A nova orquestra de Minczuk

Da CartaCapital

A nova orquestra do maestro Minczuk

Alexandre Freitas 29 de junho de 2011 às 18:42h

A leitora Camila Valentim, comentando uma antiga publicação desta coluna, sugeriu-me que postasse um texto sobre a crise da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB). Há tempos vinha pensando em dividir algumas indignações e expectativas em relação àorquestra carioca.

O que deflagrou este texto, entretanto, foi uma simples visita no site da OSB na internet para conhecer a programação da sua tardia temporada. A primeira data com um programa sinfônico é o dia 10 de agosto. Deduz-se que se trata da abertura da temporada. Em um segundo olhar percebo não constar o nome do regente do concerto e somente o da solista da noite: a talentosa pianista ucraniana Valentina Lisitsa.

Cada um dos seis concertos que se seguem serão regidos por dois regentes, Roberto Minczuk e Kurt Masur, algo nada usual, para não dizer extremamente raro na programação de grandes orquestras. Ao estranhamento seguiu-se a seguinte hipótese: o maestro se armou do célebre regente alemão para legitimar sua competência artística e proteger-se de prováveis vaias.

Quanto ao primeiro concerto, também para escapar das vaias, o regente titular não divulgou seu nome. Interessante observar que, desde meados de maio, no auditório do BNDES, no Rio, ocorrem concertos de música de câmara com músicos da OSB, divulgados como concertos da OSB, no site do banco público. O leitor deve concordar que um concerto com músicos de uma orquestra não é necessariamente um concerto sinfônico. E mais uma hipótese emerge: a direção da orquestra carioca dissimula o início da temporada para dissipar um pouco a luz dos holofotes da opinião pública.

Para o leitor aquém da recente história da OSB, um resumo da ópera. Durante as férias dos músicos, em janeiro passado, os músicos foram comunicados de que seria feita uma avaliação de cada um deles. Boa parte do corpo orquestral se recusou a passar por tal prova. O conselho da orquestra tentou uma negociação, mas não cedeu quanto à realização da avaliação. Resultado: 33 músicos demitidos por justa causa. Os instrumentistas tinham fortes razões para acreditar se tratar de um pretexto para demiti-los. Há tempos a relação entre o maestro Roberto Minczuk e sua orquestra estava desgastada. Em 2008, a unanimidade do corpo musical formalizou um pedido de afastamento do maestro, que foi rejeitado pelo conselho da orquestra.

Minczuk, ao invés de trocar de orquestra, quis trocar a orquestra.

Dia 9 de abril de 2011. Concerto com a OSB Jovem. Entram os músicos. Aplausos. A orquestra se afina. Entra o regente. Vaias e mais vaias. Nada mais raro no Theatro Municipal do Rio de Janeiro ou em qualquer outra sala de concerto no Brasil. A grande maioria da orquestra se levanta e deixa Minczuk a receber o uivo convicto da plateia carioca. Afinal, a vaia era para ele e os músicos que restaram, dizem, eram justamente aqueles que foram contratados para substituir os que se recusaram a subir ao palco sob direção do maestro em questão. Enquanto isso, os instrumentistas demitidos manifestavam seu desagrado  na praça da Cinelândia, em frente ao Theatro, com os instrumentos em punho. O concerto que não aconteceu produziu inúmeras ressonâncias, de blogs na internet a noticiários da tevê, de mobilização do sindicato do músicos à tentativas de intervenção da ministra da cultura Ana de Holanda.

Pouco tempo depois da demissão em massa, a Fundação OSB divulgou um concurso para contratação de novos músicos.  Esse processo seletivo se passou no Rio, em Londres e em Nova Iorque e 21 vagas foram ocupadas no fim do mês passado. Detalhe: mais de cem músicos inscritos não compareceram às provas, provavelmente por conta do pedido de boicote da Federação Internacional dos Músicos e como consequência das repercussões negativas da crise de maneira geral.

Minczuk argumenta que, como os salários tiveram aumento considerável, –para entre R$ 9,3 mil e R$ 11,3 mil – é preciso que a dedicação dos músicos acompanhe proporcionalmente. Diz que os músicos demitidos não compareceram às avaliações por não estaremdispostos a uma maior entrega à orquestra. Visto a veemência das reações dos ex-membros da OSB, me parece mais plausível crer que o incômodo veio sobretudodo fato de terem de continuar a se submeter ao comando do maestro paulista. É bom lembrar que, até bem pouco tempo, o maestro dirigia simultaneamente três orquestras sinfônicas, sendo uma delas no Canadá. Especula-se que os proventos de Minczuk na OSB superem os 200 mil reais mensais.

Querendo fazer história,  em vez de aliar-se a ela, o maestro da OSB a rejeita. Acha que de uma suposta elevação do nível musical da orquestra virá sua redenção. Que o tempo mostrará que a razão estava com ele. Que seus detratores se envergonharão e se curvarão perante sua nova orquestra. Mas o maestro, que habilmente se relacionava com os patrocinadores e seu público, parece ter expandido todo mal-estar, antes restrito ao relacionamento com os músicos da OSB, para outras esferas do meio artístico ou não. Segundo a deputada federalJandira Feghali, Minczuk chegou a ir a ensaios acompanhado de seguranças armados. Até mesmo um dos apoiadores da orquestra, o jornal O Globo, publicou matérias reprovando o comportamento do maestro. No fim do mês de abril, os músicos demitidos e outros solidários à causa realizaram na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro um concerto manifesto, tendo como solista a pianista Cristina Ortiz. Nelson Freire, solista da OSB desde a década de cinquenta, declarou-se chocado com a demissão em massa e cancelou seus compromissos da temporada. Artistas do porte do violoncelista Antônio Meneses, da bailarina Ana Botafogo e do maestro Isaac Karabtchevsky, também reprovaram o comportamento do maestro e seus apoiadores. O violinista americano Joshua Bell cancelou o concerto que faria dia 27 de agosto ao lado de Minczuk.

Os solistas podem ser substituídos. Um novo público pode surgir. Talvez a nova orquestra de Minczuk venha inclusive a superar a Filarmônica de Minas Gerais ou a OSESP, quem sabe? Mas não haveria maneira mais humana de motivar os músicos e de elevar o nível da orquestra? E será que contratando novos e talentosíssimos músicos a OSB realmente brilhará? Pois é sabido que, para uma orquestra conseguir conquistar uma identidade em sua sonoridade, é necessário uma coesão fora do comum e o respeito à sua história. Um maestro que impõe sua autoridade pelo distanciamento, falta de diálogo, seguranças armados e que desrespeita o passado de uma orquestra estaria pronto para construir uma identidade e levar a OSB aos níveis de excelência internacional? Se a habilidade da direção musical de Roberto Minczuk for equivalente a uma terça parte de sua capacidade de gerar mal-estar, temos no cenário musical brasileiro o mais talentoso regente que nunca existiu.  Bravo maestro!

Edu Lobo se apresenta com os instrumentistas demitidos no Teatro Oi Casa Grande, no Rio de Janeiro, dia seis de julho, às 21h.

Luis Nassif

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