O protesto dos jovens

Jovens tomam as ruas e recorrem a coletivos para retomar protestos no Brasil

Para especialistas, a contestação de rua ainda é importante, embora raramente conte com a simpatia da população

Wanderley Preite Sobrinho – iG São paulo |

 

J. Duran Machfee/Futura Press

Panfleto de convocação de protesto contra o aumento da tarifa de ônibus é colado em lixeira na Avenida Ipiranga, no centro

De um lado, tiros com balas de borracha e bombas de gás lacrimogênio; do outro, orelhões pichados e sacos de lixo queimados pelo chão. Enquanto as recentes marchas contra o aumento da passagem de ônibus pelo Brasil engrossam a cada edição, uma parcela da opinião pública acredita que esses protestos atrapalham mais a sociedade do que o governo. Até o 1º promotor de Justiça do 5º Tribunal do Júri, Rogério Leão Zagallo, falou em seu Facebook dassaudades da “época em que esse tipo de coisa era resolvida com borrachada nas costas”.

Mas enquanto as marchas ganham os noticiários silenciosamente um número cada vez maior de coletivos ganha popularidade propondo mudanças na cidade sem confrontar o poder público, mas também sem pedir sua permissão para atuar. Para especialistas ouvidos pelo iG , os jovens brasileiros estão “engasgados” depois de passarem muito tempo calados e, por isso, buscam seus próprios meios de protestar pelo País.

“As críticas não são contra a reivindicação de baixar a passagem do ônibus, mas a forma como ela é feita: dizem que é um grupo de baderneiros que promove tumulto e confronta a ordem”, afirma o cientista político e professor da PUC-SP Pedro Arruda. “O protesto é legítimo. Quem se opõe agora se oporia de qualquer maneira: assim como não protestou no começo, vai criticar quem fizer isso.”

“Protestos de rua raramente tem a adesão da maioria”, avalia a pesquisadora de inovação e tendências Mariana Nobre. “Eles são propostos sempre por uma pequena parte da sociedade, de onde surgem as ideias de mudança. Acredita-se que as pessoas com esse perfil representem 3% das populações pelo mundo. Portanto é natural que manifestações como essa não sejam bem recebidas de imediato.”

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Mariana diz que a repercussão das últimas passeatas surpreendeu alguns pesquisadores de comportamento, que julgavam ultrapassados os protestos de rua frente ao nascimento de coletivos que tentam subverter a ordem tomando a cidade para si, como a ocupação do Minhocão pelo Festival BaixoCentro. “Alguns observadores começaram a dizer que a sociedade estava mais disposta a aceitar a intervenção pacífica ou a ocupação. De repente houve uma guiada nas últimas semanas com movimentos mais tradicionais, que pregam a paralisação, a greve, os protestos que usam o próprio corpo como argumento”, diz Mariana.

Integrante do coletivo BaixoCentro, Mauricio Coronado Júnior vê com bons olhos a retomada dos embates na rua. “Eles chamam a atenção para o fato de que quem paga o pato é sempre a população. Os políticos, os governantes e donos de empresas são intocáveis: eles recebem auxílio transporte, auxílio-moradia, 14º salário…”

Para Coronado, “todo tipo de manifestação terá o sua critica contrária”. “No Festival BaixoCentro, moradores foram reclamar da música no Largo do Arouche dizendo que queriam assistir ao Jornal Nacional depois de chegar do trabalho. Nunca vamos conseguiu agradar a todos.”

 
Membro do Movimento Passe Livre (MPL), o estudante Caio Martins Ferreira (19) não gosta da comparação com os coletivos. “São coisas diferentes. Estamos lutando por uma demanda popular. Esses coletivos fazem algo que pode ser bacana, mas tem interesse político. Há cumplicidade com o que está instituído. Os coletivos fazem bem é gerenciar projetos.”
 
Sobre os integrantes do movimento que depredam a cidade, Ferreira afirma que não há qualquer tipo de incentivo. “Essas coisas sempre acontecem depois que a polícia começa a reprimir. Esse é o jeito de se defender da polícia.” De acordo com a Polícia Militar, a ação não pretende ferir manifestantes.Para o estudante, a insatisfação de parte da população se deve à falta de tradição de marchas no Brasil. “Essas ações não fazem parte do imaginário das pessoas, mas, ao ir para a rua, estamos construindo isso.”
 

O cientista político lembra que “a Constituição garante direitos de reunião, protesto e ocupação do espaço público”. Para Mariana, “o brasileiro não é muito simpático a manifestações agressivas”, mas a necessidade de discutir alguns temas merece o risco. “A Parada Gay não era bem aceita, mas sua replicação fez dela uma pauta social ao longo do tempo.”

O estudante discorda do argumento de que a marcha é feita para o povo e não com o povo. “Eu não concordo porque os manifestantes não são uma categoria à parte. Eles são parte da população, que vem de lugares distantes da cidade para pedir a redução da passagem. As manifestações sempre terminam maior do que começam, o que significa que as pessoas aderem a ela durante seu trajeto.”

O professor acredita que a Primavera Árabe e os recentes protestos na Turquia inspiram os jovens brasileiros, mas diz que as manifestações por aqui “ainda não questionam a estrutura de poder”. “O que a gente vê são protestos pelo direito de andar de bicicleta, ou contra a construção da usina Belo Monte, ou pela liberação da maconha. Essas passeatas são setoriais, não estão articulados entre elas.”

Coronado, do BaixoCentro, defende a necessidade de repensar as formas de chamar a atenção da opinião pública sem excluir as formas de protesto que já existem. “Parte da mídia alimenta a ideia conservadora de que o manifestante só aumenta a baderna. Contra isso, é preciso aprender a nos manifestar de outras formas também.”

 
Redação

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