A rede cultural brasileira no exterior

Este texto faz parte do livro “identidades culturais no Brasil Contemporâneo”, BHStudio books, organizados pelos professores Marcos Rizolli e Maria Aparecida de Aquino.

A rede cultural brasileira no exterior

A experiência do Instituto Brasil-Itália de Milão

A cultura e a arte trazem consigo a possibilidade de suscitar e criar os sentimentos e as emoções humanas.  Suas ações espaceiam em um campo que vai do privado ao público, do popular ao erudito, do infantil ao adulto, do nacional ao internacional, da simplicidade à complexidade. Essa abrangência de ação não impede a sua presença ativa e concreta no tempo e no espaço social. Seus reflexos saltam aos olhos no dia-a-dia de cada um, de toda comunidade, de qualquer país. As manifestações culturais e artísticas podem ser entendidas como ações fundamentais no processo formativo dos indivíduos e dos povos, pois que incorporam em si os conceitos democráticos de cidadania e de inclusão social. O acesso de modo livre à arte e à cultura pode ser um fator importante para a autoestima do cidadão, para a projeção de uma nação.[1]

Neste sentido, a cultura e a arte têm um papel dentro da política de um Estado, não somente ao interno das fronteiras nacionais, mas também ao externo, no interior de outros países. Neste sentido, elas se concretizam no plano institucional através de diversos agentes e de diversos instrumentos: ministérios, universidades, institutos e centros culturais, fundações, acordos, convênios, promoções.

O objetivo deste artigo é analisar a atividade recente de um desses agentes no âmbito da cultura brasileira: o Instituto Brasil-Itália de Milão (IBRIT).  Ao fazê-lo, pretende-se mais problematizar o próprio conceito de cultura aplicado a um estudo de caso, e menos relatar a série de eventos realizados nos últimos sete anos, sem deixar, contudo, de mencioná-los. Pretende-se também abrir uma janela crítica à reflexão da política cultural do Estado brasileiro no exterior, à realidade cultural das comunidades de imigrantes brasileiros, às reais possibilidades de acesso do cidadão brasileiro residente fora país ao panorama cultural do Brasil atual e em que modo uma política cultural poderia ser compartilhada entre o Estado brasileiro, através dos seus representantes institucionais (Itamaraty, Minc, Mec), e os brasileiros no mundo afora.

O tema é amplo e o espaço é pequeno. Mas nem por isso deve ser eludido.

         O IBRIT: um pouco de história

O IBRIT foi fundado em 1997 pelo Consulado Geral de Milão. Substituía o antigo centro cultural criado em 1962 e fechado durante o governo Collor. A intenção era criar uma associação privada italiana, com caráter jurídico independente do Estado brasileiro, que pudesse atuar na captação de recursos financeiros no mercado italiano e, portanto, tornar-se autônomo financeiramente da União. A criação dos Institutos era uma política global de privatização do governo de então. Vários centros de estudos foram transformados em Institutos e Fundações, principalmente na América Latina. Na verdade, até 2003, o IBRIT dependia quase que exclusivamente dos recursos enviados pelo governo brasileiro, ou seja, 77% da sua renda provinha do dinheiro público. Existia uma situação de escassa participação da comunidade de imigrantes e de total dependência financeira do Itamaraty. O Instituto teve que recorrer algumas vezes a Brasília para fechar suas contas. Em Abril de 2003 o IBRIT estava paralisado e sem perspectivas de assinar um novo Convênio pois as prestações de contas de 2002 encontravam-se atrasadas.

Além do problema administrativo havia, sobretudo, um problema conceitual de estratégia. Por um lado, o IBRIT subestimava a existência um campo cultural em expansão de músicos populares e eruditos, capoeiristas, fotógrafos, bailarinos, artistas plásticos brasileiros, professores que residiam na Itália e que cumpriam uma função importante de divulgação do Brasil, principalmente da denominada cultura popular. Este campo cultural tinha contato direto com a comunidade brasileira, que com os anos aumentava, e mantinha uma relação dinâmica com o campo cultural italiano, onde atuava e reivindicava a sua própria legitimidade cultural.[2] Os representantes desse campo de imigrantes propuseram-se diante dos associados do IBRIT e do Itamaraty e foram eleitos à direção do Instituto.

Por outro lado, o IBRIT não conseguia estabelecer uma ponte com as várias vertentes artísticas e culturais que emergiam na sociedade brasileira, por privilegiar principalmente alguns setores ligados ao Design e a Arquitetura. Com essa afirmação não se quer desmerecer a importância que teve a organização das várias edições da Mostra “Brasil faz Design”, durante o prestigioso Salão do Móvel em Milão, onde diversos talentos do design brasileiro revelaram-se e construíram uma relação com um mercado à vanguarda mundial do setor. O que se quer reforçar é a consideração que as novas contingências exigiam do Instituto processos pluralísticos de negociações com os vários agentes que surgiam, indagando sobre novos espaços de trocas entre novas identidades, em uma arena política onde interesses diversos dialogavam e se contrapunham.[3]

Era insuficiente também uma visão de diplomacia cultural que valorizava somente o aspecto da representação. Esse ponto de vista quase sempre revelava uma imposição passada através de uma sociabilidade artificial – o rumor dos salões de coquetéis – em detrimento do conteúdo simbólico potente da reciprocidade entre culturas. Um entendimento dinâmico mais estritamente diplomático, o saber ouvir os vários sons que porventura venham do outro lado, como uma das funções essenciais para a ação do Instituto.[4]

         Novo paradigma

O ponto de partida para a construção de um plano de trabalho da nova diretoria, que assumiu em 2003 um IBRIT com 50.000 euros de dívidas, foi o histórico discurso de posse de Gilberto Gil como ministro. Ali se fixava o conceito das ações ministeriais entendidas como exercícios de Antropologia aplicada:

Cultura como tudo aquilo que, no uso de qualquer coisa, se manifesta para além do mero valor de uso. Cultura como aquilo que, em cada objeto que produzimos, transcende o meramente técnico. Cultura como usina de símbolos de um povo. Cultura como conjunto de signos de cada comunidade e de toda a nação. Cultura como o sentido de nossos atos, a soma de nossos gestos, o senso de nossos jeitos”.[5]

Nesta perspectiva, o trabalho do IBRIT ampliava-se. Transcendia o aspecto de difusão do idioma, do seu patrimônio, da exposição de obras  e se propunha a incorporar para si o papel de criar condições ao acesso dos bens simbólicos, de proporcionar condições para que a produção de bens culturais da comunidade brasileira local encontrasse um espaço condizente para a sua expansão.

         O primeiro cartaz

Tenho diante de mim, o cartaz que anunciava para o mês de junho de 2003 a primeira programação organizada pela nova diretoria. Trazia uma foto sorridente de Chico Buarque, personagem do mês, no espetáculo “Paratodos”. Apresentava uma mostra com alguns objetos de seguidores do Mestre Vitalino, propriedade do Instituto; um encontro com mestre popular de São Luís, Alberto Euzamor, de passagem por Milão; uma atividade para crianças baseadas no musical “Saltimbancos”; uma palestra sobre a poesia de Camões proferida pela representante do escritório diplomático de Cabo Verde na cidade; um concerto de dois válidos músicos brasileiros locais com o repertório de Chico Buarque; a projeção do DVD “As cidades”, com os comentários com a principal jornalista radiofônica brasileira da Itália; um encontro aberto sobre Guimarães Rosa realizado de uma professora com os alunos do Instituto; e encerrava com a projeção do filme “Bye, Bye Brasil”, de Cacá Diegues. Trazia também a cerimônia de apresentação da nova diretoria.

        Olho o cartaz com emoção. Nele enxergo, além do elegante toque gráfico de Eliane Piccardi, a artista brasileira que até hoje cuida da imagem do Instituto, as linhas que nortearam nos últimos sete anos a atividade do IBRIT: a participação intensa dos agentes culturais brasileiros locais; a tentativa de estabelecer contatos com os filhos dos imigrantes; a presença do corpo docente na programação; o cinema brasileiro como propagador da luz de um debate criativo sobre a radicalidade social; a cultura popular do Brasil, não como expressão de um nacionalismo estático, e sim como emissora de mensagens novas – de sincretismos, de diversidades, de multiplicidade semiótica, de convivências de opostos – importantes no contexto da globalização.[6]

Olho o cartaz também com humildade. Nele enxergo as tentativas frustradas pela ausência de compreensão mais processual da refundação de um Instituto: a pressa em definir uma clara linha de atuação sem ter ainda as habilidades necessárias para a avaliação dos resultados alcançados; uma certa megalomania da realização – em 15 dias preparamos uma programação mensal de nove eventos! – sobrecarregando os recursos humanos e roubando tempo à meditação de um planejamento mais detalhado, aprofundado e compartilhado; a necessidade de autoafirmação e de brusca ruptura com o passado – verso un nuovo IBRIT -, sem penetrar ou entender detalhadamente os aspectos bons e ruins da herança recebida.

                   Parcerias, colaborações, manifestações

O cartaz não evidencia, entretanto, a caraterística principal que orientou a atividade do IBRIT a partir de 2003: as parcerias e colaborações com associações e instituições locais e brasileiras na realização de manifestações culturais permanentes. Começarei com aquela que já atingiu sete edições: Orumilá Zumbi.

1. Orumilà Zumbi foi idealizado em 2003 como cooperação entre o IBRIT e as diversas associações locais lideradas por brasileiros e comprometidas com a difusão da cultura afro-brasileira. Realizada durante todo o mês de Novembro, onde se comemora o dia nacional da consciência negra, seu escopo principal era a criação de um espaço permanente de reconhecimento da contribuição fundamental dos africanos e seus descendentes à cultura brasileira. Desde do início, buscou-se a articulação com entidades brasileiras. Na sua primeira edição, Orumilá Zumbi contou com presença de Oriel Rodrigues, da Associação Quilombola-Ivaporunduva do Vale da Ribeira e primeiro advogado das comunidades que completou seus estudos superiores com a contribuição da Associação Humanistas no mundo da Itália. Foi esta associação italiana que colocou, também, o IBRIT em contato com o Instituto Social Ambiental de São Paulo que, em seguida,  enviou-nos a exposição de painéis sobre a região, que abriu o evento.

Durante esses anos, importantes estudiosos e artistas  passaram por Orumilá Zumbi e foram ativadas colaborações com diversas instituições italianas e brasileiras, entre elas: Fundação Cultural Palmares, Academia Capoeira de Angola do Mestre Baixinho, Associação Cultural Mitokasamba, Escola de Samba Feliz da vida, Centro de Cartografia Aplicada e Informação Geográfica da Universidade de Brasília, Universidade Estadual Feira de Santana, Università Cattolica del Sacro Cuore di Milano, Liceu de Artes e Ofícios da Bahia,  Università degli Studi Milano-Biccoca, Laboratório de Etnologia e Sociologia Comparada de Paris – Nanterre, Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia etc. Todos esses anos, no tradicional Arrastão de Zumbi, capoeiristas, dançarinos, percussionistas das associações locais ligadas à cultura afrobrasileira desfilaram pelas ruas do centro de Milão  atraindo um público numeroso e interessado. Com cerca de 200 eventos e mais de 57.000 participantes em suas sete edições, Orumilá Zumbi  constituiu um elemento de destaque do trabalho desenvolvido pelo IBRIT.

A principal contribuição teórica da manifestação foi trazer para Milão o debate livre entre estudiosos e pesquisadores brasileiros e europeus sobre as questões ligadas às quotas e ao Estatuto da igualdade racial recentemente aprovado no Congresso Nacional e promulgado pelo Presidente da República, acompanhando um tema crucial da contemporaneidade brasileira. É intenção do Instituto publicar o mais breve possível esse material.

2. Outro destaque da programação do Instituto tem sido a Mostra de Cinema Contemporâneo que esse ano alcançou a sua 5°. edição. Os principais patrocinadores do evento são a Prefeitura de Milão, através da sua assessoria de cinema, o Ministério das Relações Exteriores através do Consulado Geral de Milão, as linhas aéreas brasileiras (Varig e depois TAM) e as diversas casas produtoras cinematográficas brasileiras. O objetivo da Mostra é revelar um país em contínua transformação: um olhar radical sobre o desenvolvimento desigual e combinado do seu tecido social. Um olhar não indulgente com a realidade mas sempre atento a encontrar lumes de sentimentos autênticos em situações limites do espaço público da modernidade urbana contemporânea. Aqui também a diversidade de propostas e as linguagens artísticas múltiplas do cinema brasileiro atual constroem um diálogo profícuo com um público, sem o peso ideológico de uma ‘escola’, como ocorreu com o ciclo histórico do Cinema Novo.

Uma parte importante da organização das mostras de cinemas foi a criação de um importante acervo de DVDs na Biblioteca José Mindlin do IBRIT e a formação de um grupo consistente de aficionados entre os sócios e alunos. Os empréstimos nesse setor alcançaram a média de 500 unidades por trimestre. A última edição da mostra contou com uma presença diária de mais de 200 espectadores pagantes.

O lugar comum incomum

Como toda organização que opera no campo cultural, o IBRIT teve que aprender a caminhar entre e com a experimentação e a ambiguidade, entre e com o novo e o estereótipo, entre e com o singular e o plural, entre e com a radicalidade e o exótico. Mesmo porque a participação dos indivíduos com a sua cultura é sempre limitada e nenhuma pessoa é capaz de interagir com todos os seus elementos constitutivos.[7] Um instituto cultural não poderia estruturar suas atividades só para um segmento de público, sob pena de transformar-se em clube reservado a poucos. A organização, em 2005, de um mês dedicado à lembrança do  cinquentenário do desaparecimento precoce de Carmen Miranda talvez possa ajudar a comprender os diferentes pontos de vista do “caminho do meio”.

A ideia veio de uma sócia, Margot Minelli, grande fã da artista. Como os contatos com o museu Carmen Miranda não foram adiante, obtivemos o apoio de um dos biógrafos da cantora, Iberê Magnani, com fotos e objetos originais da grande cantora, e concordamos a sua vinda a Milão para palestrar a respeito. Através de um cartaz de época, reconstruímos a passagem de Carmen pela Itália em 1954. Pesquisamos nos arquivos dos teatros em Milão, Roma e Palermo. Várias fotos inéditas foram encontradas em Milão e Palermo. Havíamos um fato que revestia a comemoração de um novo significado, que a aproximava da contemporaneidade, o que tornava mais fácil encontrar uma chave de leitura do evento. Trabalhamos com a famosa frase de Décio Pignatari, “o lugar comum incomum”, para desconstruir a imagem de exotismo ligada à ícone de Carmen Miranda e reconstruí-la, conectando-a às trilhas do pop contemporâneo (quem mais ‘Bombshell’ que Madonna?) e do fashion design tropical. A apresentação do evento trazia uma afirmação que reprocessava o mito na atualidade:

“Qual é, então, o legado de Carmen Miranda  à cultura brasileira contemporânea? O seu sucesso, o seu extremo profissionalismo e a sua atualidade indicam-nos um dos caminhos possíveis a ser trilhado: a indissolubilidade entre o musical e o visual, entre a festa e o ambiente, entre a explosão do ritmo e explosão da cor, para além dos estereótipos e das simplificações, para além do futuro”. [8]

                   Interdisciplinariedade

É necessário destacar um aspecto fundamental da vida de um Instituto Cultural: a sua natureza interdisciplinar. Não é somente uma escola de idioma, ou uma galeria de arte, ou um cine clube, ou uma biblioteca ou um ponto de encontro entre compatriotas fora do país. E não é também tudo isso junto. É mais.

Seus vários planos se intercalam e geram novas formas e novos conteúdos. Aqui serve a lição de Roland Barthes no Collège de France:

Para fazer alguma coisa de interdisciplinar não basta escolher um “sujeito” (um tema) e juntar duas ou três ciências. A interdisciplinariedade consiste em criar um novo objeto que não pertence a ninguém”.[9]

Conservando as devidas proporções com o ensinamento de Barthes, atinente ao campo acadêmico, os exemplos da construção dessa interação foram extraordinariamente numerosos durante esses sete anos. As palestras em português proferidas pelos professores do IBRIT sobre temas da programação de eventos representam um modo novo de difusão do idioma, como um recurso didático inovador. Um lançamento da  tradução do livro de Luiz Rufato foi o motivo para uma exposição de desenhos de um jovem ilustrador gaúcho e em consequência a apresentação da coleção Livros do Mal dos autores jovens de Porto Alegre. O trabalho do fotógrafo Fernando Lombardi sobre a diversidade dos brasileiros revelou-se um motor de agregação e de identidade dos imigrantes e causou um incremento significativo de adesões na comunidade Orkut patrocinada pelo Instituto, hoje com mais 700 inscritos. As festas juninas servem tanto como integração entre os alunos italianos e a comunidade brasileira quanto são uma ótima possibilidade de arrecadação de fundos e de divulgação da cultura brasileira. Trabalhar com esses vários planos é a constante tentativa de recriar um objeto diverso: um Instituto cultural brasileiro no exterior.

A simplicidade dos exemplos serve a demonstrar que lidar com o conceito de cultura é mais negociar significados do que estabelecer parâmetros rígidos. É considerar cultura como construção, ressaltando o caráter processual, polissêmico, descontínuo, inventado e contratual.[10]

O intercâmbio com o Mackenzie

Foi com o intento de manter ancorada a atividade do Instituto à contemporaneidade cultural brasileira que iniciou-se a colaboração com o programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie. O contato foi estabelecido na realização da mostra “Design Possível”, uma colaboração entre o Mackenzie e a Universidade de Florença, hospedada pelo Instituto em abril de 2005, durante a realização do Salão do Móvel. Para o Instituto era a princípio um modo de, passada a colaboração com “Brasil faz design”, de buscar laços com novas tendências e novos talentos do Design paulistano, além de estimular uma cooperação acadêmica entre o Brasil e a Itália.

O sucesso da exposição e a qualidade do contato ampliaram as perspectivas de um trabalho comum. O que o programa de Pós-Graduação oferecia ao IBRIT era bem mais que a possibilidade de uma frequentação com a realidade artística acadêmica paulistana atual. Era a exequibilidade de uma relação formativa. Além da curadoria de mostras no espaço expositivo do Instituto, o Departamento garantia no tempo uma série de seminários abertos ao público que, sobretudo, envolviam a equipe de colaboradores do Instituto. Um feedback necessário para uma associação  que contava com uma atividade frenética na organização de eventos, além de uma atividade didática constante com mais de 400 alunos inscritos nos cursos de idioma e cultura brasileira. Uma associação, até então, muito descuidada ao aprimoramento teórico de sua atividade. Um centro ou instituto cultural no exterior corre sempre o risco de restar defasado do movimento cultural de seu país de referimento. Os imigrantes também correm esse risco. Estes seminários foram sempre ancorados em uma ação prática, com uma condução metodológica  informal mas criteriosa pelo professor Marcos Rizolli, que hoje deságua na colaboração e no lançamento deste volume.

A novidade revelou-se justamente em antever em um instituto cultural no exterior não somente um espaço a ser utilizado mas, principalmente, um espaço a ser construído. A originalidade estava na percepção que uma política cultural, dentro e fora do país, ultrapassava o campo ministerial e diplomático e que poderia abranger outros agentes culturais. A inovação foi formentar esta ação de forma clara e decidida, sem contrapor os inevitáveis entraves burocráticos à concretização dos sonhos ou os resultados quantitativos à qualidade da formação ministrada.

Conclusão

Pode-se afirmar que a cultura trata da rede e que a sua configuração não se dá em um espaço externo, mas sim como um instrumento de definição e de construção de mundos possíveis dentro de um processo histórico e político.[11] Tenho consciência que o campo cultural brasileiro, nos últimos anos, expandiu-se de maneira notável. De 1994 a 2008 aumentou a sua participação no produto interno bruto de 0,8 a 4%. De 2003 a 2008 a captação de recursos através da lei Rouanet passou de 300 milhões  a 1 billhão de reais. Assim como tenho consciência que esta expansão foi acompanhada de uma consolidação importante da política cultural pública, a partir do discurso de posse de Gilberto Gil, pela realização das Conferências Nacionais de Cultura de 2007 e 2010 que culminou na elaboração de um Plano Nacional de Cultura.[12] Tenho consciência também que muitos passos precisam ser dados para a inserção dos centros e institutos culturais brasileiros no exterior nesse amplo processo de mobilização e mudanças,  para que essas conquistas sejam incorporadas como suas pelas comunidades brasileiras no exterior. A cultura brasileira, certamente, tem a algo a dizer no novo panorama mundial  e  pode também contribuir a reforçar a inclusão cultural dos nossos compatriotas que vivem fora do país.

Na prática quotidiana uma rede deve ser interpretada através a negociação e o compartilhamento de novos significados que adquirem uma forte valência simbólica, como a edição deste livro que estreita a profícua colaboração entre o Departamento de Pós Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo e o Instituto Brasil Itália de Milão, distinguindo-se , também, como um ato de cidadania cultural.

Marco Antonio Ribeiro Vieira Lima. Sociólogo e músico. Diretor executivo do Instituto Brasil Itália de Milão.


[1] Ricardo Ribenboim, “Cultura e responsabilidade social in Políticas Culturais, vol I,  Leonardo Brant (org) – Manole, Barueri, SP, 2003.

[2] Pierre Bourdieu, “Campo Intelectual e projeto Criador”, in Problemas do Estruturalismo (vários), Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1968.

[3] Roberto Malighetti, “Le magie della cultura”, in Sviluppo e Organizzazione, Janeiro-Fevereiro 2004, n° 201, pag 26-27.

[4] Edgar Telles Ribeiro, “Diplomacia Cultural: seu papel na Política Externa Brasileira”, Fundação Alexandre Gusmão, Brasília, 1989.

[5] Gilberto Gil, “Discurso na solenidade de transmissão do cargo”, Brasília, 2003.

[6] Gilberto Gil, idem.

[7] Roque de Barros Laraia, “Cultura: um conceito antropológico”, 17 edição, Jorge Zahar Ed, Rio de Janeiro, 2004.

[8] Marco Antonio Ribeiro Vieira Lima, “Carmen Miranda: ritmos e imagens”, apresentação da mostra de mesmo nome realizada no IBRIT, Milão 2006.

[9] Roland Barthes, Giovani Ricecartori, 1984.

[10] Roberto Malighetti, op.cit.

[11] Roberto Malighetti, idem.

[12] Laymert Garcia dos Santos, “A transformação da paisagem cultural brasileira”, Revista Cult, 2010.

Redação

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