A morte de Cauby Peixoto, o rei da voz

Nos anos 50, Cauby Peixoto era desses cantores que, nas suas apresentações, tinham as roupas rasgadas pelas fãs.

Lembro-me de uma ida sua a Poços de Caldas. Ele foi de avião, que desembarcou no campo de aviação local. Nem bem sei a propósito de quê foi recepcionado por casais da sociedade, entre os quais meu pai e minha mãe Tereza – uma gozadora incorrigível, especialmente quando confrontada com salamaleques sociais.

Cauby desceu do avião, cumprimentou um por um os homens e respeitosamente beijou as mãos das mulheres. Beijou a de minha mãe e já ia indo embora quando ela comentou:

– Vou ficar uma semana sem lavar a mãos.

Ele se voltou, vaidoso, para encontrar o sorriso sarrista de dona Tereza e o riso contido das testemunhas.

Sua apresentação foi um sucesso amplo, como eram todas as apresentações por todo o país.

Fora o marketing trabalhado, Cauby foi um cantor maior. Diria que, depois de Orlando Silva, foi o maior daquele geração de cantor-que-solta-a-voz, superada posteriormente pela linha mais intimista e com menos recurso da entonação, de João Gilberto e Roberto Carlos.

A voz era portentosa, absolutamente original. As interpretações, magistrais. A partir dos anos 90, as interpretações tornaram-se gradativamente caricatas, com Cauby abusando dos dós-de-peito. Tornou-se uma caricatura de si mesmo, mas sem perder a majestade.

Seus últimos shows, no Bar Brahma, foram inesquecíveis. Ele chegava quase que carregado ao palco, com dificuldade de andar. Mas dava conta do recado sabendo driblar, com uma técnica maior, a redução progressiva do fôlego. Mas as canções terminavam sempre para cima, no melhor estilo Broadway.

Seu maior sucesso – Conceição – o acompanharia para o resto da vida.

Aliás, em uma das festas dadas por Ruth Escobar em sua casa, Cauby foi apresentado ao sóbrio presidente da Fiat, Silvano Valentino, e sua esposa.

Há pouco chegados da Itália, o casal demonstrou não conhecer Cauby. A esposa perguntou algo sobre sua profissão. E Cauby sacou logo seu cartão de visitas.

– Con-cei-çãaaaao….

 

Luis Nassif

16 Comentários

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  1. Nassif, acho que você

    Nassif, acho que você esqueceu de Nelson Gonçalves, que também era um vozerão maravilhoso. 

    Caubi e Nelson disputaram por muitos anos os palcos das cidades brasileiras. Era pequena quano os via na minha pequena cidade. Muita gente preferia um a outro, o que dava a perceber a disputa. 

    De qualquer maneira, Caubi foi tudo isso, e morreu quando ainda fazia show ao lado de Ângela Maria. Claro que nenhu dos dois podia mais exibir a mesma voz de antigamente. Mas a dele, diferente da de Ângela, foi muito menos alterada com a idade. 

    Paz, muita paz, para o esírito de Caubi, que está no céu, ao lado de Deus e dos anjos.

    1. Cauby, Orlando Silva, Chico

      Cauby, Orlando Silva, Chico Viola e outros estarão sempre em nossa memória musical. A esta altura a disputa entre eles nao faz mais sentido. Vamos velar Cauby.

      1. Meu Deus!

        Que coisa tacanha!

        Parece que ainda estamos na era do rádio!

        Não se trata de “disputa”. Se trata de deferência histórica. De uma marca que está lá e serve como marco cultural de referência.

        Chico Alves é o “Rei da Voz” assim como a Emilinha Borba é a “Eterna Preferida da Marinha”. Se aparecer alguma outra querendo ostentar esse título, aqueles que prezam a história se verão na obrigação de fazer a advertência de que esse lugar, no imaginário popular, já está ocupado.

    2. Que conversa mais estranha

      Que conversa mais estranha essa de  nomear reis nas artes.

      Não existe isso entre os artistas, “o maior”, “o rei”.

      Existem os genios, aqueles com talentos inegaveis, como Cauby, Nelson Gonçalves,Francisco Alves, João Gilberto, Angela Maria, Elis Regina, Elizeth Cardoso e outros.

    3. Que bobagem esse tipo de

      Que bobagem esse tipo de discussão. Bobagem monarquista e bobagem olímpica.

      Rei da voz ou de qualquer coisa remete a monarquia. Estamos numa república, sob golpe sim, mas ainda república.

      E em música não tem esse de o melhor, o craque, o campeão. Música não é espeorte olímpico.

  2. Bastidores

    Ele pediu para ser recordado por esta canção, composta especialmente para ele por Chico Buarque.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=CCADwPoItQI%5D

    Bis

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=sdXTdmqGKSQ%5D

    Chorei, chorei
    Até ficar com dó de mim
    E me tranquei no camarim
    Tomei um calmante, um excitante
    E um bocado de gim

    Amaldiçoei
    O dia em que te conheci
    Com muitos brilhos me vesti
    Depois me pintei, me pintei
    Me pintei, me pintei

    Cantei, cantei
    Como é cruel cantar assim
    E num instante de ilusão
    Te vi pelo salão
    A caçoar de mim

    Não me troquei
    Voltei correndo ao nosso lar
    Voltei pra me certificar
    Que tu nunca mais vais voltar
    Vais voltar, vais voltar

    Cantei, cantei
    Nem sei como eu cantava assim
    Só sei que todo o cabaré
    Me aplaudiu de pé
    Quando cheguei ao fim

    Mas não bisei
    Voltei correndo ao nosso lar
    Voltei pra me certificar
    Que nunca mais vais voltar
    Vais voltar, vais voltar

    Cantei, cantei
    Jamais cantei tão lindo assim
    E os homens lá pedindo bis
    Bêbados e febris
    A se rasgar por mim

    Chorei, chorei
    Até ficar com dó de mim

  3. Cauby: pioneiro do rock brasileiro

    Cauby sempre foi um crooner, cantor da noite, surfando em muitas ondas musicais. Foi o primeiro gravar rock brasileiro: “Rock’n’roll em Copacabana” (de Miguel Gustavo), em 1957. No fim desse ano gravou “Enrolando o rock” (de Betinho e Heitor Carrillo ). De quebra, segue um clipe do filme Minha sogra é da polícia, de Aloísio Carvalho, de 1958, em que canta “Let’s Rock”, com uma banda formada pelos garotos Roberto e Erasmo Carlos, e Carlos Imperial.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=S3lW6KQAcOg%5D

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=vK-PBu2z6Fw%5D

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=zw3gQx2ZWuI%5D

     

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