A música popular brasileira é a metáfora da resistência, por Gustavo Conde

A música popular brasileira é a metáfora da resistência

por Gustavo Conde

A resistência democrática recolocou em cena um dos nossos maiores patrimônios: a música popular brasileira. Ao ouvir o cancioneiro dos anos 60, 70 e 80, temos a impressão de que esse conjunto monumental de canções e compositores fizeram um investimento político-estético sem precedentes para o futuro.

A música brasileira antecipou esse golpe violento e produziu uma resposta antecipada às suas brutalidades, arbítrios, oportunismos e artifícios variados para gerar imobilismos e retrocessos na cena social. Cada canção desta época, política ou não, é uma senha para se combater a paralisia política que tomou conta do país.

É muito curioso, porque o golpe de 2018 tornou a música popular brasileira dos anos de chumbo ainda mais forte e mais contundente, plena de sentidos de resistência e com um manancial infinito de estratégias e mobilizações catárticas através do mais humano dos nossos produtos simbólicos: a dicção da arte.

A música, no entanto, tem ainda um componente mais invasivo que a pintura, que a literatura ou mesmo que o teatro. A música instala “ritmo” no tecido social. Ela produz acelerações da ação, projeta sensações, associa a força da palavra fugaz à permanência durativa das melodias e funda um nascedouro infinito e subversivo de sentidos políticos e identitários impossíveis de serem sabotados pelo poder opressor senão pelas vias da censura.

Chama a atenção a conjunção histórica que se promoveu no Brasil no que diz respeito à canção popular. O país, naturalmente, tinha a verve e a profusão infinita de talentos e ancestralidades culturais para produzir a arte musical mais complexa e sofisticada do mundo.

Assim o fez, com todo o cancioneiro dos anos 20 e sua respectiva sequência natural que gestou, dentre outras coisas, o samba, a bossa nova e todo substrato sonoro que viabilizou os desdobramentos de gênero e estilo dos anos 50, dotando as técnicas de composição com um poder descomunal de desafiar todo e qualquer gênero musical do planeta.

A antropofagia conceitual que foi evocada quase que espontaneamente por um Oswald de Andrade, guiado pela ancestralidade europeia que se diluía fortemente mesclada às influências negras e indígenas, realmente exerceu um papel poderosíssimo na apropriação cultural brasileira do mundo global do faber artístico.

Nisso, o Brasil também foi e é singular: pode não parecer – e quando pensamos na nossa elite escravocrata, realmente não parece – mas nós temos a tendência de sermos grandes, ousados, ambiciosos. A arte brasileira carimba essa marca diante de um mundo bastante bem comportando se comparado às nossas ousadias.

Quem faria o que um modesto baiano fez com o jazz? João Gilberto simplesmente se apropriou e re-significou o jazz, a música popular americana, ao idealizar a bossa nova, trazendo para o samba a complexidade harmônica daquele gênero. Nenhum país do mundo ousou fazer isso de maneira tão espontânea.

Mais do que se apropriar, o Brasil e sua profusão de compositores altamente técnicos e dotados de raro talento de elaboração, sofisticou ainda mais o jazz, com a verve avassaladora de Tom Jobim e as derivações harmônicas de Edu Lobo e dos mineiros do Clube da Esquina.

O mundo reverencia nossa música com uma intensidade pouco conhecida aqui em solo nacional. Jazzistas consagrados, quando falam de música brasileira, prendem a respiração. Eles sabem o tipo de fenômeno estético que se desenrolou por aqui – e sabem ouvir a nossa produção musical como poucos brasileiros são capazes de ouvir.

Há de se dizer também que o Brasil teve uma indústria fonográfica importante, que deixou a sua marca e que contribuiu para a consolidação da nossa identidade musical.

O Brasil foi um dos poucos países do mundo que não foi tomado pela música americana de maneira arrasadora com a expansão e popularização do cinema de Hollywood. O Brasil absorveu a influência do cancioneiro americano, mas também resistiu a ela, fazendo frente nas execuções em rádio e estabelecendo uma identidade poderosa nos anos 40 e 50.

Os americanos não se lançaram a boicotar essa nossa tendência a grandiosidade e à autoestima musical. Por sorte – ou por outras razões – no terreno na canção, o Brasil jamais foi subserviente ou secundário. Ele influenciou o mundo e se impôs de maneira irresistível a arrebatadora.

Gilberto Gil é um desses produtos da imensidão estética de nossa cultura de música popular. É um compositor virtuoso que lida com letra e melodia de maneira muito peculiar e filosófica. É um agente político full time, um agregador, um catalisador, um irradiador de resistência humana, de combate ao preconceito, de produção de desdobramentos subjetivos, de ousadias estéticas, de diálogos múltiplos com toda a cultura mundial, do cinema à pintura, das tecnologias ao experimentalismo, do romance e da tradição às eletrificações sonoras, plenas de sentido e consequência.

Gil tem uma biografia igualmente poderosa. De Salvador, dos festivais da canção, da resistência, das metáforas, do exílio, da parceria com outro gigante chamado Caetano Veloso, do retorno ao país, da insistência na democracia, da atenção à cena pop internacional, a antropofagização de toda essa cena, do equilíbrio entre a mais profunda tradição (o baião, o xaxado, o samba, a bossa) e a mais contemporânea das linguagens (o reggae, o funk, o ska, o rock). Gil é continente, outro nessa imensa Pangea que é a música popular brasileira.

O compositor baiano ainda usufrui de uma especial virtuosidade com a palavra. Não bastasse a densidade conceitual que sua ancestralidade negra impõe à música que faz, seu manejo linguístico é de intimidar os maiores letristas-ourives da cena mundial. Vejamos uma canção seminal, de 1982, Metáfora:

Uma lata existe para conter algo

Mas quando o poeta diz: “Lata”

Pode estar querendo dizer o incontível

Aqui o enunciador cancional estabelece uma das cenas mais delicadas que a semiótica da canção pode rastrear. Liga a palavra à coisa para iniciar um percurso narrativo rumo ao tecido caudaloso da linguagem humana.

A “lata” é um objeto que tem sua função social, mas é também uma palavra para o gesto simbólico do poeta – que é o próprio Gil e seu desdobramento cancional. O Gil compositor cinde as duas dimensões de “lata” e dá início a uma busca não passional, do ponto de vista clássico, mas uma busca estética, levemente agônica e filosófica, que visa o re-encontro entre a palavra e a coisa, com todos os seus corolários e subjacências.

O poeta, portanto, de posse de seu uso consagrado da linguagem que lhe pertence e que lhe identifica como ser simbólico, pode se apropriar da palavra “lata”, de seu som, de sua duração, de sua sincronicidade, na busca pela significação de seu exato contrário: o incontível. É um cifra muito poderosa e sofisticada de construção de sentido cancional.

Ela introduz um conjunto de desdobramentos ainda mais complexos que vão conduzir o ouvinte, co-enunciador da canção, aos limites do que pode produzir a nossa máquina simbólica de recortes de sentido. Gil é também uma espécie de linguista, de semioticista, que teoriza sobre sua condição de criador. O trecho seguinte faz a derivação rumo ao infinito tímico e cíclico, característico da canção popular:

Uma meta existe para ser um alvo

Mas quando o poeta diz: “Meta”

Pode estar querendo dizer o inatingível

Aqui, Gil evoca a palavra “meta”, como porção cirúrgica de metáfora, mas apartada de sua significação etimológica. “Meta” é o que é, do ponto de vista social-coletivo do português brasileiro: um alvo, um objetivo. No gesto poético, no entanto, ela não precisa ser aquilo que aparentemente é.

É interessante fazermos uma breve analogia histórica e linguística. Gil poderia muito bem responder com esta canção aos detratores de Dilma Rousseff, quando esta proferiu a célebre frase da “meta”. Ela dizia: “quando a gente cumprir a meta, a gente vai dobrar a meta”. Um enunciado muito simples de codificar, quase básico. As “metas” de Dilma não se equivalem ao longo da frase.

Uma é uma “meta” anterior, outra é “posterior”. São distantes no tempo. Quem se aventurou a fazer a equivalência entre as “metas” de Dilma, numa operação claramente de má vontade e fraudulenta – para não dizer, doentia ou precária – deparou-se com a própria limitação técnica diante de enunciados básicos do português.

Isso mostra que a linguagem poética não pertence exclusivamente ao poeta profissional, mas pertence a todo o tecido social. A poesia está presente no mecanismo metafórico que é o que alimenta a linguagem humana desde sempre. A frase da ex-presidente Dilma é absolutamente correta e plena de sentido e, mais que isso, delicadamente poética e sofisticada. Não se pode interpretá-la com um instrumental rudimentar, como a própria Dilma, profunda conhecedora de literatura e música, costumava dizer a seus assessores mais afoitos.

Feito o parêntese, voltemos à “Metáfora”:

Por isso, não se meta

a exigir do poeta

Que determine

o conteúdo em sua lata

Na lata do poeta tudo nada cabe

Pois ao poeta cabe fazer

Com que na lata venha caber

O incabível

Como um recado de antecipação aos limitados leitores que não compreenderam a “meta” de Dilma, o eu cancional adverte: não se meta a exigir que o conteúdo da lata seja pré determinado. Isso é um tratado de interpretação de texto. Não se pode limitar o discurso do outro às suas próprias fobias e paranoias. Para que o espetáculo da linguagem aconteça é preciso que haja cooperação – isso está em Paul Grice, um filósofo da linguagem britânico que formulou as leis de cooperação do discurso que, por sua vez, fundou a teoria pragmática dos estudos da linguagem.

Gil arremata sua navegação simbólica-passional com uma sutileza: ele perfaz o seguinte verso “pois ao poeta cabe fazer”, trazendo o verbo caber para sua acepção performativa e auxiliar – e, consequentemente, metafórica. “Ao poeta cabe”. O conteúdo da lata também é um conteúdo espiritual-simbólico. E a “lata” do poeta é o seu próprio corpo.

Essas conexões e dispersões de sentido tecem uma malha cancional, atrelada à sua extensão melódica, com extrema coesão e unidade. O ouvinte da canção é levado a re-costurar todo o caminho feito pelo compositor e extrai dessa re-costura sua fruição estética, plena de passionalidade.

Isso também é resistência democrática. Isso também é profundamente político. Isso também é estar atento ao sentido social da coletividade. Porque a linguagem é feita de história e subjetividades, de singularidades e pactuações de sentido. Essa tarefa de colocar em uma canção uma senha para que se construa e se perfaça uma interpretação consistente e dentro de uma concepção humanista e gregária, é uma tarefa  de alto teor político.

Em “Metáfora”, Gilberto Gil nos concede uma experiência cancional de profunda passionalidade (pois o eu cancional está dividido entre o uso da palavra e sua significação social, bem como da explicação dessa cisão), de profunda beleza (uma melodia sem refrão que acelera seus sentidos de maneira contínua e uniforme, fragmentando-se na pronúncia compassada da palavra “metáfora” que lhe serve de fio narrativo temático) e de profundo sentido político (a necessidade de se escutar o outro e de ser cooperativo com suas proposições simbólicas).

Há ainda um detalhe muito significativo. A nota inicial de Metáfora é um Lá com sétima maior, somado a uma quinta aumentada [A7M(5+)]. Isso dá uma sensação auditiva de incompletude. É uma nota de transição, rarissimamente usada para iniciar um movimento harmônico.

O compositor russo Igor Stravinsky faz isso na “Sagração da Primavera” de 1913. Sua frase melódica inicial é uma frase incompleta, perturbadora, que coloca o fagotista (que abre sozinho o movimento inicial) numa posição desconfortante (pois a nota é também muito aguda para uma fagote).

Gil, portanto, tem um domínio conceitual do conjunto letra / melodia muito preciso e se utiliza desse virtuosismo quase filosófico como um desdobramento de sua própria linguagem de cancioneiro popular.

A nota incompleta marca a incompletude da própria linguagem, o sentido que fala à palavra “lata” quando enunciada por um poeta. A metáfora é o elo de ligação que vai restituir esse sentido como a nota seguinte fará: um Lá com sexta [A6], uma nota mais “solar” e mais “agradável” ao ouvido humano, uma nota de “resolução”.

Gil, portanto, é extremamente popular, mas tem profundo domínio intuitivo das técnicas compositoras. Ele representa a mais delicada matriz de composição cancional associada à sua humanidade enquanto agente político investido de gesto revolucionário e poético. Gil é patrimônio brasileiro. 

 

Redação

5 Comentários

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  1. Crônica poética, musical, lingüística, sócio-histórico-política

    Como de hábito, Gustavo Conde consegue escrever bela crônica, reunindo poesia, música, sociologia, história e política. Poucos conseguem fazer isso de modo competente e com a leveza que observamos nos textos de Conde.

    Mesmo que pareça um pouco maluco nas entrevistas e declarações públicas  – o que, certamente, inspirou Chico Anysio a criar o inesquecível personagem Alberto Roberto – Gilberto Gil é um gênio criativo muito além do tempo que vive. Quem mais seria capaz de narrar e cantar uma tragédia como ele fez na canção “Domingo no Parque”, com os arranjos únicos, e até hoje inovadores, de Rogério Duprat? E a letra e melodia da canção “Super-homem”, criadas por Gil numa época em o Brasil machista, sob uma ditadura militar-empresarial, sequer discutia as questões de gênero e igualdade de direitos e oportunidades para homens e mulheres?

    Antenado com o futuro, foi Gilberto Gil quem compôs uma canção definitiva sobre a era digital. A internet era embrionária no Brasil, quando Gil compôs os versos da canção “Pela internet”; segue abaixo uma amostras desses versos

    “Eu quero entrar na rede

    Promover um debateJuntar via InternetUm grupo de tietes de Connecticut Eu quero entrar na redePromover um debateJuntar via InternetUm grupo de tietes de Connecticut De Connecticut de acessarO chefe da Mac Milícia de MilãoUm hacker mafioso acaba de soltarUm vírus para atacar os programas no Japão Eu quero entrar na rede para contactarOs lares do Nepal, os bares do GabãoQue o chefe da polícia carioca avisa pelo celularQue lá na praça Onze

    Tem um videopôquer para se jogar”

    Marcos Vale, outro músico e compositor brasieliro, talentoso e conteporâneo de Gil, bem que tentou. Mas Gilberto Gil já havia feito letra e música que se mostraram definitivas, acerca da internet e da ‘revolução digital’.

    Não é preciso ser fã de Gilberto Gil para reconhecer e admirar o talento criativo dele.

  2. Help Tinhorão!

    O texto tem virtudes.

    Poucas é verdade, mas tem.

    Sim, a produção cultural, nesse caso a música chamada de “popular brasileira” (argh, rótulos deveriam ser apenas para sabão em pó), tem correlação direta com o momento histórico, e claro, como instrumentos de classe e da hierarquia de gostos (e de classes) servem a luta política.

    O primeiro sintoma disso é a tentativa da arte musical tentar se afastar de qualquer responsabilidade política, argumentando que seu filtro nunca seria ideológico, mas apenas a “espontaneidade” e sensibilidade do artista.

    Mais ou menos o papo furado usado pelo Padilha, nossa versão de Leni Riefenstahl (vai para casa Padilha).

    Raros são os artistas que se apropriam de sua arte para fazer delas instrumento de suas concepções políticas, quaisquer que sejam elas, à direita ou à esquerda.

    Mais raros ainda são os que mantêm coerência entre prática e discurso (arte), como é o caso do cretino do Falcão, líder da banda chamada O Rappa, por exemplo, dentre tantos outros. Uma espécie de Pai Tomás com “dredlocks” e com cannabis no cachimbo.

    Essas raridades ficam confinadas em cantinhos estratégicos, ora cultuados e segregados em nichos pequenos e inofensivos, ora jogados de lado mesmo, até que tenham alguma utilidade comercial ou morram de fome!

    Sim, e nesse sentido, dói ler de novo às odes a Bosta Nova.

    Nada reifica mais a classe mérdia que a bosta nova.

    Se os antropologistas culturais buscam uma identidade musical no samba como nosso correlato ao blues, como música-lamento dos negros escravizados e depois segregados, é possível dizer que a bosta nova é a nossa “invenção” média, música de apartamento para ninar aquilo que na época nem sabíamos o nome, mas hoje sabemos:

    Coxinhas.

    Se a diluição de nossos conflitos de classes e nossa dívida histórica com os negros tem um hino, ele deverá ser tocado por Tom Jobim, o babaca do João Gilberto.

    Novamente, espaço para algumas raríssimas exceções.

    E aqui a manifestação ufanista, que bem poderia ser entoada com uma camisa da CBF como figurino:

    “(…)Os americanos não se lançaram a boicotar essa nossa tendência a grandiosidade e à autoestima musical. Por sorte – ou por outras razões – no terreno na canção, o Brasil jamais foi subserviente ou secundário. Ele influenciou o mundo e se impôs de maneira irresistível a arrebatadora.(…)”

    Piada.

    É vergonhosa a imagem de Tom Jobim, o “maestro da bosta nova”, de violão em punho, junto a Sinatra (ao piano) porque a gravadora impôs aquele instrumento para colar no “maestro” a imagem de “latin lover”, apropriada aos esterótipos de marketing em vigor na época (e até hoje, diga-se).

    Ou seja: Somos macacos que aprendem a tocar algo!

     

    Outro trecho engraçado:

    “(…)Gilberto Gil é um desses produtos da imensidão estética de nossa cultura de música popular. É um compositor virtuoso que lida com letra e melodia de maneira muito peculiar e filosófica. É um agente político full time, um agregador, um catalisador, um irradiador de resistência humana,(…)”

    Outra piada.

    Gil é um bom compositor, mas um típico classe mérdia que oscilou entre todas as vertentes do baianismo político (desde ACM até facções mais “modernas”), culminando com uma passagem pelo lulismo que até hoje não ficou bem explicada.

    É o nosso “radical de arrumação!” Um “jeitinho radical e colorido”.

    Um “venha cá meu rei”. Um dengo no opressor.

    Como expoente da rebeldia tropicanalha, uma espécie de macunainismo tardio e demodé, associado a crítica de costumes, mas de caráter político limitado, Gil surfou a onda da reciclagem que o mainstream das gravadoras dos EUA fizeram aqui com a estética hippie, como em todas as outras manifestaões sócio-econòmicas instaladas nas filiais periféricas do capital.

    Do lado dele, quem sabe Rita Lee, a rainha do rock, que até hoje não voltou da “viagem” dos Mutantes, e vocifera seu conservadorismo com notas de ressentimento.

     

     

    1. Menos ressentimento faz bem à crítica

      Nunca vi nenhum admirador da Bossa Nova negar que o gênero foi influenciado e/ou influenciou o jazz e blues estadunidenses. Também nunca vi nenhum músico ou compositor da Bossa Nova negar essas influências. Os estadunidenses admiram a Bossa Nova e sempre admitiram a mútua influência entre esse samba-jazz-blues, característico da classe média da Zona Sul Carioca (mas difundido noutras praças brasileiras) e o jazz e blues estadunidenses. Qualquer um de nós pode gostar ou não da Bossa Nova e de seus compositores. O que não considero sensato e honesto é desprezar as qualidades desse gênero e a criatividade dos compositores.

      José Ramos Tinhorão foi/é jornalista, estudioso e conhecedor da música brasileira. Se a Bossa Nova fosse tão ruim ou totalmente alienígena como ele faz parecer nos textos polêmicos que publica há quase 50 anos, ele não perderia tempo estudando e escrevendo sobre ela. Aliás, José Ramos Tinhorão é famoso e conhecido exatamente porque escreve sobre a Bossa Nova, mesmo que para criticá-la (e aos compositores dela) de forma impiedosa. O que seria de Tinhorão sem a Bossa Nova? Arrisco dizer que inexpresivo como os colunistas de jornais, revistas, rádio e televisão cuja única obsessão é achincalhar o Ex-Presiente Lula, o  PT, os líderes petistas e a Esquerda Política Brasileira organizada e com viabilidade eleitoral. O que seria de Diogo Mainardi, Míriam Leitão, Carlos Sardembergh, José Nêumane Pinto, Merval Pereira e similares sem ter o PT, Lula, e a Esquerda para malhar? Sem a Bossa Nova para ser o objeto de sua crítica rancorosa, José Ramos Tinhorão seria um apagado jornalista e crítico musical, com poucos leitores e admiradores e seus livros venderiam pouco ou ficaraim encalhados em livrarias e sebos.

      Por fim devo dizer que não pertenço à chamada classe média e sobre ela tenho opinião semelhante à da filósofa Marilena Chauí e à do sociólogo Jessé Souza. Mas isso não me impede de reconhecer a Bossa Nova é um gênero musical brasileiro (mesmo que influenciado por gênreos estadunidenses) que teve (e tem) grandes compositores e intérpretes e cuja qualidade é reconhecida pelos que fazem e apreciam música. Negar a qualidade da Bossa Nova pelo fato dela ter origem na classe média da ZS carioca (muito influenciada pela música e cultura estadunidenses) é o mesmo que negar o talento de Richard Wagner e a qualidade de suas óperas e obras sinfônicas pelo fato dele se mostrar simpático ao nazismo.

      1. Gosto e c*, cada qual com o seu.

        Caro amigo,

        Em não discuto “qualidade” de gênero musical.

        “Qualidade” é uma definição pautada pelo gosto (autoritário e de viés unilateral) e pelo mercado da música, que colocam essa chamada “qualidade” como pressuposto das camadas de comercialização.

        No Brasil e no mundo periférico, essa classificação vai além, serve como distinção cultural, label para a criação de hierarquias culturais, ou seja, os ricos têm bom gosto e os pobres têm péssimo gosto!

        Assim um idiota como João Gilbero canta algo como o “pato vinha cantando alegremente quén, quén” e é tido como gênio do mistério sincopado, e um funkeiro que usar tamanha rusticidade lírica, partindo dos elementos presentes no seu ambiente de culturas, é chamado de apologista do sexo e das drogas.

        James Brown é gênio que canta “shake your money maker” ou Sex Machine (alusões a bunda, recompensa por favores sexuais e etc.) e o adoramos, mas JoJo Todynho tem sua bunda censurada.

        Questão de “qualidade”? Sei lá, acho que são coisas diferentes para usos diferentes. O mercado sabe disso, nós é que mordemos a isca.

        Mas o que escrevi não tem nada a ver com meu (des) gosto pela bosta nova (acho, de fato, horrível, com raras exceções).

        Meu comentário vai na linha do texto que lhe deu causa: O autor buscou dizer que esse ou aquele músico tem relação sociológica com o tempo (de de fato tem, e eu concordei com isso) que vive, e que representa (reifica) tal conjuntura com seu produto cultural (arte), intencionalmente dedicado a interferir nessa realidade.

        Bem, eu só narrei a incoerência do artista (Gil), que não é o que diz ser, ou o que diz cantar, e discordei da bosta nova como representação genuinamente independente da música (ufania típica) brasileira.

        Apenas citei que a bosta nova é isso, um trruque da classe média para dar cores pardas ao jazz.

        Blues não! Blues é outraaaaaaa coisa. Não tem nada a ver com a bosta nova, por favor, não fale isso que Robert Johnson ressuscita e refaz seu pacto na crossroad só para levar você para os quintos.

        A bosta nova é uma diluição de classe, uma fraude, nada além do que Carlos Imperial fez com o rock-a-billy e os cretinos da Jovem Guarda.

        Quem seria o John Coltrane da nossa bosta nova?

        Quais foram os negros (já que a tese é da “miscigenação” com o morro) que chegaram ao topo e dominaram o gênero?

        Nos EUA, fica clara a “evolução” musical proporcionada pelo jazz, que trouxe ao imaginário a compreensão de que negros poderiam fazer com instrumentos complexos muito mais do que aquilo que se esperava deles com violões improvisados e mandíbulas de burros dos primeiros bluseiros.

        Aqui os negros ficaram na “cozinha” (percussão para eles e só) da bosta-nova, como sempre!

        E enfim, reconhecer a “qualidade” de Wagner serve a que mesmo?

        Então vamos reconhecer as “qualidades” do enquadramento e dos planos de Riefenstahl, sua coerência roteirística, quando dava contornos de sétima arte ao horror?

        É isso?

        Se for bem executado ou bem criado, absolve-se do papel histórico?

        Arte então, é algo que merece ser julgado por si?

        Uau. 

  3. Bem, Conde (como era de se

    Bem, Conde (como era de se esperar pelo título ufanista), surfa na defesa de uma música inexistente na práxis política e sociológica.

    A começar pelo repertório escolhido – Bossa Nova ‘for gringos, com pinceladas pardas de negritude, chega-se ao decantado Gilberto Gil, o precursor do Teatro Mágico e suas pretensões literárias compostas por trocadilhos infames, temporalidades (”Pela Internet” remonta a um oportunismo somente aproveitável por professores de literatura fãs querendo ”transdisciplinarizar” suas aulas).

    O fato de Caetano estar (des)incluso no texto laudatório de Conde é sintomático. O filho de dona Canô, a despeito de presepadas homéricas (a última foi a faixa de apoio ao juiz Bretas – pô, Bretas!) tem sido muito mais interessante do que as jogralidades de trava línguas de Gil. O texto musical ou a prosa em jornalões por ái a fora denotam alguém produndamente alicerçado à arte a que se propõe e demonstra um distanciamento existencial pouco plausível em Gil.

    No mais, a própria historiografia de Caetano o isenta do oba-oba elitista tão ao gosto da (pequena) burguesia nacional. Suas parcerias com malditos – inclusive malditos ao quadrado como Odair José, -aquele que quis extrapolar, já não bastam elevadores exclusivos para elas, agora queriam músicas também?

    Caetano nunca foi unanimidade cultural a la DCE, foi espinafrado na Folha (sempre detestou jornalistas da Folha com seus ‘oclinhos e palidez” disse em entrevista), o que  lhe rendeu a pecha de pavão. Conhece como poucos a mídia, usando-a a seu favor e não com o tibitate conceitual dos bem pensantes. E para coroar seu existencialismo baiano, seus filhos frequentam a Igreja Universal.

    Neste texto que remonta a uma fanfic academicista, faltaram nomes como Elis, Belchior, gente oitentista como Cazuza, Renato…mas seira exigir demais para um texto não inédito. 

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