O Outubro Vermelho em Natal

Por Ivenio Hermes, no Portal LN

De Volta ao Outubro Vermelho

Sobre a Capacidade de Promover a Segurança por Agentes Encarregados de Aplicar a Lei após episódio de 1º de Outubro na Câmara Municipal de Natal
 
Por Ivenio Hermes e Cezar Alves
(Publicado originalmente no Jornal De Fato, Coluna Retratos do Oeste)

Bem Vindo Outubro Rosa

O mês de outubro chegou com o slogan “Outubro Rosa” como simbologia de uma boa causa: a prevenção contra o câncer de mama, uma campanha mundial em que todos se voltam para conscientizar e prevenir essa doença que pode ser combatida através do diagnóstico precoce.

As mulheres estão cada vez mais atuantes não somente em campanhas assim, cujo benefício são elas mesmas, mas em lutas mundiais em busca dos direitos humanos como a libertação do Tibete, o combate à fome na Etiópia e a luta pelos direitos dos professores no Brasil além de tantas outras.

O pacifismo absoluto ficou para trás por sua confusão semântica com a passividade e diante das inúmeras injustiças, as manifestações eclodiram com gritos, cantos, mantras e palavras de ordem contra os símbolos do poder estatal que desrespeita e impõe sua vontade pela força.

Nesse conhecer das realidades das minorias subjugadas surge Catarina Santos, uma estudante de Psicologia e Ativista de Mídia Alternativa, colaboradora da Carta Potiguar, que fez uso de suas únicas armas, a coragem feminina e uma câmera fotográfica, para enfrentar a falta de respeito que os manifestantes sofreram no dia da votação da Lei do Passe Livre na Câmara dos Vereadores do Natal.

No mesmo dia em que se celebrava o início do Outubro Rosa, em Natal acontecia o Outubro Vermelho, onde a falta de habilidade de lidar com manifestantes e o antagonismo típico contra as mulheres deu início a um episódio de violência, descontrole emocional, incitação e provocação por parte de Guardas Municipais que faziam a guarda patrimonial da Casa Legislativa, levando as emoções ao limite que consubstanciou quebra-quebra e até embate físico entre os Guardas, os manifestantes e logo em seguida com um grupamento da Polícia Militar do Estado.

Foto: Larissa Paraguassu

Mudando a Cor do Outubro

Sem acesso ao Plenário da Casa Legislativa devido à lotação, vários membros de diferentes movimentos sociais aguardavam em fila na Câmara Municipal de Natal (CMN) alguém que saísse para que eles entrassem. Contudo, a tensão própria da ocasião foi aumentada quando os manifestantes perceberem que pessoas que não estavam na fila estavam tendo seu acesso facilitado pelos Guardas Municipais, que empurravam os manifestantes e de forma não urbana e brusca tratavam as mulheres, até decidirem fechar a porta de acesso.

O momento seguinte foi de extrema tensão. Guardas Municipais abrem a porta com uso de tonfas, espécie de cassetete com empunhadura na perpendicular para a proteção do antebraço, passaram a agredir os manifestantes, e Catarina Santos se postou diante deles com uma câmera, pedindo esclarecimentos sobre aquela postura, dizendo que eles não eram policiais e foi agredida com um empurrão pelo queixo, por um Guarda Municipal, provocando a revolta dos manifestantes e o quebra-quebra.

 

Major Marinho: Palavrões e Xingamentos

Uma guarnição da Polícia Militar comandada pelo Major Marinho entra em ação com bombas de efeito moral na entrada da CMN, atingindo Catarina, que após se recobrar dos efeitos dos gases da bomba, foi para a lateral da CMN onde um adolescente era algemando e colocado numa viatura da PM.

Sob os diversos ângulos capturados pela própria Ativista de Mídia Alternativa e outros disponíveis na internet, pode ser observado o quanto os encarregados de aplicar a lei não estão preparados para situações de controle de distúrbio civil.

Os Guardas Municipais, principalmente o agressor de Catarina, não estavam prontos para um enfrentamento desse teor, de fato, a incapacidade de controlar o fluxo de entrada e saída da Plenária e o despreparo emocional os levaram a dar início àquela confusão, puxando para dentro desse redemoinho manifestantes, ativistas e o grupamento da Polícia Militar que já chegou ao local avisada de que baderneiros depredavam o patrimônio público.

Sem uma completa avaliação da situação, os PMs agiram na tentativa de dispersar, mas o local repleto de pessoas propiciou erros que se ampliaram dentro daquela esfera de contenção:

  1. Enfrentamento de proximidade deu margem a contatos físicos entre PMs e manifestantes. Devido à escassez de agentes não-letais, o contato físico às vezes se torna a única saída para evitar ações indesejáveis, e isso, aliado à falta de treinamento geral sobre a postura padrão a ser adotada por policiais na atividade de policiamento ostensivo normal;
  2. O colete tático de alguns policiais não possuía tarja de identificação e nem o velcro para sua fixação, em outros havia o velcro mas a identificação fora retirada. O material de trabalho é adquirido pelo próprios militares, pagando com dinheiro próprio a lacuna deixada pelo Estado que não os fornece, por isso a falta de padronização. Embora alguns se habilitem a estudar a padronização de equipamentos, esses estudos esbarram na falta de interesse do próprio Comando Geral da PM;
  3. Emocionalmente desestabilizados, os policiais começaram a chamar os manifestantes para o embate, dizendo “vem estudante” e ao serem questionados pela falta de identificação pela ativista de mídia alternativa Catarina Santos, recebeu como resposta: “Não tem identificação não, aqui é tudo bandido fardado”;
  4. Com ambos os lados com ânimos elevados, logo a situação se exacerbou e o policial com a arma com a identificação amarela, que simboliza uso de munição não letal, parte para o meio da confusão e efetua um disparo com a arma na altura do rosto, diferente da posição orientada de tiro de dispersão com munição não letal e estilhaços de vidros atingiram a cabeça do manifestante nominado Wil Silva;
  5. A ativista Catarina Santos, usando sua câmera como meio de proteção e intimidação, pois registrava imagens da situação toda, insistia nas identificações, o Major Marinho mandava “pedalar” e como a ativista é ciclista e usa a bicicleta como seu principal meio de locomoção, aquilo pareceu direcionado, e tudo se potencializa com o uso do spray de pimenta, cassetetes e tonfas, com Catarina se ajoelhando diante dos policiais que ficaram aturdidos com a situação e diante do inusitado não agiam com uniformidade de ações, algo típico da falta de orientação e instrução para agir em momentos desse porte;
  6. A câmera de Catarina foi empurrada e ela foi derrubada, o que provocou as manifestantes femininas que criticando o machismo e a agressão às mulheres, e ao pedido de identificação receberam como resposta do Major Marinho algumas palavras sujas que ninguém deveria pronunciar, muito menos agentes da lei;

O vereador Sandro Pimentel surgiu no meio da confusão e após tentar contemporizar sem sucesso, ligou para alguém supostamente superior na cadeia de comando, pedindo que fosse enviado alguém com mais equilíbrio emocional para o local, pois o Major Marinho estava emocionalmente envolvido na ocorrência.

O Atirador

O show de horrores culminou com Catarina sendo detida juntamente com mais dois manifestantes. Somente na delegacia Plantão Sul a ativista de mídia alternativa ficou sabendo de seu enquadramento: desacato a autoridade. Ela foi ouvida pelo delegado responsável pelo Inquérito da Revolta do Busão, onde foi questionada sobre suas ligações com o referido evento. Ao responder que acompanhara o movimento como Ativista de Mídia Alternativa e nada tinha a ver ideologicamente com o referido movimento, teve seu termo lavrado por outro delegado que chegara posteriormente.

Os outros manifestantes detidos também foram liberados.

Catarina Santos: coragem em defesa dos manifestantes

De Volta ao Outubro Vermelho

O episódio foi marcado pelos ânimos acirrados de todas as partes, mas é natural a cobrança de controle dos agentes encarregados de aplicar a Lei. O coronel Klecius Bandeira até mencionou que ao chegar ao local a situação já estava normalizada e sobre a identificação dos policiais, mencionou a orientação do uso.

O “Outubro Rosa” se tingiu de vermelho, a Polícia Militar foi novamente vilanizada e teve sua reputação generalizada como truculenta por causa da ação de uma guarnição. Mas não se pode esquecer que a inabilidade da Guarda Municipal deu origem ao violento evento.

O modelo da Polícia Militar no Brasil possui similitude com 70% das polícias do mundo como a americana, espanhola, inglesa, canadense, japonesa, alemã, chilena, e etc. As diferenças estão na forma como a legislação é aplicada, no emprego da força policial e sua valorização enquanto instituição.

O direito brasileiro não é levado a sério, o exemplo do erro vem de cima, e é a Polícia Militar que é usada para garantir o direito preliminar de posse, de ir e vir, de manutenção de civilidade em eventos e da ordem geral.

A doutrina policial certamente se confundiu com a militar, a ação equilibrada cedeu lugar à comoção. Fato que nos leva a novamente questionar o futuro da Polícia Brasileira que está perdendo a capacidade de promover a segurança, privilegiando a cultura do temor, e após o conflito de 1º de outubro em Natal, fica visivelmente questionável o treinamento dos agentes encarregados de aplicar a lei.

O Guarda Municipal na direita da foto foi o primeiro a agredir Catarina

Sem o correto investimento em qualificação real e objetiva, em equipamentos de vanguarda para o emprego específico na atividade de polícia proporcionando a segurança que o policial precisa para trabalhar, consoante com uma remuneração adequada ao risco físico e psicológico aos quais os policiais brasileiros são submetidos, a ideia simplória de desmilitarização é efêmera, pois nem policiais civis nem militares jamais atingirão a excelência, como percebemos nesse caso onde a Guarda Municipal, uma polícia civil uniformizada, foi o pivô da desestabilização emocional generalizada.

Proteger e servir à sociedade através de atitudes pautadas em doutrinas humanitárias é algo impraticável para quem é treinado para subjugar e ferir em detrimento de uma abordagem policial cidadã e direcionada para cada tipo de evento.

Enquanto mantivermos um modelo de polícia baseado na filosofia militar, viveremos à mercê de homens armados preparados para uma guerra e para a obediência cega, que não podem questionar seus superiores, que não podem manifestar sua insatisfação com o Governo e sendo cada vez mais usada para a cultura da imposição à qual eles mesmos são submetidos.

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VÍDEOS RELACIONADOS SOBRE A SITUAÇÃO:

G1 RN. ‘Vem, estudante’, diz policial em vídeo de confronto na Câmara de Natal: Imagens foram registradas por uma jornalista presa durante a manifestação. Protesto na Casa Legislativa terminou em confronto nesta terça-feira. Disponível em: a href=”http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2013/10/vem-estudante-diz-policial-em-video-de-confronto-na-camara-de-natal.html”>http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2013/10/vem-estu… >. Publicado em: 04 out. 2013.

Portal No Ar. Manifestantes do Passe Livre entram em confronto com PMs. Vídeo. Disponível em: a href=”http://youtu.be/NQo7-VUBhHo”>http://youtu.be/NQo7-VUBhHo >. Publicado em: 01 out. 2013.

PIMENTEL, Sandro (Vereador). Confusão com PM durante protesto pela votação do Passe Livre. Vídeo. Disponível em: a href=”http://www.youtube.com/watch?v=-vUskjWJDgE&feature=share&list=UU1GbkNFZvGJCFkFniGu2jbg”>http://www.youtube.com/watch?v=-vUskjWJDgE&feature=share&li… >. Publicado em: 01 out. 2013.

HERMES, Ivenio. Repressão Policial: Ato na Câmara Municipal de Natal em 01.10.2013. Vídeo. Disponível em: a href=”http://youtu.be/jjhDJ0rstys”>http://youtu.be/jjhDJ0rstys >. Acesso em: 02 out. 2013.

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SOBRE OS AUTORES:

Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró, Conselheiro Editorial e Colunista da Carta Potiguar, Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Cezar Alves é Fotojornalista e Editor do Jornal De Fato e da Coluna Retratos do Oeste.

 

Redação

2 Comentários

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  1. Treinamento de quem tem

    Treinamento de quem tem primeiro grau completo e uma arma na mão? Mal sabem ler e escrever…

    Vai ensinar a ler antes? Se fizer isso(alfabetizar a tropa), o Delegado vais ervir pra que?

    O problema é mais embaixo….

  2. Estou de acordo com o

    Estou de acordo com o comentarista Athos. Todavia, mesmo sem estudo, se os caras desejam de  fato abraçar a causa, ser policial, que ao menos recebessem aulas de boas práticas da função, aulas de bom comportamento, aulas de generosidade, e de tudo, enfim, que pudesse somar-se à função propriamente dita. Acontece que os policiais brasileiros são tratados desde sempre como um nada. Já se dispõem a ir para a Polícia por “N”motivos. Pode ser pra poder se tornar um bandido de farda, como tantos; porque precisa mostrar autoridade pra alguém; até mesmo pra ganhar mais que um salário, e vislumbrar ascenção na carreira militar. Acontece que como soldado, cabo e sargento a turma é lacaia dos oficiais graduados. Tem dois ranchos nesses quarteis: o de luxo e o dos pobretões, que são os citados. O dos oficiais graduados é um buffet pra ninguém botar defeito; com tudo que existe de bom e do melhor. Já trabalhei num quartel da PM carioca e pude ver essas diferenças, que são gritantes em tudo por tudo. Ganham tão pouco que são obrigados a sair do quartel direto para o emprego noturno, que pode ser vigiar a padaria, ou qualquer loja da cidade, geralmente longe demais de sua residência, o que implica em voltar tardíssimo pro lar, dormir, e de manhã cedo estar no quartel. Uma vida dessa até o diabo renega. Ah!, eu vi também que a maioria tem mais de dois casamentos. Que mulher aguenta viver com um homem que não existe? 

    Aprendi muito sobre os policiais militares do RJ, e confesso que terminava sempre do lado deles, que são mais vítimas de uma hierarquia bastante cruel. Individualmente não se pode admitir que todos os militares estão errados. Quem precisa refletir muito, se reorgniar, talvez copiando modelos importantes e eficazes, são os governos federativos, e, talvez, o Legislativo, estabelecendo leis transformadoras disso que gente já não tem mais estômago pra ver.

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