‘The Guardian’ e a cobertura do 11/9

Por Nilva de Souza

Do blog DoLaDoDeLá

Contra a Correnteza 

Por Cristina Rodrigues

Há cerca de um mês, o jornal britânico The Guardian foi um dos que procurou fazer uma cobertura mais analítica e menos simplista da onda de violência que durante quatro dias quebrou e saqueou lojas e prédios de Londres e de outras cidades do interior do Reino Unido. Na semana do décimo aniversário dos atentados às Torres Gêmeas em Nova York, o jornal publica um artigo de Seulmas Milne, que era colunista de opinião naquele setembro de 2001, em resposta a todas as críticas que o Guardian sofreu desde então por sua postura questionadora e não-conformista. Vale um belo paralelo com o que vemos no Brasil, em mais de um sentido.

Seumas Milne diz que houve uma reação uníssona ao fatídico dia. Não apenas todos os veículos de imprensa falavam a mesma coisa, mas repetia o que dizia o governo e o que o governo queria que eles dissessem. Só havia, por essa perspectiva, uma explicação e uma reação possível, a guerra ao terror.

Aí cabe o primeiro paralelo, bastante evidente. Discurso único, mesmice jornalística. Mesma pauta, mesma abordagem sobre praticamente qualquer tema. A concorrência fica apenas em pontos isolados: quem implementa mudanças tecnológicas primeiro, quem tem a melhor impressão, o melhor site, a maior quantidade de notícias, quem consegue um furo – coisa cada vez mais rara no jornalismo –, ainda que essa notícia, se dada por qualquer outro veículo, tivesse a mesma abordagem.

O Guardian, pelo que afirma Milne, fugiu à regra. E por ter permitido que seus colunistas relacionassem os ataques à política americana ao redor do mundo foi tratado como uma ameaça, por anti-americanismo.

E aí vem o segundo ponto de comparação, para mim mais surpreendente. O jornalista começa a elencar episódios que provam o que ele diz citando jornais concorrentes e repórteres desses outros veículos. E os comentários remetem a momentos em que esses veículos fizeram o mesmo com o Guardian, citando-o nominalmente para criticá-lo. Logo de cara, a tendência é que isso assuste a quem não está acostumado, especialmente os brasileiros, acostumados a uma imprensa que, com raras exceções, não fala sobre imprensa, nem para criticar a concorrência (talvez porque no Brasil eles se enxerguem na concorrência ainda mais do que no Reino Unido). Mas depois vem a reflexão mais fria e a conclusão de que se trata de uma postura de honestidade. Quando o jornal concorrente não é citado, a crítica pode parecer menos agressiva, mas também mais cínica e covarde. É o que a gente aprende quando criança, naqueles passos básicos para ser alguém legal, de bom caráter. A gente não xinga um colega pelas costas, a gente olha pra ele e diz o que pensa. É mais difícil, mas demonstra mais respeito.

As críticas que o Guardian recebeu foram bastante duras, com sugestões de que mudasse o nome para “Daily Terrorist” e acusações de ser a imprensa fascista de esquerda. Isso mesmo o Guardian tendo publicado, segundo o ex-editor, artigos diversos, incluindo, especialmente nos primeiros dias, alguns de defesa da reação do governo, chamando por vingança. “O problema para os críticos do Guardian foi que nós também demos espaço àqueles que eram contra isso e perceberam que a guerra ao terror fracassaria, trazendo horror e derramamento de sangue a milhões no processo”, escreveu Milne. E o Guardian publicou artigos de muçulmanos, árabes, iraquianos, afegãos, que não encontravam muito lugar na mídia ocidental. Imagina a gritaria.

No fim, Meune aproveita para jogar na cara da concorrência que tinha razão. Que muita gente morreu em uma guerra que já dura dez anos e continua registrando picos de mortes. Isso sem falar nas violações aos direitos humanos, nas prisões de Guantanamo e Abu Ghraib. E que o Guardian já dizia que a guerra seria um desastre nas semanas seguintes ao 11 de setembro. E ainda faz uma reflexão, lembrando as transformações sofridas pelo jornal e a importância desse momento para o Guardian, que se tornou um dos dois sites que cresciam mais rapidamente nos Estados Unidos. Ou seja, não é preciso seguir o senso comum para ser lido (ainda que o Guardian não possa ser considerado exatamente revolucionário).

Luis Nassif

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