Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
[email protected]

Publicidade brasileira convocada para educar as massas no “Brave New World”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Sempre criticamos a Publicidade por esconder suas secretas pretensões sob camadas de retórica, mitologias, tons pastéis, cores suaves e a atmosfera de um eterno comercial de produtos matinais. Esqueça tudo isso! Em tempos atuais de crise econômica e milhões de desempregados para os quais a solução inevitável apontada são o empreendedorismo, “pejotização”, precarização profissional e trabalho intermitente, a Publicidade brasileira foi convocada para educar as massas através de comerciais francos, duros e agressivos. Ivete Sangalo flerta com “losers” em pontos de ônibus para promover ensino à distância; Luciano Huck e Rodrigo Faro em peças publicitárias de universidades explicitamente afirmam que a profissão de professor é um bico para “aumentar a sua renda”; campanhas do Uber defendem a “uberização” para você ter mais tempo de “fazer o que gosta”; e o banco Santander assertivamente diz que a carteira de trabalho já era e que no lugar ficou uma maquininha de pagamentos com cartões. Bem vindo ao “Brave New World” da publicidade atual.

Houve tempos em que a Publicidade figurava o mundo em tons pastéis como se todo comercial fosse um eterno vídeo de cereais e matinais: “Oh Happy days!”… “Be Happy!” ou qualquer música folk bacana para começar com otimismo o café da manhã.

Professores, intelectuais, pesquisadores ou militantes de esquerda mobilizavam todo um arsenal teórico (linguístico, semiótico, freudo-marxista etc.) para desconstruir e desmascarar as maquinações ideológicas e imperialistas por trás de toda dessa positividade da sociedade de consumo.

Mas, pelo menos na publicidade brasileira, isso está mudando. Nos tempos atuais de todas as reformas (trabalhistas, previdenciárias, políticas etc.) a toque de caixa e turbinada pelo governo do desinterino Temer em tempos bicudos de crise, inicia-se uma tendência inédita na criação publicitária de abandonar o característico mundo em tons pastéis para partir para os “finalmentes” – e sem mais qualquer firula retórica, semiótica ou sofística. 

Esqueça o mundo em tons pastéis da velha publicidade!

Uma nova tendência, por assim dizer, realista, crua, cortante, como se preparasse o consumidor para a dureza da vida ou para dias piores que estão por vir. Sai os tons pastéis e suaves para entrar cores quentes e com fortes contrastes.

Esqueça os antigos esforços intelectuais para desconstruir mensagens ocultas. A nova tendência é ir direto ao ponto: agora você é desempregado! Agora viverás de bicos! Agora terás que procurar algo que complemente sua renda! Sua carteira de trabalho já era! E seu trabalho doravante é uberizado, intermitente, descontínuo… se tiver!

Estamos nos referindo a cinco peças publicitárias, alinhadas ao atual zeitgeist (o “espírito do tempo”) de empurrar goela abaixo a receita neoliberal que pulveriza o trabalhismo para impor o cada um por si do darwinismo social.

Ivete Sangalo em pontos de ônibus e espelhos lançando olhares amorosos para losers que precisam subir na vida através de cursos de EAD da Laureate Universities; Luciano Huck sugerindo a alunos universitários uma segunda graduação na Faculdade Anhanguera para ser professor e “aumentar a sua renda”; o apresentador Rodrigo Faro dando a mesma sugestão, dessa vez pela UNIPAR; a campanha do aplicativo UBER que afirma que dirigir é a melhor forma para ter tempo para fazer tudo aquilo que você gosta; e por último, mas não menos importante, o comercial da “vermelhinha” do banco Santander, maquininha de cartões apresentada como “a sua nova carteira de trabalho”.

 

1. Ivete Sangalo flerta com perdedores que querem vencer

Dois vídeos publicitários da EAD Laureate. No primeiro, um assustado e apalermado jovem em um ponto de ônibus vê em um cartaz comercial da Laureate a imagem de Ivete Sangalo ganhar vida e exortá-lo a fazer o EAD da rede de universidades para a “sua carreira decolar”. O ônibus chega e o ainda assustado rapaz sobe os degraus, olha para trás e vê a cantora dar uma última e malandra piscadinha.

E outro vídeo, com outro apalermado loser que acorda assustado com o alarme do rádio-relógio, olha para o espelho e toma um susto: ao invés do seu reflexo, vê a indefectível Ivete Sangalo com a mesma mensagem.

Bem diferente dos antigos vídeos publicitários da EAD Laureate com fábulas edificantes sobre jovens com sonhos que se realizam com a determinação ( embalados com os infalíveis temas musicais ao piano), agora é curto e grosso: você está no ponto de ônibus ou estressado com o alarme do rádio relógio, com olho arregalado e assustado com eventos paranormais. Por isso, você é um loser que precisa subir na vida.

Também é emblemático uma estrela do entretenimento, Ivete Sangalo, ser a garota-propaganda de uma rede de universidades. Sangalo virou uma espécie de equivalente geral da publicidade – já vendeu de tudo, de cosméticos e remédios a carros e marcas de cerveja… e agora educação. 

Além de uma questão qualitativa (o entretenimento promovendo a educação), a urgência da mensagem publicitária não está na qualidade do “serviço” educacional. Mas no desespero de você estar no fundo do poço – no ponto de ônibus ou estressado pelo alarme do rádio-relógio.

 

2. Para Luciano Huck e Rodrigo Faro dar aulas é “bico”

E por falar em entretenimento, Luciano Huck (outro equivalente geral publicitário) e Rodrigo Faro (aspirante a equivalente geral) exortam os jovens a fazer uma segunda graduação de Formação Pedagógica para a atividade de professor ajudar a “aumentar sua renda”.

A reação nas redes sociais em relação às peças publicitárias foi negativa – sugere menosprezo à profissão de professor ao reduzi-la a um bico para aumentar a renda do mês. Tanto a Anhanguera como a UNIPAR divulgaram pedidos de desculpas protocolares (aliás, idênticos) pela “mensagem equivocada” e reafirmando que a docência “é o caminho para o desenvolvimento social e econômico”.

Uma “mensagem equivocada” (ou ato falho?) que sincronicamente é cometida no momento da destruição da CLT, a proposta de uberização da educação (clique aqui para a notícia) e a perspectiva generalizada de trabalho intermitente, “pejotização” e terceirizações radicais.

Mais um exemplo da publicidade brasileira atual atravessando agressivamente os umbrais da sinceridade: no final, o ato falho da peça publicitária revela o projeto secreto de grupos como Kroton e da norte-americana Laureate Universities – a gestão educacional por planilhas na estrita filosofia da relação custo-benefício.

>>>>>Continue lendo no Cinegnose>>>>>>>

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

6 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. O mais trágico é que o mar de

    O mais trágico é que o mar de dinheiro que paga Huck e Faro vem do povão. Explico = se houve um segmento que ganhou muito dinheiro durante o governo do PT foi o das universidades particulares. Graças aos corretos programas de financiamento para o povão cursar uma universidade paga, o Brasil nunca teve tanta gente entrando e se formando em faculdade. MAs, como sempre, quem tem o poder ganha muito mas muito masi que o povo. O governo fez a farra do boi  do crédito estudantil e as faculdades praticamente tinham todos os estudantes bancados pelo crédito (conheci o filho de um dono de três lojas de construção que teve todo seu curso financiado ) , ou seja, negócio com baixíssimo risco. Ainda se pelo menos usassem isso para dar um ensino de qualidade, vá lá. Mas nem isso. Conheço gente formadas nessas uni oito nove, onze da vida com erros de ortografia que fico de cabelo em pé. Uma vez fiz a correção de um texto de TCC para pedagogia por indicação de uma amiga e descobri depois que a jovem tinha comprado um TCC já existente e usado – e ela não era a única. 

    Se houver um dia um governo que pense o mínimo num projeto nacional, a primeira coisa é tornar profissão de professor muitíssimo bem paga. Porque aí você atrai os melhores. Lei do mercado. Em países que deram um salto tecnológico imenso em pouco tempo o professor é uma das profissões mais disputadas, ao lado de médico e advogado e engenheiro. Vide o caso de dois países com nenhum ponto comum cultural = Finlândia e Coréia do Sul. Lá professor está no topo da cadeia alimentar rs. 

    1. Ensino? Privatiza-lo completamente. Tudo.

      Joel, não creio que o dinheiro venha do povão. Arquivei esse comentário que publicaram na rede em julho de 2015:

      Há uma coisa que não se pode ignorar e pela qual o PT e demais partidos da esquerda deveriam se interessar que é a colonização da educação brasileira por grandes grupos de investimento, capital financeiro, que chegam a interferir nas políticas públicas, inclusive da educação de base!
      É uma dominação por dentro, colonizando jovens. O caminho para criar uma visão de mundo global, tecnicista e não de cultura e soberania nacional.

      Um deles, “Todos pela Educação” envolve parceria da Globo, Victor Civita, etc. e é capitaneado por Itaú, Bradesco, Santander, Gerdau (ligados aos movimentos financiados pelos Koch), Vale, Jorge Paulo Lemann, Telefonica…

      O gigante é a fusão Kroton (fundo de privacy equity Advance) e Anhangera (fundo Pátria) “resultou numa empresa de proporções sem precedentes. É a maior do mundo”:  120 campi, 600 operações de ensino a distância, cobertura de 500 cidades em todos os estados brasileiros.

      Não sei se o governo do PT podia ter barrado ou controlado isso, se podia, por que não o fez?

      Entrevista do novo reitor da UFRJ a respeito http://www.mst.org.br/2015/07/01/grandes-grupos-economicos-estao-ditando-a-formacao-de-criancas-e-jovens-brasileiros.html?fb_ref=Default
       

  2. O Cafezinho publicou a

    O Cafezinho publicou a entrevista do psicanalista Tales Ab’Sáber onde ele cita a ”arcaica tradição antipopular e antidesenvolvimento social brasileira”. Para Ab’Sáber e para muitos tudo isso é fruto de uma transição democrática não resolvida. O civil do business sem compromisso com o Brasil, perverso, golpista, que nunca aceitou dividir a ”torta” com os ”restantes” 99,9%, foi parte indivisivel da junta militar mafiosa e ditadorial que brutalizou e continua brutalizando o Brasil. Eles não querem que isso seja lembrado.

    Com a lei de anistia ninguém respondeu por nada e hoje estão livres fomentando ódio, derrubando governo, financiando movimentos eversivos, formando fascistas e até agredindo setores militares. A iniciativa da direita e seus financiadores faz parte de uma politica planejada, programada que vai além da maximização do lucro. A tendência mundial é fechar onde for possível e sucatear o sistema educativo; Basta lembrar Alckmin opus dei e Reto Bicha.  

    Aproveito para citar alguns trechos de Sobre ensinar ignorância e as condições modernas do processo, do professor Jean-Claude Michéa, publicado em 1999:

    […]  E’ possível também deduzir as formas de qualquer reforma que vise a reconfigurar o aparelho educacional nos interesses do capital: preservar um setor de excelência destinado na formação das elites, às diferentes elites científicas, técnicas e gerenciais que serão cada dia mais necessárias, em virtude da guerra econômica mundial.  Esses polos de excelência – cujas condições para acesso são muito seletivas – deverão continuar a transmitir, de modo sério (seguindo o modelo da escola clássica) os saberes sofisticados e criativos e aquele mínimo de cultura e de espírito crítico sem o qual a aquisição de saberes e as competências para usá-los não fazem sentido algum, nem têm – o que é mais grave –, nenhuma verdadeira utilidade.  

    Para as competências técnicas médias […] o problema é diferente. Trata-se de saberes descartáveis – tão descartáveis quanto as pessoas que lhes servem como suporte provisório – na medida em que, apoiados em competências de rotina, num preciso contexto tecnológico, deixem de ser operacionais, tão logo aquele contexto seja, ele próprio, ultrapassado. […] Generalizando: para as competências intermediárias, a classe dominante poderá fazer – da prática do ensino multimídia à distância –, de uma só pedra, duas armas.

    Restam mais numerosos aqueles que o sistema destina ao desemprego perpétuo (ou ao emprego precário ‘flexibilizado’, porque  jamais “constituirão mercado rentável e porque a exclusão deles se acentuará dentro da sociedade, à medida que os outros fatalmente desejem progredir.  Fechar escolas e excluir alunos com handcap faz parte de uma politica mais ampla e articulada e vai muito além do lucro.

  3. ????

    Quanto professores será que a Laureate Universities teve que demitir na sua rede brasileira de universidades para pagar o cachê da Ivete Sangalo?…

  4. Programas de auditório e

    Programas de auditório e telenovelas são mais perigosos que o JN e suas cópias.

    E, obviamente, os seus protagonistas, que criam uma falsa intimidade com seus passivos espectadores.

    Falsa intimidade, falsa consciência…

    Atingem diretamente o imaginário das pessoas, cuja imaginação hoje se reduz ao que a tv (e agora Google e Netflix) lhe permite imaginar.

    Talvez aí esteja a resposta a pergunta tão repetida: por que aceitamos tudo o que está acontecendo?

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador