Impressões sobre a “Caminhada das Famílias pela Paz” em Vitória (ES), por Vitor de Angelo

Impressões sobre a “Caminhada das Famílias pela Paz” em Vitória (ES)

por Vitor de Angelo

Neste último domingo aconteceu a chamada “Caminhada das Famílias pela Paz”, na praia de Camburi, região de classe média-alta de Vitória. Estive presente no evento como observador, e o que segue abaixo são algumas impressões que recolhi ao longo da caminhada. Cheguei ao ponto de encontro 30 minutos antes da hora marcada pelos organizadores para o início do evento, e percorri todo o trajeto feito pelos que foram ao local. Em diferentes momentos do percurso, entrevistei cidadãos comuns, representantes de entidades que encabeçaram a caminhada e lideranças políticas municipais, estaduais e federais. Do meu ponto de vista, o evento ficou marcado pelo seu caráter conservador e despolitizante, em que pese o sincero desejo de todos os que estavam ali, certamente, para que a normalidade cotidiana se estabelecesse.

As pessoas que participaram da passeata eram, em sua grande maioria, brancas, quase sempre andando em família, não raro com os filhos. Quase todos estavam de branco e carregavam um balão branco – “a idéia partiu da prefeitura”, me disse uma das mulheres que distribuía o artefato às pessoas no início da praia. Por conhecer bem o local do evento, não observei muita diferença com o tipo-padrão do público que frequenta os bairros da região e as pessoas presentes.

Ao longo de todo o percurso, a caminhada era ladeada por guardas municipais, a todo tempo cumprimentados. Só vi alguns policiais militares quando fazia o trajeto de volta. Na ida, porém, a presença de militares do Exército e da Força Nacional era constante. Um helicóptero do Exército voou rasante em todos os momentos. Em cima de um pequeno carro de som tocando músicas religiosas, vi quando uma espécie de animador pediu às pessoas que acenassem com mãos e as bolas brancas para o helicóptero, o que rendeu boas fotos de profissionais que estavam em cima do veículo. Quando, no sentido contrário, um carro da Força Nacional passou, as pessoas aplaudiram efusivamente.

Na parte final da caminhada, até flores foram dadas aos guardas que faziam a segurança do local. Quando a caminhada parou, também pude ver o momento em que um carro do Exército passou e, do megafone, disse que os militares brasileiros estavam ali para garantir a segurança da população.

Àquela altura, líderes religiosos tomaram a palavra, já em cima de um segundo carro de som. Um deles pediu a Deus que abençoasse as instituições organizadoras do evento, citando cada uma delas. Pediu, ainda, bênçãos para as “Forças Armadas, a Força Nacional e a imprensa” Na sequência, conduziu a oração do Pai Nosso, antes que o carro de som começasse a tocar músicas do Legião Urbana. Depois da oração, convidou a todos aqueles que acreditassem na paz que levantassem as mãos e dessem um brado. De onde eu estava, pude ver um militar da Força Nacional, com uma arma pesada pendurada no pescoço, levantando suas mãos.

Nos prédios da orla, houve apenas um momento de maior tensão, quando um morador do primeiro andar de um edifício estava discutindo asperamente com alguns populares. No mais, havia muitos acenos e panos brancos hasteados na janela, além da presença indefectível da bandeira nacional.

Em agosto de 2015, fui um dos coordenadores de uma pesquisa de campo feita numa das grandes manifestações ocorridas naquele ano contra o governo Dilma Rousseff. Não possuo dados empíricos para uma afirmação categórica; no entanto, minhas observações a respeito da Caminhada pela Paz me fazem concluir que o público era muito parecido. É verdade que, trazendo a questão para o âmbito regional, existe um “filtro” que não permite que seja exatamente o mesmo público. Refiro-me, aqui, a pessoas com esse perfil, porém, contrárias ao governador Paulo Hartung. Os panelaços verificados na quinta-feira, 09 de fevereiro, após a entrevista do governador a Miriam Leitão, na Globo News, mostraram que também nos bairros de classe média-alta Hartung sofre de algum desgaste. De qualquer forma, domingo me pareceu um congraçamento de um pequeno estrato de uma sociedade já historicamente conservadora de um estado sabidamente anti-petista – pensando, aqui, em tudo o que está associado ao rótulo de “petista”.

Também me chamou muito a atenção a despolitização da caminhada. É óbvio que, tendo sido convocada como um evento apartidário, não esperava encontrar nenhum carro de som de onde pudesse acompanhar discursos políticos. No entanto, um primeiro destaque fica por conta dos políticos presentes. As lideranças entrevistadas são de partidos adversários na política municipal, regional e nacional. A despeito da boa intenção que moveu cada um a participar da Caminhada, o fato de o evento claramente ter coroado o “fim” de uma crise duramente debelada pelo governador Paulo Hartung fez com que a presença de políticos de oposição nada mais fizesse do que alimentar o discurso oficial de que o ato, de certa forma, era um ponto final de um protesto que ainda não terminou, efetivamente. “É a retomada da cidade pelas famílias. Você vê que a cidade está toda normalizada já”, disse uma liderança política municipal.

Mesmo aqueles que defendiam o sentido não-político do evento acabaram conferindo-lhe uma dimensão política alinhada à perspectiva do governo estadual, como nessa fala de uma liderança importante do Espírito Santo: “O ser humano é um ser político. Não estou falando nem de eleições, nem de partidos. É uma manifestação da sociedade no sentido que colocar: ‘nós queremos a manutenção da legalidade, da ordem”. Em outra direção, a nacionalização da crise e da figura política do governador também acabou sendo destacada por pessoas que igualmente negavam o caráter político da Caminhada: “O tratamento desse tema [segurança pública] aqui no estado, na forma como ocorreu e na forma como a sociedade tem reagido, é muito importante para o resto do Brasil. É uma consequência política de grande monta”, afirmou uma liderança do Congresso Nacional.

Por fim, a idéia da “volta à normalidade” foi corroborada por quase todos os políticos com os quais falei. Um deles disse que aquela tinha sido, “provavelmente a semana mais difícil da história do Espírito Santo; graças a Deus nós estamos encerrando isso aqui para retomar nossa vida”. Outro, ao ser perguntando sobre o significado do evento, declarou o seguinte: “É a sociedade; são as instituições, sejam públicas, e, principalmente, da sociedade civil reagindo, voltando à vida normal e pedindo algo que é essencial para a vida humana, que é paz”. Um outro, ainda, disse que a caminhada era “os capixabas vindo às ruas, pedindo paz”. Vi pouca problematização dos eventos, muita generalização acerca do público presente (que, claro, não eram “os capixabas”) e nenhuma ponderação sobre a inexistência de paz na periferia, mesmo (e talvez, principalmente) com a “volta à normalidade”.

Redação

17 Comentários

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  1.  
    Estive em Vitória há uns

     

    Estive em Vitória há uns dois anos. Fiquei abismado com a grande quantidade de prédios de alto luxo nos bairros da classe média alta. Ora, de onde vem o dinheiro para essas construções de alto padrão num Estado pobre ? Seria lavagem de dinheiro ?

  2. A cretinice faz história no

    A cretinice faz história no nosso país merreca: pior, contrariando Marx, repete-se em espiral perversa. Essas caminhadas, sabemos todos, encaminham a situação ao caos final: ditadura. Se hoje a ditadura midiática prevalece, logo em frente, a ditadura da força aparece. Interessante notar que a alienação do brasileiro em geral (pequena burguesia de direita facilmente influencíável, né, Argeu Santarém?) não os faz perceber – desde sempre – o quanto são “conduzidos” ao cadafalso dos poderosos de sempre. Ninguém se solidariza com o pobre “policial-militar” que sofre as consequências – como funcionário público – das tantas politicagens-de-compadrio-hartungseanas. Haja saco.

  3. se não mexer no meu mundinho tudo bem

    Viva a paz dos cemitérios!!

    Eles ainda conseguem pagar plano de saúde, um dinheirinho aplicado com juros escandalosos, os dois neurônios plin plin satisfeitos daquele mundinho provinciano e egoísta….

    Que venha o tio sam nem vai precisar de armamento, eta povinho. 

  4. A “paz” do aprisco e do curral.

     

     

    O pastor guia as suas ovelhas, cuida de todas elas, vai atrás da que se perdeu, alimenta, protege e as conduz pelos caminhos seguros da vida. O ser pastor exige renúncia, humildade, amor, confiança, perseverança e doação, sem o que não se consegue conduzir as ovelhas.

    Enquanto a figura do aprisco indica metaforicamente o encontro amoroso do pastor com suas ovelhas, o curral indica o local da “ração” para o gado, ou seja, onde metaforicamente as pessoas ruminam o “sal” ou a “ração” que lhes são oferecidos sem, no entanto, vivenciaram os aspectos que compreendem o aprisco.

    E a  “paz” entre pastores e ovelhas, fazendeiros e gados, continua…

     

     

  5. Ah! a elite capixaba.

    O Espírito Santo é infestado de reacionários e gente guiada pela Rede Gazeta. Existem os polos da elite espalhados por várias cidades, não é so em Vitória. São a grande maioria racistas, preconceituosos com as comunidades periféricas, isoladas num padrão de vida social falido, retrogrado, com fotinhas em capas de revistas e colunas sociais patéticas. Vitória é uma cidade metida a principado de Mônaco, mas é obvio que não chega aos calos.

    Ah! Também não gostam de nordestinos, vide as inúmeras piadas carregadas de preconceito. É um lugar onde não me assustaria se o exército tomasse conta de fato, eles aplaudiriam e achariam até que é uma boa. Pelas redes sociais nota-se o discurso reacionário, conservador e muitas vezes extremista cheio de likes e comentários piores… E a moqueca é imitação da baiana, também tem isso. Um povo de pouquissimas tradições culturais, geralmente imitam os cariocas em todos os modismos e são extremamente apegados ao dinheiro. Extremamente. Sua elite é uma podridão só. Quem vive no meio ou já viveu nisso, sabe como é.

    Mas a moqueca é boa, mesmo sem dendê e leite de côco.

     

  6. Classe Média Golpista Troca Figurino!

    Vestiram Verde Amarelo pelo Golpe! Agora vestem Branco pela Paz!

    As Soluções que apoiaram os fizeram retroceder!

    Todo mundo sabe que se dependensse da linha ideológica anterior, não chegaria neste ponto, pois o Governo federal não usaria um estado quebrado para vitrine de Ajuste Fiscal pior ainda… tentariam sim um acordo Republicano para resolver situação caótica de Policiais Barrados por esposas por causa de salário!

    O GOLPE POR SI SÓ ACABA! Temos que ir para as ruas fechar o Caixão!

    1. Será que esse pais tem conserto…

      Para dar o golpe esses zumbis teleguiados foram as ruas com a desculpa de que estavam protestando contra a corrupção quando estavam a serviço da troupe golpista formada pelos verdadeiramente corruptos deste pais: não era contra a corrupção que lutavam e sim contra as políticas de inclusão que incomodaram e muito a classe merdia que em 64 e 2016 saiu às ruas para apoiar o golpe e descontinuar o pais: a nossa crise é, antes de tudo, de caráter cognitivo e, tendo-se os Irmãos Marinho para moldar a subjetividade do povo e prá piorar a educação baseado no receituário do  “Escola Sem Partido”(entenda-se isso como substituição da democracia e do debate pela ideologia da direita), o que será este pais daqui a 20, 30, 40, 50 anos heim…

      1. Mas estavam!

        O Sistema que eles defendem estava sendo corrompido! Eles defendem um sistema elitista, escravocrata, coronelista, patrimonialista entre outras coisas…

        Chega um Ex-operario eleito pela maioria do Povo e começa a corromper um sistema tão perfeito!

  7. Decepcionado com o desfecho

    Decepcionado com o desfecho no Espírito Santo.

    A ortodoxia venceu e o povo comprou a briga do… Governador,

    Que saiu maior de toda essa história !!!

    Encorajador para o Governo Federal, que pretende impor plano semelhante para os demais estados.

    O povo apoia…

  8. Ei capixabas, kd as panelas heim

    Ué, nenhuma panela, nenhum boneco inflável, nenhuma palavra de ordem contra o crime organizado que tomou de assalto o poder, querem o que mesmo com este silêncio sobre as causas que levou Vitória ao caos

    Jânio de Freitas: não há panelaços e bonecos infláveis para os acusados de Temer

    http://www.patrialatina.com.br/janio-de-freitas-nao-ha-panelacos-e-bonecos-inflaveis-para-os-acusados-do-governo-temer/

  9. É exatamente por isto que o

    É exatamente por isto que o brasileiro é considerado o terceiro povo mais ignorante do mundo. Eita gente burra do inferno.

    Vai para o matadouro sem um esbirro sequer.

    Pela meritocracia cheguei a conclusão, já batida, de que cada povo tem o governo que merece.

    Um estado com saúde, educação e segurança no fundo do poço e os idiotas ainda fazem passeatas pela paz.

    Porque não questionam o governador sobre o que está sendo feito dos impostos pagos pelos capixabas já que o estado não dá a contrapartida esperada com bons serviços públicos?

    Será que o dinheiro dos impostos é apenas para sustentar vagabundos encastelados no governo do estado?

  10. Representantes que não representam.

    Manifestações como essa são fenômenos restritos a bolsões bem menores do que o barulho que a mídia engarrega-se de multiplicar. Essa classe média é a ausência de consciência política e de cidadania personalizadas, em estado puro, e não representa a sociedade brasileira. Aliás os representantes políticos oficiais, institucionais atuais da sociedade brasileira não representam a sociedade brasileira, de forma alguma. Hipocrisia ou burrice?

    ***

    Cuidadores de cães ensinam que para desmotivar determinados comportamentos os donos dos cães podem ter à mão um esborrifador de água ajustado na posição “jato”, e não “nuvem”. É que ao receber o jato na cara durante certo comportamento – por exemplo ao roer pés de móveis – a cão associa o comportamento ao desagrado, com a vantagem de não ficar com raiva ou medo do dono, já que não consegue relacionar o jato d’água ao dono, especialmente se o dono mira com visão periférica.

    Essa classe média age assim: sente o desagrado – violência, ausência do estado – protesta mas, louca ou hipócrita, sem a menor reflexão, sem saber o porquê desse estado de coisas.

    1. Filhotes da mídia golpista.
      Filhotes da mídia golpista. Os mesmo q foram as ruas em defesa do golpe q transformará o Brasil com a lei do fim do mundo num grande ES. Continuam iludidos. Vão continuar pagando caro. Pensam q estarão seguros num país conflagrado.

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