Espírito do Tempo: do Encontro dos Ignorantes ao Festival da Utopia

Por Franklin Jr

Se inicia hoje (22 de junho), na pequena grande Maricá-RJ, como um sopro de vida e de esperança, o precioso Festival Internacional da Utopia, em contraste a um cenário obscurantista que ameaça o presente e principalmente o futuro do país com o sórdido ataque a direitos duramente conquistados e a demolição impiedosa de políticas sociais emancipatórias implementadas na última década, como decorrência de um golpe de estado ancorado numa farsa criminosa de um impeachment sem crime de responsabilidade, que afronta a Constituição, sequestra a soberania popular e fere a nossa tenra democracia.

O momento-limite nos impõe um estado de perplexidade, mas não podemos arrefecer as trincheiras, perder o fio da meada, precisamos reinventar a luta por uma sociedade justa, democrática, amorosa, pacífica e sustentável. Também nos movem dialeticamente o inconformismo e o entusiasmo. Precisamos resistir, pois o espírito do tempo (Zeitgeist) não é este de ódio e obscurantismo, mas de coexistência, tolerância, pluralismo, sororidade/fraternidade e liberdade. É hora de colocar a nossa amorosidade à flor da pele, evocar a nossa inventividade e fecundar intersubjetividades.

Precisamos da sabedoria adquirida a partir da fluidez das águas, elemento cósmico que é essencial à vida, como nos versos do poema “Como um rio” do Thiago de Mello: “se tempo é de descer, reter o dom da força, sem deixar de seguir. E até mesmo sumir para, subterrâneo, aprender a voltar e cumprir, no seu curso, o ofício de amar. (…)Como um rio, que nasce de outros, sabe seguir junto com outros sendo e noutros se prolongando e construir o encontro com as águas grandes do oceano sem fim”.

Achei por oportuno recordar dos Encontros dos Ignorantes. No próximo dia 04 de julho completa 25 anos que foi realizado o I Encontro e escrita a Carta Magna dos Ignorantes, na Cidade da Paz, atual Universidade Internacional da Paz (UNIPAZ), em Brasília. O encontro foi então organizado por Bené Fonteles, Pierre Weil, TT Catalão, Rômulo Pintoandrade e Ary Pararraios.

A Carta Magna dos Ignorantes foi redigida pelo poeta TT Catalão (confira a original abaixo, publicada no Viva Alternativa, jornal boletim ecomilitante do Espaço Cultural Jegue Elétrico).

A seguir faço um relato do que foi o II Encontro dos Ignorantes, ocorrido no final da tarde de 05 de abril de 2014, também na UNIPAZ, em Brasília, reunindo ativistas dos movimentos cultural, social e ambiental, dentre outros. Foi, portanto, um encontro plural de singularidades em conexão, um ‘momento-sertão’, de saberes e quereres tateando a imensurável vastidão.

Mulheres e homens singulares, ainda que plurais, compartilhando incertezas e incompletudes. O formato circular, a roda de conversas, configurou ali uma comunidade dialógica e interpretativa, construindo aprendizados a partir dos olhares, da escuta, das falas, da relação.

Instigantes inquietações e significativas trocas intersubjetivas semearam ingredientes para o saboroso caldeirão imaginário, borbulhado de fluidos das águas emendadas do valoroso Cerradão.

O encontro proporcionou uma vivência intercultural, correspondendo ao que Boaventura de Sousa Santos descreve como “o exercício da percepção da incompletude intrínseca e da alteridade complementar”.

A socrática ignorância (do saber que nada se sabe) dá a medida da nossa incompletude. Ainda assim, há beleza em nossa existencial e humana condição de vulnerabilidade, falibilidade e finitude(?). Há até poesia…

Guimarães Rosa já versou que “duvidar serve pra gente ter mais certeza”. Do “Grande Sertão Veredas”, uma sabedoria elementar: “O senhor… mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam, verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra montão”.

Somos homens e mulheres excepcionalmente singulares, únicos, ainda que plurais. O que de mim que é apenas “eu” e o que de mim que é “nós”? Sou mais “nós” do que propriamente “eu”? Sou mais “eu” do que propriamente “nós”? Uma fatalidade é que estamos inextricavelmente entrelaçados, mas vale a sacada do poeta português Mário de Sá Carneiro: “eu não sou eu nem sou o outro, sou qualquer coisa de intermédio”.

Sensoriais, pensantes, não somos meramente espelhos, somos, talvez, um pouco além. Como versou Álvaro de Campos (heterônimo do Fernando Pessoa), “o espelho reflecte certo, não erra porque não pensa. Pensar é essencialmente errar”.

Próximos, ainda que distantes, distantes, porém próximos, o que fazer para ampliar e aprofundar momentos-sertões, desertões, como este?

Como perceber as escalas, concatenar as agendas e nutrir utopias (lembrando do Eduardo Galeano, que as utopias servem para “fazer caminhar”)?

Como superar a “normose”? Como transformar o eu e o mundo numa perspectiva libertária, justa, solidária, pacífica, democrática, participativa, emancipatória, sustentável, amorosa e de bem viver?

Como lidar com as contradições intrínsecas e extrínsecas? Aqui, oportunamente, recorro ao Leonardo Boff. Ele constata que o ser humano é simultaneamente ‘sapiens’ e ‘demens’, ou seja, estamos sujeitos a agir de maneira sábia, com inteligência, harmonia e solidariedade, mas também de maneira demente, excludente, criminosa. Ele aponta que “é a parte sã do ser humano, a parte luminosa, que tem que curar a parte demente. Se nós não alimentarmos essa dimensão luminosa na construção coletiva de uma sociabilidade, há o risco de que sejamos demasiadamente autodestrutivos”. Assim, Boff enfatiza que o mais importante “é desenvolvermos sabedoria, caso decidamos, politicamente, sobreviver. Porque a sobrevivência passa, hoje, por uma decisão política”.

Uma das tarefas prementes, que requerem uma ação política contra-hegemônica, é a luta pelo Marco Civil da Internet (com a neutralidade da rede) e a luta pela democratização da comunicação (nem uma vírgula a mais e nem uma vírgula a menos do que estabelece a Constituição), para que a liberdade de expressão extrapole a liberdade de imprensa, para que a opinião pública (e dos diversos públicos) fure o bloqueio da ‘opinião publicada’, da narrativa unilateral da grande mídia mercantil tradicional (saiba mais em: http://www.paraexpressaraliberdade.org.br/), para que todxs tenhamos voz (e vez).

Como prolongar, ressignificar e reverberar esses aprendizados na lida diuturna do ‘mundo cão’?

E, no horizonte de possibilidades, a teia da vida suscita percepções e os desafios da coexistência evocam conexões:

• perspectivas temporais: resgatar memórias, projetar futuros e vivenciar com inteireza o presente;

• perspectivas espaciais: universos interiores e exteriores; ecologias individuais e sociais; ação local, regional e global.

É fundamental buscarmos aquilo que também o Leonardo Boff chama de “coesão mínima e convergência necessária”.

Que aconteçam novos encontros e significativas trocas intersubjetivas (olhares, movimentos, gestos, palavras, silêncios, afeições) e, oxalá, sigamos como verdadeiras “metamorfoses ambulantes” (Raul Seixas), “errantes (porém) navegantes” (Caetano Veloso), apaixonados tripulantes da nave Terra.

Sigamos movidos pelo entusiasmo e pelo inconformismo, sobretudo, sigamos como versou Drummond, “de mãos dadas”: “Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”.

Por Franklin De Paula Júnior (originalmente escrito em 07/04/2014)

https://www.facebook.com/franklin.depaulajunior/posts/275002496010458

A CARTA MAGNA DOS IGNORANTES: http://falasaoacaso.blogspot.com.br/2015/07/tt-catalao-carta-magna-dos-ignorantes.html

Paz é movimento ‪#‎EncontroDosIgnorantes‬

PUTO – Partido das Utopias

Veja a COBERTURA FOTOGRÁFICA do II Encontro em: http://bit.ly/1mT5sS9

— com Marielle Ramires e Ruth Maria Scaff

MAIS NOTÍCIAS SOBRE O II ENCONTRO:

 

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=724458177577128&set=a.570711519618462.1073741828.529565637066384&type=1&theater

 

 

 

Redação

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