A realidade dos negros legitimada pela música

Por Nilva de Souza

A Realidade dos negros legitimada pela música

Blog Café Amargo
Em música, por fernanda pacheco

O RAP incorpora em si elementos e contextos que são extremamente relacionados com a vida dos negros no Brasil, e é uma linha tênue que carrega a vida social deles desde a chegada dos escravos no país, carregando a legitimação da dura realidade que os acompanha, principalmente no segmento juvenil.

143576-970x600-1.jpeg

Recapitulando o ano de 2012, cheguei à conclusão que eu tenho a obrigação de compartilhar com você o que eu aprendi de melhor e o que mais me modificou nos últimos tempos! Aprofundei-me nos estudos sobre a história e cultura afro-brasileira e cresci, simplesmente. Entre as ramificações da cultura afro presentes aqui no Brasil, o RAP foi um dos pontos que mais me atraiu, além do samba.
A realidade dos negros no Brasil é cruel, sim. Eu sempre bato na tecla de que a abolição deixou os afrodescendentes largados à própria sorte, tal como Alfredo Bosi já afirmou há um tempo, enquanto Nina Rodrigues (só pra citar um nome) dizia que os negros eram “naturalmente” inferiores, apoiando a ciência eugenista e o darwinismo social. A história já começa com a retirada da condição humana durante a escravidão, onde os europeus impuseram sua religião, seus costumes e seu modo de fazer história, enterrando as tradições africanas. Ora, era normal ver filósofos como Hegel (1770 – 1831) escrevendo em seu livro Filosofia da história universal coisas como:

“Não tem interesse histórico próprio, senão o de que os homens vivem ali na barbárie e na selvageria, sem fornecer nenhum elemento à civilização. Por mais que retrocedamos na história, acharemos que a África está sempre fechada no contato com o resto do mundo, é um Eldorado recolhido em si mesmo, é o país criança, envolvido na escuridão da noite, aquém da luz da história consciente. […] Não pode haver história.”

e mais:

“O negro representa o homem natural em toda a sua barbárie e violência; para compreendê-lo devemos esquecer todas as representações europeias. Devemos esquecer Deus e a lei moral.”

hegel.jpg
O filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel

A questão aqui não é dizer que o europeu foi mau e o africano bom, porque isso se trata de anacronismo, mas é algo relevante quando, por exemplo, alguém me pergunta por qual razão eu sou favor das cotas raciais ou quando alguém afirma que as religiões africanas como a Umbanda e o Candomblé são coisa do diabo – pra mim não há evidência mais clara que os rastros do eurocentrismo ainda existem entre nós. Isso dá muito pano pra manga, deixemos pra mais tarde.

Ok, mas por que o RAP? Eu poderia focar no samba que foi uma produção que sofreu muito preconceito no começo do século XX, mas tendo consciência de todo esse passado que é muito ignorado, consequentemente o RAP também sofre muito preconceito até hoje. Eu também tinha muito preconceito até que eu parei pra estudar sobre isso e descobri coisas boas, mas muitas coisas tristes também, o que possibilitou que eu esclarecesse pra mim por qual motivo eu devia respeitar muito o RAP como produção de um grupo social.

racionais-marighella.jpg
Racionais MC’s em cena do clipe Mil faces de um homem leal

Pra você ter uma noção, os estudos sobre isso só começaram a partir das décadas de 70 e 80 partindo dos problemas sociais da periferia como a falta de saneamento básico e as reivindicações sociais no geral – tudo isso muito presente na zona Leste de São Paulo, principalmente. Na década de 90 o cenário dos jovens mudou radicalmente por causa do aumento da violência urbana, das ações do narcotráfico, das rebeliões na FEBEM e dos grupos de extermínio. Isso contrastava com as produções artísticas como o grafite, as rodas de break e a música, elementos que representavam a juventude que vivia e vive essas situações. A conclusão de tudo isso é péssima: a violência passou a atingir mais ainda o segmento juvenil, e as principais causas de morte são os acidentes de transito, o suicídio e PRINCIPALMENTE o homicídio, o que gerou o chamado holocausto urbano. Foi justamente nessa época que os rappers passaram a registrar com mais frequência essa realidade e tenho que enfatizar que o RAP produzido no Brasil é divergente do RAP produzido nos E.U.A.

Segundo o IBGE, 80% dos jovens encontram-se nos centros urbanos e isso agrava ainda mais o problema, porque na faixa de 15-24 anos, 72% desses jovens estão morrendo pelas causas externas citadas acima. Sabe o que é pior? Quando o critério de avaliação é étnico-racial, a taxa de homicídios dos jovens negros é 74% maior do que a taxa de homicídios de jovens brancos, em qualquer estado do país! Por que será que isso acontece? Não, não é coincidência ou conflito do destino: é porque o Brasil é sim preconceituoso! Os negros representam o segmento mais frágil de nossa sociedade e isso é indiscutível. Cometem crimes? Cometem. A violência ai tornou-se algo impossível de se controlar, mas infelizmente numa entrevista de emprego para recepcionista, certamente escolherão uma moça branca e não uma negra. Gente, isso é fato e isso acontece nos grandes centros urbanos! A vida não é cor-de-rosa.

Esse cenário que eu acabei de mostrar é chamado de “zonas de guerra”, que no começo da industrialização de SP era possível de se diferenciar das regiões nobres, mas atualmente, com a quase estagnação da urbanização da cidade, está se aproximando cada vez mais e se misturando com esses locais mais ricos. E é por isso que a mídia e o governo começaram a se movimentar só agora em relação às várias mortes que estão acontecendo e que SEMPRE aconteceram. Antes de alcançar os centros nobres, os bares sofisticados e afins, o descaso com a periferia era imenso. Um amigo certa vez me disse: “As pessoas me perguntam se eu não tenho medo de andar lá na periferia e eu respondo que não porque isso sempre aconteceu por lá. Já vi vários amigos morrendo ao meu lado e o que está sendo divulgado agora pela televisão não me surpreende.”

É ai que o RAP entra para legitimar essa história e pra ser o porta-voz dos jovens, principalmente os negros. Os rappers tornaram-se os narradores dessa história toda, como o Mano Brown e os Racionais Mc’s que são a relação imediata quando pensamos nisso. Não, eu não sou uma conhecedora profunda do RAP em si, não sou fanática pelas músicas, peço até desculpa por não citar mais rappers que são conhecidos entre esse pessoal, mas particularmente ouço muito o Criolo e respeito DEMAIS os outros que partilham dessa vida. Vale reforçar que o RAP tomou uma proporção nacional, tendo o GOG lá em Brasilia e o Rapadura Xique-Chico lá do Ceará que faz uma mistura absurda com a música tradicional do nordeste, fora o Emicida que também está sendo bastante divulgado (só pra citar alguns exemplos).

O que eu mais questiono é por que diabos a televisão coloca no horário nobre um personagem do Zorra Total retratando uma mulher negra como algo feio, pobre e analfabeto em vez de divulgar o que o pessoal afrodescendente anda produzindo e colaborando com a nossa sociedade. E pra quem acha que um personagem não influencia em nada, eu acredito que seja necessário compreender que as instituições são as responsáveis pela constituição de uma pessoa – se uma criança de 5 anos assiste aquilo, ela consequentemente irá se ver retratada ali. É FATO. E eu sou favor das cotas raciais por um motivo: quem é racista dificilmente deixará de ser, com ou sem cotas, porque pra isso acontecer a solidariedade deve ser alcançada no máximo. Aprendi que devo me preocupar com quem sofre o preconceito. Vivemos em uma sociedade dotada de instituições inconsequentes, mas ora, quem se importa não é mesmo?

Para ler:
Juventude e Segregação urbana na cidade de São Paulo: os números da vulnerabilidade juvenil e a percepção musical dos rappers de José Carlos Gomes da Silva.

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador