Movimentos sociais se manifestam contra a decisão do governo na demarcação das terras indígenas

O governo está cedendo ao poder de pressão do agronegócio e da bancada ruralista na Câmara, ao anunciar que vai reduzir o poder da Fundação Nacional do Índio (Funai) nas demarcações de terras indígenas. A opinião é compartilhada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Dos movimentos sociais consultados pelo Jornal GGN, a única discordância é do presidente da Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), Alberto Brock, para quem “é preciso ter bom senso e cuidado para não ter problemas com os agricultores familiares”.

Diretamente atingidos pela medida do governo, e envolvidos nos últimos conflitos de terra que vitimaram suas lideranças, todavia, os índios e o Cimi, no entanto, demonstram divergências radicais para com o governo, que pretende submeter a outros órgãos do governo, como a Embrapa, os laudos da Funai que determinem demarcação de terras indígenas.

Oriel Kaiowa, membro da Apib, deu um depoimento dramático ao Jornal GGN. “Queremos a terra e somos a favor da vida. Embora os produtores rurais tenham poder financeiro e político, nós temos poder dentro do nosso povo e vamos lutar até o último homem, até ter a nossa terra de volta”, disse o indígena.

CIMI

De acordo com Saulo Feitosa, secretário adjunto do Cimi, a legislação já apresenta critérios bem definidos para a realização da demarcação. “Com relação às fases dos processos que envolvem a demarcação de terras, primeiro há o processo de identificação, depois é gerado um relatório que vai para aprovação do presidente da Funai, em seguida a demarcação é publicada no Diário da União, é aberto para contestação, vai para a aprovação do ministério da justiça e na fase final, o processo é levado para a portaria declaratória”, explica. E ressalta que “a questão da posse indígena é pacífica, pois a própria legislação assegura isso.”

O objetivo das decisões propostas, segundo ele, é gerar um mecanismo protelatório, algo que não vai mudar as decisões as sim atrasá-las. “Vemos o governo agindo pelo interesse particular proposto pela bancada ruralista, e, como consequência, isso gerará mais conflitos”, analisa. “Por mais que o Brasil seja generoso em extensão territorial, os ruralistas não entendem que não é possível se apropriar de terras.”

Ele observa que as terras são de posse da União e, ao serem demarcadas como território indígena, os índios tem direito de usufruir da terra, mas que ela continua pertencendo à União. “O próprio governo tenta inviabilizar a demarcação de uma terra que pertence a eles e isso se torna difícil de entender até para os índios, ou seja, nem a propriedade da própria União é protegida.”

 

MST

José Oliveira, membro da direção estadual do MST explica que, neste momento está acontecendo uma marcha de 70 km por Anhanduí, Campo Grande, com a finalidade de promover a reforma agrária, que está paralisada há 4 anos. De acordo com ele, a intervenção do Ministério Público nesta questão da reforma foi muito prejudicial, pois o ministério emitiu uma liminar que paralisou, inclusive, as ações do Incra – Instituto Nacional de Colonização da Reforma Agrária. “Hoje, está à disposição do Incra mais de 70 milhões. E o Instituto não consegue fazer a aplicação desses recursos na questão da reforma agrária”, diz.

“Nesta marcha, estamos reivindicando a demarcação das terras indígenas, a reforma agrária e a demarcação das terras quilombolas.”

Ele explica que no Mato Grosso do Sul, os ruralistas estão se articulando “Não está fácil. Estamos em um campo de guerra com relação às questões indígenas”. Oliveira relata que a Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul (Famasul) está no que parece ser uma conivência com governo federal na questão da demarcação de terras indígenas. “O governo federal não está respeitando a constituição e não está garantindo os direitos dos índios. Já houve várias mortes. O governo não está tomando a atitude que deveria tomar, ao contrário, ele mesmo está fomentando o conflito.”

O membro da direção estadual do MST aponta que, na verdade, os indígenas só querem garantir seus diretos. “Nós concordamos com essa posição e sabemos que o conflito indígena é uma causa justa”, salienta.

O que o movimento espera que aconteça, de acordo com ele é que haja um posicionamento do governo com relação a essa questão. “Caso isso não aconteça, a situação vai ficar muito difícil. É preciso decidir, efetivamente, como vai ser feita a demarcação das terras indígenas, porque o clima aqui é muito tenso. “Vai haver manifestações de todos os lados e nós sabemos que os ruralistas estão fazendo pressão para conseguir que os direitos de demarcação sejam efetivados pelo congresso, porque lá, a bancada é, em sua maioria, ruralista”, salienta. E finaliza: “deve ser proveniente do governo a decisão de não atender aos ruralistas. A questão não é estarmos contra. Nós queremos que o governo cumpra o direito constitucional de demarcação de terras indígenas.”

APIB

Oriel Kaiowa, membro da Apib – Articulação dos povos indígenas do Brasil, tem percebido que o governo pende para decisões que favorecem o agronegócio. “Nós, indígenas precisamos da estrutura na aldeia para viver dignamente. O Governo Federal não está levando a sério nossas reivindicações. Só queremos ter a terra que é tão sagrada para nós, onde está derramado o sangue dos nossos ancestrais”, aponta. “Os produtores rurais divulgam que 27% do estado voltará a ser aldeia indígena. Isso não é verdade e entendemos que é importante que a nossa terra seja demarcada”.

Oriel explica que a reivindicação é de menos de 3% das terras que pertencem ao Estado e que isso não prejudica em nada na questão do desenvolvimento.  “Conseguimos entender e somos a favor do desenvolvimento justo, sem derramamento de sangue, que é o que está acontecendo no Mato Grosso”, explica.

Ele conta que os indígenas já perderam 251 lideranças e não foi feito justiça, os assassinos estão impunes. “Os responsáveis pelas mortes estão soltos. Isso para nós é uma dor imensa”, diz ele. “A justiça brasileira não está para proteger o índio porque, de certa forma, nós entendemos que temos que partir para a luta. E é essa luta que vai trazer uma vida digna para nossa família”, conta.

Ele enfatiza que não quer que os filhos dele sofram como ele está sofrendo com relação às terras. “O poder legislativo está tentando derrubar um direito que já havia sido conquistado pelo movimento indígena. Com isso fica claro que temos que partir para a luta”, analisa. “Queremos a terra e somos a favor da vida. Embora os produtores rurais tenham poder financeiro e político, nós temos poder dentro do nosso povo e vamos lutar até o último homem, até ter nossa terra de volta.”

CONTAG

Alberto Brock, presidente da Contag, relata que respeita os direitos constitucionais, mas sem deixar de lado os cuidados com os agricultores familiares em reforma agrária. “É preciso ter bom senso e cuidado para não ter problemas com agricultores familiares”, diz. Ele ressalta, ainda, que quer o caminho da negociação sem violência.

Com relação à ampliação do poder de órgãos ligados à agricultura pelo governo Dilma, ele comenta que o mais importante, para ele, é resolver a questão. “Para mim não interessa quem vai resolver a questão. O importante é que ela se resolva”, afirmou. E, por fim, voltou a enfatizar a importância dos agricultores familiares em reforma agrária.

Redação

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