Gratuidade das aves e dos lírios, por Manoel de Barros

Histórias da unha do dedão do pé do fim do mundo…

https://www.youtube.com/watch?v=SVKePeQ9OrI ]

Ele era um andarilho.
Ele tinha um olhar cheio de sol
de águas
de árvores
Ao passar pela Aldeia
Ele sempre me pareceu a liberdade em trapos.
O silêncio honrava a sua vida.

“Manoel de Barros tem em sua poesia a metafísica do gênio, do iluminado, daquele que conversa com os anjos, se é que não é um deles. Como Picasso, que pintou “uma vida inteira para aprender a pintar como criança”, como Rainer Maria Rilke, que descobriu que “não há maior sabedoria que ser um iniciante em tudo”, Manoel de Barros, como criança que pratica o “delírio do verbo”, diz: ‘eu escuto a cor dos passarinhos'” – IVO MÜLLER

                    tentara pegar na bunda do vento — mas o rabo
                    do vento escorregava muito e eu não consegui
                    pegar. Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso
                    carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos
                    deram gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado
                    e disse que eu tivera um vareio da imaginação.
                    Mas que esses vareios acabariam com os estudos.
                    E me mandou estudar em livros. Eu vim. E logo li
                    e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande
                    saber. Achei que os eruditos nas suas altas
                    abstrações se esqueciam das coisas simples da
                    terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo
                    — o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase:
                    A imaginação é mais importante do que o saber.
                    Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei
                    um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu
                    olho começou a ver de novo as pobres coisas do
                    chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E
                    meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam
                    o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no
                    corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas
                    podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as
                    próprias asas. E vi que o homem não tem soberania
                    nem pra ser um bentevi.

[video:https://www.youtube.com/watch?v=A-pzjYZIO6E

Manoel de Barros foi um dos nomes sugeridos pelo Brasil para o Prêmio Nobel de Literatura de 2013.

As canções celestiais dos vídeos “jnscam” foram criadas pelo genial Kitaro.

Redação

15 Comentários

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  1. bocó;;;;
    leso.
    memória.
    liso,

    bocó;;;;

    leso.

    memória.

    liso, leso e louco…

    a infancia….

    tudo entica… descobri érico veríssimo…açorianos…

    manoel de barros é o poeta da natureza  do  encantamento….

    vídeos muito bons….

     

     

    1. O olhar

      MANOEL DE BARROS

      Ele era um andarilho.

      Ele tinha um olhar cheio de sol

      de águas

      de árvores

      de aves.

      Ao passar pela Aldeia

      Ele sempre me pareceu a liberdade em trapos.

      O silêncio honrava a sua vida.

      1. Lagarta carneirinho ou piolho de preguiça

        Sou mais monturo para poesia.

        Monturo guarda no ventre a semente das árvores e das palavras.

        Guarda nossos resíduos, nossos mijos e ciscos de passarinhos.

        Gosto de ver as pequenas lagartas, estranhas como um etrusco, atravessando os monturos.

        Gosto de ver as formigas vesúvias correndo nos monturos. E de ver sobre elas as larvas túrgidas. Monturo é lugar de urubus.”

        Fotos tiradas por Altino Machado, no Acre. 

        https://twitter.com/altinomachado

  2. Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo

    …a poesia de Manoel da Barros tem algo de leve, algo de lírico… excepcional…

    “A poesia está guardada nas palavras – é tudo que 
    eu sei.
    Meu fado é o de não saber quase tudo.
    Sobre o nada eu tenho profundidades.
    Não tenho conexões com a realidade.
    Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
    Para mim poderoso é aquele que descobre as
    insignificâncias (do mundo e as nossas).
    Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
    Fiquei emocionado.
    Sou fraco para elogios.” 
    ― Manoel de BarrosTratado Geral Das Grandezas Do Ínfimo

    1. O mundo não foi feito em alfabeto

      Rogaciano era índio guató e me contou essa cosmologia.

      MANOEL DE BARROS

      O mundo não foi feito em alfabeto. Senão que primeiro 
      em água e luz. Depois árvore. Depois lagartixas. 
      Apareceu um homem na beira do rio. Apareceu uma ave
      na beira do rio. Apareceu a concha. E o mar estava 
      na concha. A pedra foi descoberta por um índio. O 
      índio fez fósforo da pedra e inventou o fogo pra 
      gente fazer bóia. Um menino escutava o verme de uma
      planta, que era pardo. Sonhava-se muito com pererecas 
      e com mulheres. As moscas davam flor em março. Depois 
      encontramos com a alma da chuva que vinha do lado 
      da Bolívia – e demos no pé. 
      (Rogaciano era índio guató e me contou essa cosmologia.)

  3. Caitlin Canty

                        “Aquele homem falava com as árvores e com as águas

                        ao jeito que namorasse.

                       Todos os dias

                        ele arrumava as tardes para os lírios dormirem.”

                        MANOEL DE BARROS

    [video:https://youtu.be/9q7xjhQDo1A width:600]

    1. os normais

      “As coisas não querem ser vistas por pessoas normais

      Elas querem ser vistas de azul

      Que nem um girassol que você olha de ave.”

      – Manoel de Barros

  4. Ué,

    o blog agora resolveu “descobrir ” Manoel de Barros! Lembro-me que, quando do passamento do poeta, no final de 2014, foi ele, aqui mesmo, neste espaço, motivo de ironias! Teve até alguém que disse que “não sei quem”, do “primário”, tinha mais talento (“poetava” melhor que ele)!

    1. Cutiaram

      “Porque estudara antes sobre os fósseis lingüísticos

      e nesses estudos encontrou muitas vezes caracóis

      vegetados em pedras.

      Era muito encontrável isso naquele tempo.

      Ate pedra criava rabo!”

      – MANOEL DE BARROS

      1. E cataram! E contiuaram catando… E “O Catador”!

        Um homem catava pregos no chão.

        Sempre os encontrava deitados de comprido, ou de lado, ou de joelhos no chão.

        Nunca de ponta.

        Assim eles não furam mais – o homem pensava.

        Eles não exercem mais a função de pregar.

        São patrimônios inúteis da humanidade.

        Ganharam o privilégio do abandono.

        O homem passava o dia inteiro nessa função de catar pregos enferrujados.

        Acho que essa tarefa lhe dava algum estado.

        Estado de pessoas que se enfeitam a trapos.

        Catar coisas inúteis garante a soberania do Ser.

         

    2. Anarquista, hoje “sério”! E, tambem, para André Araújo!

      Na época, até dediquei uma poesia para o Anarca, hoje sério!

      Agora, por tabela, vai, também, para André Araujo!

      A Namorada

      Havia um muro alto entre nossas casas.
      Difícil de mandar recado para ela.
      Não havia e-mail.
      O pai era uma onça.
      A gente amarrava o bilhete numa pedra presa por
      um cordão
      E pinchava a pedra no quintal da casa dela.
      Se a namorada respondesse pela mesma pedra
      Era uma glória!
      Mas por vezes o bilhete enganchava nos galhos da goiabeira
      E então era agonia.
      No tempo do onça era assim.

       

  5. jns, um artista de verdade!

    Muito bom de ver aqui esta bela homenagem ao nosso magnífico Manoel de Barros, produzida por jns!

    Belas imagens, belos textos!

     

     

    1. desobjetos

       

      … alicate cremoso , abridor de amanhecer , fivela de prender silêncios , prego que farfalha , parafuso de veludo…

       

      “Ao nascer eu não estava acordado,
      de forma que não vi a hora.

      Isso faz tempo.

      Foi na beira de um rio.

      Depois, eu já morri 14 vezes.

      Só falta a última.

      Escrevi 14 livros.

      E deles estou livrado.

      São todos repetições do primeiro.

      (Posso fingir de outros,
      mas não posso fugir de mim.)

      Já plantei dezoito árvores,
      mas pode que só quatro.

      Em pensamento e palavras namorei noventa moças, mas pode que nove.

      Produzi desobjetos, 35,
      mas pode que onze.

      Cito os mais bolinados: um alicate cremoso, um abridor de amanhecer,
      uma fivela de prender silêncios, um prego que farfalha, um parafuso de veludo etc. etc.

      Tenho uma confissão: noventa por cento do que escrevo é invenção,
      só dez por cento é mentira.

      Quero morrer no barranco de um rio:
      sem moscas na boca descampada!”

      MANOEL DE BARROS , Autorretrato

      ARTE:

      Barret Biggers

      Stefan Ambs

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