Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
[email protected]

Três didáticos casos de guerra híbrida e bombas semióticas que a esquerda finge não ver, por Wilson Ferreira

Wilson Ferreira

Três didáticos casos sobre o alcance da atual guerra híbrida que a esquerda parece fingir que não existe, encastelada na sua “estratégia política” ao dar corda para o desinterino Temer supostamente se enforcar: o porquê das panelas não baterem mais; o “conto maravilhoso” do ex-executivo que virou sem teto; e a minissérie da TV Globo “Sob Pressão”. Três pequenos casos exemplares de como as bombas semióticas, mobilizadas pela guerra híbrida, constroem a atual mitologia meritocrática que vige no País legitimando as reformas do ensino, trabalhista e previdenciária – uma mitologia que não nega a realidade, mas a pontua através da ficção, despolitizando o debate e normatizando a crise como fosse mais um desses desafios que surgem em nossas vidas, somente superados pelo esforço pessoal.

Em postagem anterior (clique aqui) este humilde blogueiro abordou um aspecto bem particular da atual guerra híbrida travada no Brasil: a construção do perfil etnográfico urbano que chamo de “simples descolados” – a nova e sustentável versão do antigo “coxinha” de camisetas polo Lacoste do século passado.

Principalmente como esse perfil cresceu num momento de radicalização e polarização política a partir de 2013 no sistemático processo de esfacelamento da democracia brasileira. 

Dentro da guerra simbólica o “simples descolado” foi uma resposta ao neo-desenvolvimentismo dos governos trabalhistas e a inserção da classe C no consumo, enquanto os “simples descolados” começavam a resgatar como “chic” tudo que era “popular”, “de raiz”, por meio de eufemismos como o “orgânico”, o “sustentável” etc.

E como a grande mídia criou uma nova “mitologia gastronômica”, combinando o “despretensioso” e a “simplicidade” com o ideário meritocrático e empreendedor – preparando o terreno para o momento atual no qual desempregados destituídos de direitos trabalhistas veem como única saída o “empreendedorismo”: a fé religiosa no momento em que a força de trabalho se converta em capital – assim como na Eucaristia o pão e o vinho se transubstanciam no corpo e sangue de Cristo.

A postagem recebeu algumas críticas de leitores de esquerda: “punheta retórica sem sentido”… “não admira que a esquerda tenha perdido o apoio do povão”… “deixa o povo cozinhar, gozar…” entre outras “observações”.

Ele já sabia…

“A gente vai se livrar dessa raça”

Em 2005 o senador catarinense Jorge Bornhausen, em meio ao início da crise política do mensalão que culminaria 11 anos depois no impeachment de Dilma, foi profético: “porque a gente vai se livrar dessa raça, por, pelo menos, 30 anos”. Parece que o senador já sabia de antemão dos planos traçados pela guerra híbrida – cuja tecnologia de ação direta e midiática foi importada diretamente do Departamento de Estado dos EUA.

“Observações” como as citadas acima parecem comprovar que até agora a esquerda não conseguiu entender que o golpe político, a imposição da atual agenda da destruição dos direitos e o possível adiamento das eleições de 2018 (sentida pelos “balões de ensaio” jogados aqui e ali no noticiário, principalmente econômico) não ocorreu no vácuo. E muito menos por “erro de cálculo” político ou “de estratégia” dos governos petistas.

Em postagens passadas, vimos como as bombas semióticas detonadas pela guerra híbrida alimentaram as hostes do neoconservadorismo por meio da criação de um novo conjunto de perfis etnográficos urbanos: “simples descolados”, “novos tradicionalistas”, “coxinhas 2.0”, “rinocerontes” etc. Novos hábitos de consumo, atitudes, valores etc. que combinavam a “sustentabilidade sustentável” do ecologicamente correto com as velhas teses neoliberais da Escola de Chicago e Austríaca de Friedman e Hayek.

Enquanto a “sombra das maiorias silenciosas” assistiu e assiste bestializada a tudo (clique aqui), nas classes médias cresceu essa “massa crítica” neoconservadora que bateu panelas, vestiu camisas amarelas da CBF enquanto black blocs performavam a ensaiada tática (onde será que eles ensaiaram?) de ação direta nas ruas.

Por devoção à paciência e didatismo, este Cinegnose vai apresentar três pequenos e educativos exemplos de como funciona a guerra híbrida e detonação de bombas semióticas no campo de batalha da opinião pública: o porquê das panelas não bateram mais, mesmo com o escárnio diário das ações do desinterino Michel Temer para se blindar das acusações do Ministério Público Federal; a pequena fábula do ex-executivo morador de rua e a minissérie da TV Globo Sob Pressão.  

1. Por que as panelas não batem mais?

As esquerdas acusam os paneleiros de “hipócritas” e “envergonhados”. Não batem mais panelas supostamente por vergonha, arrependimento: “olha no que deu!”… 

Para as esquerdas, essa é uma percepção conveniente. Com isso, viram as costas à questão da guerra híbrida que não querem enfrenta-la. E resumem a questão do “silêncio das panelas” a “paneleiros massas de manobra”. A eles a imputação moral da culpa e vergonha.

Mas a guerra híbrida não é uma questão de moralidade mas de logística e pragmatismo, como apresenta de uma forma extremamente didática o filme Mera Coincidência (Wag The Dog, 1997).

Para quem não se lembra ou nunca assistiu ao filme, Meera Coincidência  acompanha os problemas do presidente dos EUA que, na reta final da campanha à reeleição, envolve-se num escândalo sexual com uma adolescente.

O presidente convoca um conselheiro especializado em contra ações de marketing (Robert De Niro) que precisa reverter a agenda a poucos dias do final da campanha: contrata um produtor de Hollywood (Dustin Hoffman) para produzir uma guerra fictícia contra um país supostamente promotor do terrorismo internacional, a Albânia. Heróis, jingles, campanhas cívicas, vídeo clipes etc., uma verdadeira campanha promocional é criada para que a mídia morda a isca.

A certa altura, o produtor inventa o drama de um soldado norte-americano mantido prisioneiro pelos albaneses, o sargento William Schumann. Como o sobrenome rima com “shoe” (sapato), inventaram uma ação de marketing para criar um apoio melodramático ao suposto drama do militar americano mantido em cativeiro – assista a sequência abaixo.

https://www.youtube.com/watch?v=1v4ZLwevXAI align:center

Robert De Niro e Dustin Hoffman saem no meio da noite para jogar sapatos velhos nos fios e postes. Um menino observa curioso, e Hoffman fala: “espalhe para os outros garotos”. Pronto! Em pouco tempo, toda América jogava sapatos velhos na fiação urbana como apoio simbólico ao sargento “old shoes”, prisioneiro dos malignos terroristas albaneses.

Panelaços começaram dessa maneira no Chile em 1971 como estratégia de guerra híbrida para a derrubada do governo de Salvador Allende. E com o mesmo modus operandi: bateções de panelas repercutidos pela grande mídia. Para quê? Para criar o efeito de imitação através da chamada “espiral do silêncio” – a compulsão mimética do indivíduo querer fazer parte de uma suposta maioria.

A esquerda racionalizou, ou melhor, tentou colocar o fenômeno dos panelaços brasileiros, dentro de uma narrativa: é a luta dos “ricos contra os pobres”. 

Na verdade, os ricos ganharam muito dinheiro na era Lula. Quem batia panela eram as classes médias cujo psiquismo é por essência conformista e louco para participar de “ondas” – Freud via por trás adesão a uma suposta maioria o medo da solidão: pior que a morte, o que o indivíduo mais teme é a solidão. Aderir à maioria seria uma forma de atrair o amor e a aprovação dos outros para si.

Panelaços não mais acontecem porque simplesmente o contexto passou (como uma “ola” em um estádio) e a logística da guerra híbrida deixou em stand by essa ação de marketing. Enquanto a esquerda ideologiza, a direita é pragmática – quando quer, a qualquer momento, liga o motor da espiral do silêncio.

 

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Excelente

    São excelentes os textos do Wilson, basicamente, nos mostra o quanto das atitudes e o efeito manada nas pessoas colaboram para dissociar o ser humano do conceito de “humanidade” e a tentativa do próprio capitalismo em tornar escravos midiáticos todas as pessoas que de uma maneira pseudo meritocrática são tão manipuláveis ou podem vir a ser tão manipuláveis quanto nós mesmos

    A esquerda em si sempre teve a verdade como sua aliada, a “história na mão” o que é correto, a análise realizada por Karl Marx sobre o capital até hoje é insuperável, porém os mecanismos de controle, supervisão e conversão do pensamento das classes sociais pelo capitalismo jamais foram analisadas de maneira aprofundada pelos socialistas, apenas no controle dos regimes stalinistas espelhados pelo mundo, onde é aplicada a ideologia comunista de maneira radical e sem concessões 

    No capitalismo a forma sutil de ideologização, que bebe diretamente na fonte do nazismo e que vemos hoje em dia, não é somente culpa da esquerda brasielira e da sua falta de visão, mas do contra-ataque das classes mais abastadas por ter perdido o seu “lugar” e papel como agente tranformador da sociedade, nos governos Lula-Dilma abriu-se a porteira pra que outras entidades sociais, negros, homossexuais, mulheres, intelectuais e acadêmicos tomassem a frente das principais propostas de governo petistas e isso é inadmissível pro nosso sistema de castas

    Um exemplo é a síndrome Danuza Leão que tomou conta da classe superior e por fim contaminou as demais classes que ascenderam com os governos petistas e nisso Marx é tão maravilhoso que já falava sobre o conceito de ascensão e cooptação burguesa por certas classes favorecidas que não querem mais entregar o osso conquistado com suor dos outros

     

    https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/86352/Danuza-Le%C3%A3o-%C3%A9-jeca.htm

    http://www.culturabrasil.org/manifestocomunista.htm

     

    Resultado de imagem para ato impeachment champanhe

  2. De tudo, o que é mais

    De tudo, o que é mais interessante nessa “guerra simiótica” é que ela “não nega a realidade”. Perfeito!  Então a guerra simiótica tem como missão “despolitizar” o debate e apresentar a realidade como uma alavanca para que aqueles mais esforçados, oportunista e espertos mudem essa sua realidade? Então, ela tem como pano de fundo a mensagem: não espere o Estado e nem o resultado dos profundos debates e lutas políticas visando a manutenção (e/ou a obtenção de novos) direitos: seja esperto, mire-se nos bons exemplos e, porra!, vá lá e faça? Então, ela também traz a mensagem de ( e aí se parece, e muito com aquela trazida pelo neopetencostalistas) : meu caro, dê sua contribuição à sorte (no caso dos neopet, é ao dízimo) e faça por onde as coisas aconteçam…?

    Na boa, velho: não é à toa que o discurso das esquerdas tá se tornando um tanto desgastado. Nesse novo mundo uberizado, tecnológico e que vc tem o mundo e um mundo de informações, literalmente, na palma de sua mão, o empoderamento do indivíduo tem uma narrativa muito mais atrante e convincente. Talvez o grande mal das esquerdas seja desprezar o indivíduo em prol do coletivo, esquecendo que – apesar de sermos gregários – somos indivíduos pensantes e que cada um tem necessidades e quereres muito próprios. Talvez esteja faltando o entendimento dessa dimensão de valor ao homem enquanto um só (trazendo em si toda a sua ancestralidade), mas que é ponte para toda a coletividade. Um seriado do tipo “Sob pressão”, além de mostrar o caos a que uma equipe de saúde se submete diuturnamente ao se ver com a falta de tudo, traz em si a mensagem de que – mesmo em meio a uma intensa entropia – vc pode fazer a diferença, com sua esperteza, inteligência e senso de oportunidade. E que quando vc se deparar com uma morte eminente, aja!. Não fique politizando a situação e esperando que o esforço coletivo, por meio de manifestações e greves, resolva este problema emergente. Isso faz com que o esforço coletivo fique em segundo plano? Não, apenas que há o momento e a calibragem certa para acontecerem.

  3. Guerra Híbrida?

    Não conhecia esta expressão.

    Tomei conhecimento dela ao vê-la repetidamente mencionada em uma série de artigos do site DefesaNet.

    Termos como “bandidolatria” eram frequentemente criados, empregados, disseminados, além de alegremente associados a defensores dos Direitos Humanos. PT e Foro de S. Paulo não poderiam faltar na lista dos supostos “guerreiros híbridos”.

    Uma rápida pesquisa no site com a expressão acima permite encontrar os seguintes artigos classificados sob esta rubrica:

    http://www.defesanet.com.br/ghbr/

    O teor desses artigos é o de “alertar” sobre uma suposta “guerra” em andamento. E onde há guerra há um “inimigo” a ser “combatido e abatido” por todos os meios que se fizerem nercessários.

    Na minha opinião não passam de um exercício de contrainformação que esta comunidade é tão acostumada a praticar. Sempre atribuindo esta prática aos outros e, se possível, criminalizando-os. Nem por causa disso minimizo o discurso.  Acho-o deveras preocupante.

    Curiosamente encontro aqui repetida a mesma expressão.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador