alberto Sardenberg e Miriam Leitão.

    Eu conversei com ela sobre a sutil enquadrada e seu choque cultural:

    ***

    “Eu achei muito ruim. Ela me falou, do nada, que eu tinha fama de esquerdista. Não acho certo me dar essa marca. Os outros dois convidados não tiveram esse tratamento. ‘Vocês, que são conhecidos por ser de direita…’

    Por que eu?

    Fiquei tão surpresa que nem pensei em responder na hora. Aquilo foi colocado junto com a pergunta sobre a manifestação. Depois da gravação, um produtor ainda me falou: “E aqui temos nossa comunista…”.

    Recebi muitas mensagens sobre o episódio. A maioria me dando apoio, mas muitos afirmando que eu deveria ir embora. Houve quem no Facebook afirmasse que eu fui cortada quando ela chamou os comerciais. Isso, na minha opinião, não aconteceu.

    Eu sou jornalista, não sou partidária, não sou pró-PT. Por que me caracterizar assim?

    Não entendi muito as felicitações pela minha coragem. Eu estava tentando apenas fazer o meu trabalho.

    No meu texto para a rádio, contei do poder da Globo: ‘Quando acordo pela manhã no Brasil, eu quero ouvir e ver fatos e perspectivas que possam retratar a diversidade do país. Só que, aqui, aparecem sempre as mesmas pessoas. É muito estranho que isso ocorra num país com 200 milhões de habitantes’. E por aí vai.

    E pensar que eu fiquei lisonjeada de aparecer na Globo.”

    ***

    Nos anos 70, tornou-se folclórica a maneira como Roberto Marinho teria se referido a alguns de seus funcionários que incomodavam o regime. “Dos meus comunistas, cuido eu”, disse ele a um ministro, segundo a historiografia oficial. Essa passagem aparece em geral para realçar a “hombridade” do doutor Roberto.

    A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.

    http://www.ocafezinho.com/2015/04/15/a-agressao-da-globo-a-jornalista-sueca/

  3. Ora, pois, pois

    “…o Plano de Investimento em Logística, anunciado na terça-feira (9) pelo governo brasileiro tem tudo para dar certo.”

    Todos os planos do Brasil, desde Cabral, tem tudo para dar certo, porém….

  4. Concordo e vou repassar o texto..

    Como trabalhador do setor citado no texto – sou músico e compositor, portanto fornecedor de uma enorme variedade de serviços para qualquer Tv aberta – concordo em muita coisa do texto. A situação de oligopólio na TV aberta cria problemas econômicos diversos ao setor:

    – Diminui a oferta de emprego e oportunidades de trabalho.

    – Restringe a oferta de cultura e arte em geral – Pense bem … a quanto tempo você nào vê um espetáculo de Ballet na Globo???

    – Reforça preconceitos e desigualdades – O sistema Globo só faz conteúdo pensando em uma reduzida classe média alta de Rio e São Paulo qualquer coisa além disso é descartada.

    – Aprofunda os anglicismos e a influência norte – americana : Mais uma vez eu digo o que mais gostei em Portugal é que não tem “Shopping Center” tem somente o puro e simples CENTRO COMERCIAL.

    A Globo aprofunda a burrice, o preconceito e o velho “vira-latismo” da elite. Mas isso não seria problema nenhum se a Globo fosse uma entre 200 diferentes. Mas como é a única e líder de meia dúzia de imitações de si mesmo…

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