A conversa de Ney com a nova geração da música

Por IV Avatar do Rio OOOOOOooo

Ney Matogrosso e sua parceria com os músicos da nova geração

Leonardo Lichote – Extra – O Globo

RIO – No palco, Ney Matogrosso canta “Freguês da meia-noite”, de Criolo. A seu lado, o rapper, que o convidara para participar de seu show, dança e faz expressões como se assumisse o personagem da canção que retrata um universo bas-fond, underground. A certa altura, se volta para Ney e grita, cenicamente agressivo: “Sujo, cafajeste!”

— Ele recebe uma entidade no palco, era um personagem ali — conta Ney. — Mas aquilo me acendeu, eu gostei.

O diálogo íntimo e poderoso que se deu ali ilustra algo maior: a conversa de Ney com a nova geração da música brasileira (e seu público). Convidado para participações em shows de bandas como Zabomba e Tono, aclamado nas duas noites que fez no Circo Voador ao longo do último ano (ele nunca tinha apresentado um espetáculo seu ali), o cantor, que sempre se mostrou interessado na produção dos mais jovens (o rock brasileiro dos anos 1980, o mapeamento dos compositores da década de 1990 feito no disco “Olhos de farol”), vem sendo abraçado por eles de forma intensa, num interesse recíproco. Um momento que estará de alguma forma documentado no show e no CD que Ney lança em 2013, que terão no núcleo do repertório canções de artistas dessa geração.

— Todos que se aproximam têm em comum o fato de serem do pop, não da MPB — nota Ney. — Mas curiosamente comecei a sentir essa aproximação do público jovem com o show que fiz cantando Cartola (no início dos anos 2000).

No show (que inaugura, em janeiro, o Teatro Bradesco, na Barra) e no CD (a ser gravado em estúdio depois), Ney cantará músicas como “Freguês da meia-noite” (“Quero gravar com os xingamentos de Criolo”), “Não consigo”, do Tono, “Pronomes”, da banda Zabomba, e “Todo mundo o tempo todo”, de Dan Nakagawa. Dani Black, Maria Gadú e Vitor Pirralho também serão representados no repertório, que cruzará gerações trazendo obras de Chico Buarque, Arnaldo Antunes com Lenine, Urge (antiga banda de Pedro Luís) e Itamar Assumpção. O espetáculo e o disco ainda não têm nome.

— Montei o repertório muito a partir das participações, dos convites que recebi para os shows desses artistas. Estou pensando em começar o show mais rock e acabar mais pop.

Ele vê pontos de contato entre as canções dos jovens artistas escolhidas e seu repertório:

— “Não consigo”, por exemplo, tem um quê de bolero. É uma declaração de amor, dita da maneira deles. Não é Ângela Maria, é menos drama.

Ney mantém o radar atento. Descobriu o Tono na internet e o compositor Júnior Almeida, que gravou no CD “Beijo bandido”, após receber do próprio um disco ao fim de um show — atestado de curiosidade:

— Ele deu à minha canção uma sensualidade que se anunciava, mas que ainda não estava devidamente exposta — avalia Júnior, que acaba de lançar o CD “Memória da flor”, que tem a participação de Ney.

Os shows no Circo foram cruciais para que Ney mergulhasse nesse momento atual:

— Estranhei os decibéis, mas foi tudo muito bom — brinca. — O Circo me mostrou que não preciso temer nada, que o fato de ter a idade que tenho (71 anos) não me impede de estar ali. Porque não me sinto velho na cabeça, mas sou crítico. Me pergunto: “Você tá podendo? Vai segurar o tranco?” 

Sempre provocador

Os colegas mais novos garantem que sim.

— Ele é atemporal. Ney não se mede, se vive — diz Criolo.

Autor de “Não consigo”, Rafael Rocha fala da força da presença de Ney em cena, o que viu de perto quando o cantor participou do show do Tono:

— Antes de cantar, a bota de Ney já fazia vibrar o palco batendo no andamento da música. Quando ele soltou a voz, a plateia delirou ao ver aquela figura incrível cantando aquele bolero ácido — lembra. — Minha mãe ouvia vinis do Ney quando eu era criança. Inconscientemente devo ter feito essa música para ele.

Felippe Catto, cantor que tem em Ney uma forte referência, toca num aspecto central: sua combinação de ousadia e carisma.

— Não há ninguém na música brasileira que una tanta transgressão e ao mesmo tempo carinho do público. O Brasil ama o Ney, e ele continua sendo um artista que confronta o senso comum. Ter esse jogo de cintura não é pra qualquer um. Fazer velhinhos, intelectuais e crianças cantarem “O vira” enquanto se faz um discurso político-comportamental através de seu canto, seu corpo e sua imagem ainda é, e sempre será, provocador.

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador