Quem decidirá? O Golpe e a juventude popular nos próximos passos, por Mario Sergio Brum

Quem decidirá? O Golpe e a juventude popular nos próximos passos

por Mario Sergio Brum 

Nassif e demais companheiros/as

Apresento aqui algumas considerações, mais ideias soltas que uma hipótese acabada. Baseio no que olhei nas minhas pesquisas e na atuação como professor do ensino básico e universitário em favelas e periferias, tentando tatear um pouco sobre os próximos movimentos e desafios para retomarmos a construção de um país mais justo.

No meu ponto de vista, o jogo será decidido pelos segmentos sociais que mais se beneficiaram das políticas econômicas do PT nos últimos anos (e em menor medida, mas ainda importante, da estabilidade promovida no governo PSDB).

Seja ‘Classe C’, ou ‘nova classe média’, o nome importa menos aqui, trata-se do brasileiro que passou a ter acesso ao crédito, andar de avião, ter carro, acesso ao mercado imobiliário, ao maior grau de consumo.

Surpreende alguns que essa ‘ascensão’ não foi suficiente para garantir ao PT uma lealdade desses setores. Aqui podemos fazer uma primeira análise que foi o ‘deixa-que-eu-resolvo’ que foi a marca do lulismo, trocando o debate político e o envolvimento advindo desse debate, pela ilusão de que bastaria fazer a política pública que isso seria revertido magicamente em votos, sem nenhuma ‘organização’ que pudesse debater os rumos, os limites, os sucessos e os fracassos do modelo.

Dentro dessa crença, PT e aliados que tinham um histórico de militância e de uma presença mais ativa nos embates políticos se adequaram e se misturaram ao sistema político com todos os seus problemas, sem contar a á tão mostrada mistura entre governo, partido e empresas através da corrupção: doações para candidatos, alianças para garantir mais horário na propaganda eleitoral, pragmatismo para eleger ‘aliados’…difícil diferenciar o PT se ele era tão igual aos outros: um partido perfeitamente adequado ao sistema e protagonista desse.

No entanto, para além dos partidos e governos, a mobilidade econômica dos últimos anos não se reverteu automaticamente em mobilidade social. A despeito do maior consumo, moradores de favelas, periferias e bairros populares continuam a ser tratados muito aquém da cidadania possível no Brasil: negros e mulatos jovens, envolvidos ou não com o crime, continuam a ser alvo das políticas de segurança e servindo de aviso à população que, apesar do carro, da viagem e da internet em casa, pouco ou nada mudou na hierarquia da sociedade.

Mas esse ‘pouco’ abre um mundo de possibilidades: há quem tenha acreditado no discurso da inclusão, do ‘nunca antes na história desse país’, e que pega essa promessa que se choca com a realidade e transforme isso em cobrança.

Que se ponha fim nesse descompasso entre o maior consumo, e a promessa de ascensão, com a realidade da rígida hierarquia social brasileira, com posições estabelecidas que passam de pai para filho.

Justamente, dentro desse enorme e difuso segmento, os que viveram a experiência, ainda que mínima, de ‘inclusão’, são os que mais defendem o legado dos governos petistas ou apontam, com muita propriedade, as suas contradições.

Junho de 2013 foi um dos primeiros sinais dessa inconformidade entre o discurso e a prática. Os movimentos identitários de mulheres, negros, LGBTs têm sido um fortíssimo espaço de construção de uma contra-hegemonia inconformada com o espaço secularmente destinado a esses grupos: a cozinha, o elevador de serviço e o ‘armário’. Esmagadoramente compostos por jovens.

 As ocupações de escolas em São Paulo e no Rio são outro sinal dessas novas tendências. Ainda que surgidas sob ameaças de fechamento de escolas ou uma ‘crise’ mais geral da Educação pública, o que é novo é justamente o protagonismo desses jovens que, antes, com políticas ou ameaças tão ruins quanto às que os mobilizaram, isso não ocorreu.

Por fim, nas favelas e periferias surgem movimentos, muitos protagonizados por jovens e mulheres que questionam, nas mais diversas formas, seu status na sociedade. Não aceitam mais serem tratados como cidadãos de segunda classe. Não aceitam mais passivamente serem mortos.

Sem desprezar ou mesmo isolar as esferas econômica e política, a luta principal passa pela dimensão cultural, e dela decorre o resultado do que virá pela frente. Claro que o corte de direitos trabalhistas e o fim de políticas sociais são elementos econômicos e políticos, mas o que se fará diante disso se dá principalmente na esfera cultural.  Se será possível um governo, esse ou outro que pode vir pela frente, num golpe dentro do golpe, realizar um imenso retrocesso sem resistência, com base que cada um ‘saberá o seu lugar’

Outro elemento em jogo é são as Igrejas. Para muitos que desfrutaram das benesses, elas ocorreram por mérito próprio, e não fruto dos governos. Mais grave: para grande parte, elas vieram por mãos divinas. Literalmente.

Uma análise do Golpe de 2016 não pode ignorar o papel que segmentos religiosos conservadores têm desempenhado, principalmente os ligado à teologia da prosperidade.  E foram justamente essas igrejas que mais desgastaram os governos do PT a partir de um extremo conservadorismo de defesa dos ‘valores da família’.

A trinca boi-bala-Bílbia tem agido em perfeita sintonia nos últimos meses e será um dos atores fundamentais nos próximos meses, como forma de conter a insatisfação desses segmentos, ou direcioná-la para outros alvos que não os responsáveis diretamente pela piora na sua qualidade de vida.  

É justamente esse sentimento de que é preciso agir e tomar nas mãos, ainda difuso, ainda em disputa por projetos, que pode trazer importantes, e boas (não sou neutro) novidades. Para o bem e para o mal, esses segmentos não se enquadram nas tradicionais formas de organização da esquerda. Não serão delas que virá as ‘orientações’ de como agir e ‘o que fazer’.

Esse é o campo em disputa hoje, e de onde dependerá o futuro do país. Não há projeto viável que não passe por essa enorme fatia da população, que experimentou a ascensão econômica e que não irá aceitar perder o pouco conquistado. A não defesa do governo petista, em parte também pelo massacre midiático, não significa aceitar perder a pouca parte do bolo conquistada nos últimos anos.

O que esses segmentos farão ainda está indefinido. Como reagirão às ‘medidas impopulares’ do governo? O que farão quando, ao invés do discurso da inclusão se aproximar da prática, ocorrer exatamente o inverso?  A inclusão e a promoção de sua cidadania estiverem ficando mais distantes?

Nesse sentido, o governo golpista terá duas possibilidades pela frente: ou não conseguirá implementar o propósito para o qual assumiu o poder sem eleição, ou o fará à base de intensa repressão. Algo que pode assustar a classe média tradicional, ao ver bombas na Paulista ou caveirões em Laranjeiras, mas para muitos desses segmentos, nada mais é que a realidade cotidiana.

E, caso esses segmentos acabem por tomar em suas mãos seus destinos e lutarem por seus direitos, será aqui, talvez, a verdadeira e efetiva mudança que irá ocorrer nesses 500 anos de Brasil. Pela primeira vez, rompendo com uma permanência de nossa história , poderão mudar para que tudo mude de verdade, e não que permaneça como sempre.

Redação

6 Comentários

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  1. Concordo com o autor. Observo

    Concordo com o autor. Observo que o povão é surpreendente. A ditadura midiática e de algumas igrejas turvou a visão de muita gente, mas não conseguiu impedir a massa de pensar e chegar às próprias conclusões. É fato que muitos têm medo ou vergonha de se manifestarem publicamente. É imprevisível se a resposta popular ao que está acontecendo no Brasil vai ser a aceitação de mais um golpe, ou se os jovens que sofrem o drama de terem seus pais presos, vítimas do tráfico de drogas e da violência do Estado e do desemprego vão agarrar o touro a unha. 

  2. Ok, com a ressalva de que 

    Ok, com a ressalva de que  não foi só por ilusão de converter e arrebanhar politicamente as massas pobres que o lulismo franco e governos do PT se dedicaram a políticas públicas reparadoras. Nada é essencialmente sem interesses, claro, mas esse era um passo que urgia ser feito, quase um descarrego político, um grito de alerta contra a opressão social e política  excludente de anos.  Antes de organização, debate, acredito que essas políticas públicas equiparadoras foram o pão que não podia esperar.

    Parabéns, saudações

  3. Os jovens e a bucha de canhão!

    Juventude!!! A idade que minha energia era máxima e eu achava que viveria para sempre…Juventude é tudo, um mix de sentimentos bons e ruins, todos eles a flor da pele, época das melhores lembranças, dos melhores encontros, dos melhores amigos, do não compromisso…

    Querer que a juventude resolvam os problemas dos adultos e causados pelos velhacos é de uma covardia monumental. Ver a moça perder um olho e um jovem levar um tiro a queima roupa em uma manifestação que não tem a sua responsabilidade é de dar revolta. 

    Digo aos jovens, vão viver a vida, deixa o Brasil se fuder, vcs não elegeram esta corja de políticos que está aí!

    E o mais interessante é que quando vcs tiverem seus 40 anos, vão pensar igual e vão eleger os mesmos golpistas que os adultos elegeram.

  4. Excelente analise. É isso aí,

    Excelente analise. É isso aí, o côroa aqui está vendo a predominância de quase 90% de jovens nos Fora Temer. Por enquanto a grande maioria é classe média. Vamos ver daqui para frente

    1. Justo !!! Junho de 2013 foi

      Justo !!! Junho de 2013 foi quem nos meteu nesse buraco !!! Eles que nos tirem !!!

      Eles que vão se formar e ficar sem emprego… deviam ter pensado nisso quando promoveram a restauração conservadora no Brasil !!!

  5. Também acho. E mais, quando o

    Também acho. E mais, quando o povo perceber que foi enganado pela globo e por alguns ‘pastores’, aí sai de baixo. Se nós estamos indignados mesmo estando cientes que a situação poderia desembocar em golpe e perdas sociais. Imagina o classe C, o coxinha e muito gente pobre sentindo-se traído.

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