Ruy Lopes, o magistral colunista da página 2 da Folha

 

Nos anos 70, até o episódio da crônica de Lourenço Diaféria – enaltecendo o sargento que salvou o menino das ariranhas – a Folha foi um oásis na ditadura. Era o jornal de meu pai, ao lado do vespertino a Gazeta, fugindo do estilo radical do Estadão.

Já nos anos 70, a crônica de Diaféria provocou a ira do Exército, obrigando Otávio Frias a mudanças internas, com a saída de Cláudio Abramo.

Mesmo assim, durante um longo tempo, antes e após o episódio, a página 2 da Folha tornou-se uma referência de jornalismo opinativo de peso. 

Nela, pontificaram três grandes jornalistas: Cláudio Abramo, Samuel Wainer e Ruy Lopes, que assinava a coluna de Brasília.

Dos três, Ruy era o que mais me atraía, pelo texto enxuto, preciso, a visão crítica porém desapaixonada dos fatos. Sem ser estrela como os grandes Abramo e Wainer, valia-se de um senso apurado de observação e da capacidade de fazer a crítica ao pensamento majoritário da época, sem resvalar para malabarismos retóricos para ficar bem com os dois lados. E com um texto que eu queria ter quando crescesse.

Quando fui para a Folha pela primeira vez, no início dos anos 80, Ruy Lopes não estava mais lá.

Depois disso, seu nome aparecia em um ou outro episódio. A última vez, se não me engano, foi no vôo de helicóptero que vitimou Ulisses Guimarães e Severo Gomes. Como assessor de Severo, Lopes só não seguiu no vôo porque uma das esposas decidiu viajar de última hora.

Fico sabendo dele, agora, por sua sobrinha Lu Lopes, casada com meu amigo, o acordeonista Thadeu Romano. Ruy mora em São José dos Campos, continua ligadíssimo na política e é comentarista assíduo do Blog, mas assinando os comentários com suas iniciais.

Já acertamos uma entrevista dele na próxima sexta feira para a TV GGN.

Os mais velhos, que tiverem dúvidas e lembranças sobre aqueles tempos heróicos, podem enviar suas observações. 

Luis Nassif

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  1. HERÓI. MORTO. NÓS.

    HERÓI. MORTO. NÓS.
    [Crônica publicada em 1º de setembro de 1977]

    Neste texto foi mantida a grafia original da época 

    Lourenço Diaféria 

    Não me venham com besteiras de dizer que herói não existe. Passei metade do dia imaginando uma palavra menos desgastada para definir o gesto desse sargento Sílvio, que pulou no poço das ariranhas, para salvar o garoto de catorze anos, que estava sendo dilacerado pelos bichos. 

    O garoto está salvo. O sargento morreu e está sendo enterrado em sua terra. 

    Que nome devo dar a esse homem? 

    Escrevo com todas as letras: o sargento Silvio é um herói. Se não morreu na guerra, se não disparou nenhum tiro, se não foi enforcado, tanto melhor. 

    Podem me explicar que esse tipo de heroísmo é resultado de uma total inconsciência do perigo. Pois quero que se lixem as explicações. Para mim, o herói -como o santo- é aquele que vive sua vida até as últimas consequências. 

    O herói redime a humanidade à deriva. 

    Esse sargento Silvio podia estar vivo da silva com seus quatro filhos e sua mulher. Acabaria capitão, major. 

    Está morto. 

    Um belíssimo sargento morto. 

    E todavia. 

    Todavia eu digo, com todas as letras: prefiro esse sargento herói ao duque de Caxias. 

    O duque de Caxias é um homem a cavalo reduzido a uma estátua. Aquela espada que o duque ergue ao ar aqui na Praça Princesa Isabel -onde se reúnem os ciganos e as pombas do entardecer- oxidou-se no coração do povo. O povo está cansado de espadas e de cavalos. O povo urina nos heróis de pedestal. Ao povo desgosta o herói de bronze, irretocável e irretorquível, como as enfadonhas lições repetidas por cansadas professoras que não acreditam no que mandam decorar. 

    O povo quer o herói sargento que seja como ele: povo. Um sargento que dê as mãos aos filhos e à mulher, e passeie incógnito e desfardado, sem divisas, entre seus irmãos. 

    No instante em que o sargento -apesar do grito de perigo e de alerta de sua mulher- salta no fosso das simpáticas e ferozes ariranhas, para salvar da morte o garoto que não era seu, ele está ensinando a este país, de heróis estáticos e fundidos em metal, que todos somos responsáveis pelos espinhos que machucam o couro de todos. 

    Esse sargento não é do grupo do cambalacho. 

    Esse sargento não pensou se, para ser honesto para consigo mesmo, um cidadão deve ser civil ou militar. Duvido, e faço pouco, que esse pobre sargento morto fez revoluções de bar, na base do uísque e da farolagem, e duvido que em algum instante ele imaginou que apareceria na primeira página dos jornais. 

    É apenas um homem que -como disse quando pressentiu as suas últimas quarenta e oito horas, quando pressentiu o roteiro de sua última viagem- não podia permanecer insensível diante de uma criança sem defesa. 

    O povo prefere esses heróis: de carne e sangue. 

    Mas, como sempre, o herói é reconhecido depois, muito depois. Tarde demais. 

    É isso, sargento: nestes tempos cruéis e embotados, a gente não teve o instante de te reconhecer entre o povo. A gente não distinguiu teu rosto na multidão. Éramos irmãos, e só descobrimos isso agora, quando o sangue verte, e quanto te enterramos. O herói e o santo é o que derrama seu sangue. Esse é o preço que deles cobramos. 

    Podíamos ter estendido nossas mãos e te arrancando do fosso das ariranhas -como você tirou o menino de catorze anos- mas queríamos que alguém fizesse o gesto de solidariedade em nosso lugar. 

    Sempre é assim: o herói e o santo é o que estende as mãos. 

    E este é o nosso grande remorso: o de fazer as coisas urgentes e inadiáveis -tarde demais. 

     

    PS.: em 1977, durante a ditadura, Laurencio Diaféria,  com essa crônica, homenageava um sargento que salvou da morte um menino de 14 anos. O sargento foi homenageado e Laurenço foi preso. Hoje, são homenageados outros sargentos. Sargentos que matam meninos de 10 anos com tiros na cabeça. Se escrevesse sua crônica, hoje, Larenço seria igualmente preso. Somos um país ciclotímico, retornamos à ditadura. 

    1. O nome da criança

       Adilson Florêncio da Costa

       

      http://blogs.correiobraziliense.com.br/vicente/fraudes-em-fundos-de-pensao-nao-tem-limites-ex-dirigente-do-postalis-e-preso/

      Fraudes em fundos de pensão não têm limites. Ex-dirigente do Postalis é preso. Bens bloqueados chegam a R$ 1,35 bi

      Publicado em 24/06/2016 – 11:38 Vicente Nunes

      A 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro autorizou hoje a prisão de Adilson Florêncio da Costa, ex-diretor financeiro do Postalis, o fundo de pensão dos empregados dos Correios. A detenção comoveu a capital do país. Adilson é o menino que, em 1977, foi resgatado do fosso do zoológico da cidade, onde quase foi morto por ariranhas. O bombeiro que o salvou morreu dias depois.

       

      Também foram presos os sócios do Grupo Galileu, de quem o Postalis e a Petros, a fundação dos funcionários da Petrobras, compraram R$ 100 milhões em debêntures com a promessa de recuperar a quase falida Universidade Gama Filho. O negócio se mostrou terrível para os fundos de pensão, que amargaram grande prejuízo.

       

      Junto com Adilson, preso em Brasília, foram detidos Márcio André Mendes Costa, Ricardo Andrade Magro e Carlos Alberto Peregrino da Silva, do Galileu; Paulo César Prado Ferreira da Gama e Luiz Alfredo da Gama Botafogo Muniz, então representantes legais da Gama Filho; e o advogado Roberto Roland Rodrigues da Silva Júnior.

       

      A Operação Recomeço está sendo conduzida pelo Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF/RJ) e pela Polícia Federal. Além do Postalis, está sendo alvo da investigação a Petros. Foram autorizadas prisões de sete pessoas e a busca e apreensão em 12 endereços, sendo um em Brasília, um em São Paulo e os demais no Rio de Janeiro. Foi determinado ainda o bloqueio de bens e ativos financeiros, inclusive no exterior, de 46 pessoas físicas e jurídicas, num total superior a R$ 1,35 bilhão.

       

      Histórico

       

      Em dezembro de 2010, o Grupo Galileo emitiu debêntures no valor de R$ 100 milhões para captar recursos a fim de recuperar a recém-adquirida Universidade Gama Filho. As investigações encontraram fortes indícios de que o dinheiro captado foi ilegalmente desviado para outros fins, em especial para contas bancárias dos investigados, de terceiros e de pessoas jurídicas relacionadas aos investigados, o que levou à quebra definitiva da Gama Filho e da UniverCidade, também mantida pelo grupo, e ao descredenciamento delas pelo Ministério da Educação em 2014, com danos a milhares de estudantes.

       

      O esquema, segundo o Ministério Público, também prejudicou o Postalis e a Petros, que adquiriram, em 2011, as debêntures do Grupo Galileo confiando na recuperação da Gama Filho. Os participantes dessas fundações perderam R$ 90 milhões. “A gravidade dos supostos crimes cometidos é potencializada por dois fatores sociais cruéis: o prejuízo em suas aposentadorias sofrido pelos segurados dos fundos de pensão e o irreversível dano que milhares de alunos das universidades Gama Filho e UniverCidade tiveram que suportar em razão do conexo descredenciamento efetivado pelo MEC por conta da ruína dessas instituições de ensino”, diz o procurador regional da República Márcio Barra Lima. Ele coordena com o procurador da República Paulo Gomes o grupo de quatro procuradores que conduz a investigação.

  2. Há, a meu ver, dois tipos de

    Há, a meu ver, dois tipos de saudosismo: o patológico, portanto anormal, e o sadio, este pertinente, verdadeiro e saudável. O primeiro servindo mais como válvula de escape para os inconformados com o progresso ou mesmo só entendiados e cansados da vida. Já o segundo é o exercício crítico da escalada humana; indispensável porque de caráter educativo ao tempo que enleva os espíritos e o deixa orgulhoso por ser ainda uma testemunha viva do que foi e que sempre continuará bom independentemente do tempo.

    Isso vale para todos as áreas e fenômenos. Impossível não sentir um aperto no peito quando nos lembramos do que já foi o jornalismo brasileiro. Exceptuando-se a dimensão técnica, em tudo por tudo relembrá-lo dá-nos, infelizmente, a certeza de que o atual, salvo raríssimas exceções, é uma droga. 

    Se um leigo, um singelo leitor de cultura média, acolhe esse sentimento, o que dirão os expoentes ainda vivos – a exemplo do ora homenageado com este post – acerca das parvoíces, inculturas, egolatrias, parcialidades e tendenciosidades; em suma: os desrespeitos e menosprezos à sua excelência, o leitor/ouvinte/telespectador?

    Quanta diferença! 

  3. Fui leitor assíduo da coluna

    Fui leitor assíduo da coluna do Ruy Lopes.Texto enxuto, claro, que até eu, jovem, jovem!, entendia.  Depois foi trabalhar para o Collor , virou alvo de muitas críticas, e  desapareceu. E foi o que me ficou, a imagem de um admirável jornalista que bandeou pro outro lado, nos traiu (um bom assunto pra provocar na entrevista).

    1. Collor?

      Acho que há um engano.  Jamais trabalhei para ou com o Collor.  Depois que saí da Folha, fui assessorar o senador Severo Gomes, depois aceitei um convite do Brossard para presidir a EBN (ele me enrolou, dizendo que o Severo tinha concordado em ceder meu passe, e acabei trabalhando até as 18 horas na empresa e depois, às vezes até a madrugada, ajudando o Severo, relator da comissão de economia da Constituinte). Depois de anos aposentado, o presidente Itamar pediu-me para voltar a Brasília e dirigir a Radiobras, onde continuei no governo FHC, a pedido do Roberto Muylaert. Quando ele pediu demissão, recusei o pedido de seu sucessor, Sergio Amaral, e, alegando problemas de saúde, saí também.

  4. Ahaaaaa!  Falei outro dia

    Ahaaaaa!  Falei outro dia mesmo que tem comentarista nesse blog que da de 10 a  0 em jjornalistas do PIG, nao disse?

    1. e tem mais

      Aqui há tanto comentarista “fora de série”. Que eu já pensei que poderia ser pseudonimo do Jânio de Freitas ou Mino Carta. 

      Tranquilamente dão de 10 a 0 nesses articulistas do PIG. 

      Quando postam artigos do Valor , do Estadão…geralmente é bem abaixo de muitos comentários daqui.

  5. Fico pensando, por que não assinam com o nome, medo do que?

    Usar um nome de pena, em certas ocasiões faz sentido, mas para comentários triviais em um blog me deixa cabreiro, se escondendo do que?

    Em todo caso, o Nassif detonou o nick do Ruy, agora vai ter de escolher outro rsrsrsrsrs….

  6. Falta um

    Grande Ruy Lopes. Mas não devemos esquecer de um outro grande jornalista político que escreveu na página 2 da Folha, baseado no Rio: Newton Rodrigues (1919-2005). Nos meus tempos de crítico de música da Folha eu me encontrava semanalmente com o Claudio Abramo (naquela época pré-internet e e-mail, eu escrevia os meus artigos na redação do jornal, na Barão de Limeira), e ele um dia me disse que considerava o Newton Rodrigues e o Janio de Freitas os maiores jornalistas políticos do Brasil.  

  7. Adorava ler  o Lourenço

    Adorava ler  o Lourenço Diaféria e o Sérgio Porto. A maneira que os lia é que era incrível. Naqueles tempos antiquíssimos os açougues enrolavam a carne num papel branco e depois numa folha de jornal. Esses colunistas vinham nas folhas desses jornais. O estranho é que o açougueiro usava sempre essas páginas. Eu ainda estava no primário e a única coisa que podia ler além das cartilhas e livros escolares eram essas páginas. Tempos tão pobres e atrasados mas com soberbos jornalistas.

  8. Lavagem

    Não me lembro muito dos textos de Ruy Lopes ou Cláudio Abramo. Roberto Campos escrevia por lá também. Nos anos 80, não me ligava muito em política. Curtia mais esportes, cultura, quadrinhos.

    Dos cronistas, me lembro bem de Lourenço Diaféria, Carlos Drummond, Flávio Rangel (sempre ótimo), Mauro Santayana (idem), Fernando Sabino, Paulo Francis. Depois, LF Veríssimo, Otto Lara, Josué Guimarães. Timaço.

    Até Tavares de Miranda era melhor que essa água de lavagem que a Folha passou a entregar aos seus leitores, depois que Otavinho assumiu as rédeas do jornal. Cancelei meu carnê da Folha há uns 20 anos. Vivo bem melhor.

  9. Xará

    Xará, vc. sabe que a gente comete enganos.  O Nassif, por exemplo, colocou que trabalhei 50 anos na Folha.  Não, comecei nos anos 50 e saí em fins de 80. Mas também não falei, na entrevista, na exata determinação da linha editorial da Folha quando editor-chefe, em plena ditadura Medici. Convenci o Frias de que, para tentar superar um jornal conservador, que ainda se julgava patrono da elite cafeeira, deveríamos ficar um grau à esquerda do Estadão. “E se o Estadão virar comunista?” perguntou ele. “Daí nós vamos para a linha chinesa”: ele riu da resposta, e assim começou uma parte da tática de enfrentamento de nosso principal adversário. Complementada depois, já na era Geisel, com a página dois e a constelação de correspondentes que nos dava uma visão brasileira dos acontecimentos mundiais.

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