A difícil arte de matar um leão por dia, por Carlos Motta

A difícil arte de matar um leão por dia

por Carlos Motta

“A não ser que você esteja nas ‘paradas do sucesso’, a vida do músico no Brasil é uma batalha diária. Precisamos matar um leão por dia.”

A afirmação é do compositor e guitarrista Mauro Albertt, um dos expoentes do jazz manouche, ou cigano, no Brasil, que exibe essa mesma garra e profissionalismo nos trabalhos que faz, tanto em palco como em estúdio.

Mauro foi um dos destaques do recém-concluído 5º Festival de Jazz Manouche de Piracicaba, evento que reuniu importantes artistas durante vários dias na cidade, considerada a capital nacional desse gênero musical, criado pelo guitarrista Django Reinhardt nos anos 30 do século passado.

Ele já gravou oito discos instrumentais e toca profissionalmente desde 1990. Mas foi a partir de 2009 que vem se dedicando à pesquisa e estudo da música e cultura ciganas.   

Foi pelos caminhos da música que Mauro conheceu Louis Plessier, guitarrista francês que por 40 anos conviveu com a família de Django Reinhardt. Os dois formaram um duo de violões o Drom Manouche, e juntos compuseram diversos temas, fundindo estilos e influências. Viajaram por cidades do país, difundindo o jazz manouche franco-brasileiro, e gravaram o CD “Droms Manouche”. Plessier, porém, veio a falecer em março de 2014.

Em novembro de 2013 uma das composições de Mauro Albert foi incluída no CD “Django Festival 7″ que conta com a presença de grandes nomes mundiais do Jazz Manouche, como Biréli Lagrène, Jimmy Rosemberg, Gonzalo Bergara, Florin Nicolescu e Antoine Boyer, entre outros. O disco foi lançado pelo selo Hot Club Records, a principal gravadora do gênero, com sede em Oslo, Noruega, que também foi responsável pela gravação de outros dois discos de Mauro, “Jazz Manouche Brasil” e “Droms Manouche”.

Em 2015 ele gravou, com o guitarrista italiano Dario Napoli o CD “Exchange Gypsy Jazz”, com composições dos dois e interpretações de temas de Django Reinhardt, Henri Mancini e Hermeto Pascoal. Nesse mesmo ano, a Sesc TV exibiu os programas Sesc Instrumental Brasil com o Mauro Albertt Quartet Droms Manouche, e Passagem de Som, no qual ele recorda a sua parceria com Louis Plessier.

A partir de dezembro de 2015 Mauro começou a colaborar com a edição brasileira da revista “Guitar Player”, com uma coluna exclusiva sobre o Gypsy Jazz, e em março de 2016 lançou o álbum “Optchá” , expressão cigana que significa “salve”, e que conta com a participação de Rafael Calegari (contrabaixo acústico), Fernando Caramori (violão rítmico) e Gabriel Vieira(violino).

Se o álbum com Dario Napoli, gravado ao vivo, mostra o todo o seu virtuosismo no palco, o último trabalho de Mauro Albertt exibe um compositor maduro, que transita com facilidade entre temas lentos e nostálgicos e outros com todo o frescor do jazz cigano, e um intérprete completamente à vontade para executar músicas que exigem um algo a mais de sentimento e técnica.

“Optchá” é um disco de um artista que não só descobriu o seu caminho, mas se sente inteiramente à vontade nele, como se observa em suas nove faixas, todas composição de Mauro, várias delas em homenagem ao amigo e mestre Louis Plessier.

Na entrevista abaixo, o guitarrista e compositor fala sobre seu trabalho, seus projetos e sobre a dificuldade de se fazer música, principalmente a instrumental, no Brasil:

É possível dizer que o jazz cigano está consolidado no Brasil?

Mauro Albertt – Com certeza, cada vez o interesse tem aumentado. Além do Festival de Jazz Manouche de Piracicaba, que realizou sua quinta edição este ano, outros festivais têm aderido ao estilo e estamos trabalhando mais em grandes eventos. Há dois anos tenho uma coluna dedicada ao estilo na revista “Guitar Player” e a cada mês recebo mais e-mails e contatos de pessoas interessadas em saber mais e também aprender a tocar.

Que similaridades/afinidades o jazz cigano tem com ritmos brasileiros?

Mauro – O choro tem muita influência da musica européia antiga em termos de harmonia e virtuosidade. O jazz cigano, com uma dose de bom gosto, pode se associar a outros ritmos brasileiros, como o samba e o baião – nosso amigo Bina Coquet é o especialista nessa área. Já eu gosto de associar o jazz cigano a ritmos sul-americanos, como o chamamé e tango.

Como é a vida de um músico instrumental no Brasil? É difícil, a música instrumental tem mercado ainda restrito ou ela vem crescendo? Onde você costuma se apresentar mais?

Mauro – A não ser que você esteja nas “paradas do sucesso”, a vida do músico no Brasil é uma batalha diária. Precisamos matar um leão por dia. Trabalho somente com a música instrumental e o jazz manouche e tenho me apresentado em festivais, bares, pubs e eventos privados, sem estrelismo ou frescura. O importante é levar a boa música a quem se interessa e também a quem precisa e nem sabe. 

Quais são seus próximos projetos?

Mauro – Recentemente fiz um tour de lançamento do álbum “Exchange Gypsy Jazz”, que gravei com o guitarrista italiano Dario Napoli. Um desses concertos de lançamento foi registrado e será lançado em CD e DVD até o fim deste ano. No próximo ano estamos programando um tour de lançamento desse CD/DVD pela América Latina, e quem sabe, Europa. Além disso, estou sempre compondo novos temas e quando dá aquele estalo entramos em estúdio e começamos a registrar um novo álbum. 

A internet veio para ajudar ou atrapalhar a carreira do músico?

Mauro – Creio que existam os dois lados da moeda. Pode ajudar muito na promoção, divulgação e contatos, mas ela também revela os falsos “bem sucedidos”, que forjam um status que não possuem e tentam pegar carona no caminho aberto por outros músicos. Assim como em outros estilos, o gypsy jazz tem uma comunidade mundial, na qual os músicos se conhecem e sabem quem é quem, e também comentam sobre esse tipo de atitude – mais cedo ou mais tarde a máscara cai…

 

 

Redação

2 Comentários

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  1. Nessa semana fui a 1 ótimo show de jazz por 10,00!

    Isso mesmo, 10 reais. Quatro instrumentistas e uma cantora ótima. A casa estava cheia, mas, mesmo assim, nao creio que coubesse mais de 80 ou no máximo 100 pessoas lá. Quanto cada músico deve ter ganho? 100, 150 reais? (Isso se a casa deu a eles todo o dinheiro relativo ao show, o que nem sempre acontece).

  2. Sucesso!

    Salve Mauro! Até que enfim surge por aqui um guitrrista da comunidade cigana com expressão. Todos os países tem mas aqui, apesar de grande esta comunidade, ainda não. Pelo menos conhecido. Aguardaremos o CD-DVD anunciado pois se Mauro segue os passos do grande Reinhardt é sucesso garantido.

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