Amor de mãe na luta contra a Aids

Enviado por Cláudio José

Da Agência de Notícias da Aids

Papel de mãe: a luta de uma voluntária para não perder crianças para a Aids

Por Talita Martins

Marlene Ribeiro tem 70 anos, é avó, ex-diretora de escola aposentada, viúva, mãe biológica de uma única filha, Taiza Helena, de 35 anos. Mas a educadora tem muitos outros filhos de coração, na conta dela são mais de 100, todos portadores de HIV. Foi aos 49 anos que ela se envolveu, de corpo e alma, na luta contra a Aids e decidiu compartilhar seu amor de mãe com as crianças órfãs da doença.

“Era o início da década de 90, quando o padre Valeriano Paitoni convocou os membros da Paróquia Nossa Senhora de Fátima (no bairro de Imirim, zona norte de São Paulo) e pediu que pensássemos numa ação concreta para ajudar na luta contra a Aids”, conta Marlene. “Eu não poderia ficar de fora dessa.”

Na época, não existia tratamento para a Aids e muitas pessoas morriam. Uma das consequências era o enorme contingente de crianças soropositivas órfãs de pai e mãe. Foi com o objetivo de acolher esses pequenos que a pastoral paroquial decidiu fundar a Sociedade Filantrópica Padre Costanzo Dalzébio e a Casa de Apoio Siloé ([email protected]).

A comunidade uniu forças, arrecadou fundos e construiu a casa nas dependências da igreja. No dia 7 de outubro de 1994, a Siloé recebeu a primeira criança com  HIV, batizada de Indaiara. “Lembro que o início foi de incertezas, tínhamos muitas dúvidas e nosso desafio era cuidar dos órfãos da melhor forma possível.”

De voluntária, no começo, com o tempo Marlene assumiu o cargo de vice-presidente da sociedade. Ela conta que, depois de Indaiara, não demorou para outros bebês chegarem. Desde a fundação, mais de 100 crianças moraram na Casa Siloé. Muitas chegaram bebês e saíram aos 18, que é a idade limite para viver lá — depois disso, eles são reintegrados na sociedade ou vão para outra casa, a Vila Vitória, da mesma paróquia.

Hoje, a Siloé abriga dez crianças e adolescentes e há vagas para mais quatro. Houve época em que abrigou 16. “Com o avanço dos medicamentos, felizmente menos crianças nascem com HIV hoje em dia”, diz Marlene. “Atualmente, a nossa caçula tem dez anos.”

Bronca e carinho

Nas casas, seja na Siloé ou na Vila Vitória, Marlene é conhecida como aquela que dá bronca. “Claro que eu chamo a atenção da moçada quando é preciso, mas também dou apoio e carinho, gerencio conflitos. Ou seja, desempenho mesmo o papel de mãe.”

Pouco antes de começar nossa entrevista, Marlene foi verificar a roupa que uma de suas meninas vestiu para ir trabalhar. “Sempre digo a elas para se arrumarem direitinho, tomarem cuidado com o perigo na rua, pegarem o ônibus certo, se alimentarem direito….  Cuidar do outro me fortalece. Não sei explicar o motivo, mas eu gosto e sinto que é minha missão.”

Quem vai à Siloé sente que está num autêntico lar. As visitas entram pela cozinha e são recebidas com um cafezinho cheiroso. Há salas de estar e TV, quartos de meninos e meninas. No térreo da casa é onde Marlene passa a maior parte do tempo. Ali fica seu escritório.

Sobre a rotina na Siloé, Marlene garante: a regra é não ter rotina. “Cada dia é um dia, às vezes o meu papel é resolver as coisas mais burocráticas ou levar os jovens ao hospital. Nem tudo é fácil, já passamos por muitas dificuldades. Mas sempre digo a eles que somos uma família, uma família diferente, mas uma família.”

A perda

O que mais entristece Marlene é a perda. “Quando entrei nesta luta, entrei para ganhar e perder crianças para a Aids e foi uma das coisas mais difíceis ao longo desses anos. É o sentimento de perder um filho, a ferida vai cicatrizando com o tempo, mas a gente nunca esquece.”

Marlene se emocionou quando se lembrou de alguns jovens que ela recebeu ainda criança, viu crescer e, um dia, acabaram morrendo. “Sempre lutamos até o fim pela vida.”

Ela tem sua própria casa, mas, se é preciso, dorme noites seguidas na Siloé. “Se uma criança precisa de mim, eu fico, durmo. Já fiquei três dias sem ir na minha casa.”

Questionada como foi para sua filha, Taiza, dividir com outras crianças o amor que poderia ser só dela, Marlene é enfática. “Ela não teve opção. Precisou entender que eu não dormir em casa num dia ou noutro era uma necessidade. As crianças vivendo com HIV lidam com preconceito o tempo inteiro, com a falta da família biológica, às vezes ficam revoltadas pelo abandono.”

Mesmo com a agenda lotada de compromissos com o gerenciamento da Casa Siloé, em raros momentos livres Marlene ainda participa de outros projetos sociais na comunidade do Imirim. Vaidosa, adora cuidar dos cabelos e se encontrar com amigos para curtir um samba [é fã de Zeca Pagodinho] e comer uma pizza.

Redação

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