Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Tautismo agora ronda telenovelas da Globo, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Depois do telejornalismo e do esporte, agora o tautismo (autismo+tautologia) chega às telenovelas da Globo. Em crise de audiência pelo desgaste do gênero e a concorrência das séries em streaming na Internet, a emissora apela para a autofagia tautista ao escalar os atores Luís Melo e Giovana Antonelli para o núcleo japonês de “Sol Nascente”, gerando protestos: atores brasileiros se passando por japoneses? “Yellowfaces” e preconceito?. A Globo manda às favas a verossimilhança, a própria essência de um roteiro ficcional, e prefere a sinergia entre o folhetim eletrônico e o mercado publicitário como reação desesperada à crise da telenovelas. Uma sinergia tautista que começa até a criar “coincidências significativas” e ricas de simbolismos como o ator Murilo Benício transformado em garoto-propaganda de uma empresa de investimentos. Sinal dos novos tempos: sai o Tufão (o desajeitado ícone da “Classe C” da Era Lula) e entra o investidor yuppie elegante.

No filme Obrigado por Fumar (2005) temos uma sequência na qual o protagonista Nick Naylor, relações públicas da indústria de tabaco, vai à Hollywood tentando fazer um “product placement” de cigarros em uma produção sci fi. Pensando em co-produção de alguma marca de cigarros, o executivo do estúdio sugere uma sequência na qual Brad Pitt e Catherine Zeta-Jones, após uma “foda cósmica” em uma estação espacial, fumam fazendo anéis de fumaça “enquanto as galáxias passam sobre um teto transparente”.

“Cigarros no espaço?”, pergunta Nick espantado. “Não explodiriam numa nave cheia de oxigênio?”, questiona. Ao que, rapidamente, o esperto executivo responde: “Provavelmente! Mas isso se arruma com uma linha de diálogo… ‘Graças a Deus, inventamos o aparato tal como qual’… ”.

Nesse rápido diálogo está resumido o elemento fundamental em todo roteiro de uma obra de ficção: a verossimilhança. 

Uma obra de ficção não tem necessariamente compromisso com o real ou o documental, mas precisa fazer um contrato com o espectador: você sabe que tudo o que estou contando é mentira, mas vamos fazer de conta que é verdade. Esse “fazer de conta” é a verossimilhança, aquilo que certa fez Umberto Eco chamou de “verdade parabólica”, a realidade filtrada pela verossimilhança.

Transformações da teledraturgia global

Com a crise de audiência dos últimos anos e o esgotamento do gênero telenovela (agora minimizado pelo “Bolsa Mídia” do desinterino Michel Temer – o aumento dos repasses federais à grande mídia como reconhecimento pelo apoio ao “golpe constitucional” do impeachment), foi visível uma dupla transformação, aparentemente contraditória, na linguagem da teledramaturgia da TV Globo:

(a) De um lado, o realismo das locações externas, como na novela Velho Chico, e a compra de equipamentos como, por exemplo, um sensor super 35mm para que as imagens fiquem mais suavizadas e a fotografia se iguale a de cinema – ecos da concorrência das séries Netflix e HBO.

(b) Mas, de outro, o retrocesso à linguagem melodramática e interpretações carregadas dos atores tal como nos dramalhões mexicanos ou turcos. 

Na história da TV brasileira, o grande mérito das telenovelas globais foi a substituição dos dramalhões latino-americanos pela encenação naturalista, seguindo a moderna tendência da ficção literária. Porém, em meio à crise de audiência do gênero, parece querer retornar a antigos elementos do folhetim por achar que o público está recusando o realismo.

Família Tanaka de “Sol Nascente”

Tautismo ronda os carros-chefes da Globo

Sabemos que os principais carros-chefes da TV Globo são telenovela e esporte. Como abordado em postagens anteriores, tanto a cobertura esportiva como o telejornalismo tornam-se progressivamente tautistas (autismo + tautologia) – mistura de elementos ficcionais e não ficcionais com o constante auto-referenciamento, criando um “fechamento operacional” ao mundo exterior. O lado de fora da Globo, a realidade, passa a ser traduzida a partir de uma descrição que a Globo faz de si mesma – mais sobre o conceito de tautismo clique aqui.

Depois do esporte e telejornalismo (como percebido na cobertura das olimpíadas – sobre isso clique aqui), agora o tautismo chegou à teledramaturgia como no atual caso da telenovela do horário das 18 horas Sol Nascente.

“Yellowface” ou tautismo?

Logo de cara a produção criou estranhamento entre críticos e telespectadores: dividida em dois núcleos, italianos e japoneses, a emissora escalou Luís Melo para ser o patriarca da família japonesa Kasuo Tanaka e colocou Giovana Antonelli para viver Alice, a filha adotiva dele.

Atores orientais e críticos questionaram o porquê da escalação de orientais para performar protagonistas de uma família supostamente oriental. Críticas chegam a acusar a Globo de preconceito e “yellowface” – referência ao “blackface” de atores brancos que se passavam por negros nos primórdios do cinema pelo preconceito hollywoodiano em contratar atores negros.

Cristina Sano, atriz e representante do grupo Oriente-se (grupo de atores profissionais brasileiros com ascendência oriental) afirmou que “não nos sentimos representados”. E completou: “Na verdade os japoneses ficaram lá, perdidos na multidão”.

É claro que, entre as apertadinhas de olhos do ator Luís Melo para tentar minimizar a inadequação ao papel, a narrativa tenta criar alguma verossimilhança em linhas de diálogo, como mostrado no exemplo acima do filme Obrigado Por Fumar – na estória de Sol Nascente o personagem de Luís Melo é apresentado como neto de um americano que se casou com uma japonesa.

Porém, estranhamente, no flashback no qual mostra a juventude do personagem Tanaka, aparece representado com um ator com traços bem orientais… Tanaka deixou de ser “japonês” ao longo dos anos?

O próprio ator Luís Melo admitiu que “me causou certa estranheza”. E Giovana Antonelli foi logo tentando minimizar: “Não, gente, minha personagem é adotada…”.

O autor do folhetim, Walther Negrão, também tentou sair pela tangente, justificando que “não encontrou atores orientais para os papéis protagonistas”.

Telenovelas em processo “catabólico”

 Assim como no telejornalismo e esportes, a crise de audiência no carro-chefe das telenovelas despertou também o desespero tautista como uma espécie de mecanismo de defesa televisivo global que lembra o processo catabólico do indivíduo sob condições extremas de fome: nessas condições, o corpo imediatamente começa a consumir seu próprio tecido muscular na luta pela sobrevivência.

No caso de Sol Nascente, é como se o próprio gênero telefolhetim (que fez a fama e fortuna da emissora, convertendo-se em produto de exportação), em crise, começasse a entrar em processo autofágico para encontrar dentro de si mesmo alguma força para resistir.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

4 Comentários

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  1. A justificativa do novelista

    A justificativa do novelista Walther Negrão é um insulto à inteligência alheia. Não é possível que, entre 1,6 milhão de nipo-brasileiros, não se possa encontrar um ator na casa dos 60 anos com talento para protagonista de uma novela. Pelo visto, enganou-se quem pensava que estavam superados episódios vergonhosos, como o “enegrecimento” de Sérgio Cardoso para viver o protagonista de “A cabana do Pai Tomás”.

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