Blues fúnebre, de W. H. Auden, por Nelson Ascher

Sugestão de Gilberto Cruvinel

 

Detenham-se os relógios, cale o telefone,

jogue-se um osso para o cão não ladrar mais,

façam silêncio os pianos e o tambor sancione

o féretro que sai com seu cortejo atrás.

 

Aviões acima, circulando em alvoroço,

escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.

Pombas de luto ostentem crepe no pescoço 

e os guardas ponham luvas negras como breu.

 

Ele era norte, sul, leste, oeste meus e tanto

meus dias úteis quanto o meu fim-de-semana,

meu meio-dia, meia-noite, fala e canto.

Julguei o amor eterno: quem o faz se engana.

 

Apaguem as estrelas: já nenhuma presta.

Guardem a lua. Arriado, o sol não se levante.

Removam cada oceano e varram a floresta.

Pois tudo mais acabará mal de hoje em diante.

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Funeral blues

 

Stop all the clocks, cut off the telephone,

prevent the dog from barking with a juicy bone,

silence the pianos and, with muffled drums,

bring out the coffin, let the mourners come.

 

Let airplanes circle moaning overhead

scribbling on the sky the message: he’s dead.

Put crepe-bows round the white necks of the public doves,

let the traffic policemen wear black cotton gloves.

 

He was my North, my South, my East and West,

my working week, my Sunday rest,

my noon, my midnight, my talk, my song.

I thought that love would last forever; I was wrong.

 

The stars are not wanted now, put out every one.

Pack up the moon, dismantle the sun.

Pull away the ocean and sweep up the wood.

For nothing now can ever come to any good.

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https://www.youtube.com/watch?v=DDXWclpGhcg]
 

Funeral Blues – Four Weddings and a Funeral

Read by Matthew, as played by John Hanna.

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– W.H. Auden. [tradução Nelson Ascher . traduziu “Funeral blues”, de W.H. Auden, para a Folha de São Paulo, em janeiro de 1995. Essa primeira versão se encontra no seu livro Poesia alheia (Rio de Janeiro: Imago, 1998). Recentemente, ela a reviu e a modificou. Aqui a nova e ainda inédita versão.

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Fonte: 

FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). W. H. Auden – poeta inglês. Templo Cultural Delfos, setembro/2016. Disponível no link <http://www.elfikurten.com.br/2016/09/w-h-auden.html> (acessado em 14/04/2017)

 

Redação

1 Comentário

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  1. A tradução de Maria de Lourdes Guimarães

     

    A versão de Ascher tem uma qualidade poética muito boa e procura preservar todos os recursos formais do original, como as rimas. Mas como força das imagens, me agrada mais a versão da portuguesa Maria de Lourdes Guimarães.

    Tomo como exemplo a terceira estrofe. A repetição dos poessivos em

    ” Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu Este e Oeste,

    A minha semana de trabalho, o meu descanso de domingo,”

    reforça o tamanho de tudo que foi perdido. A MINHA meia-noite, a MINHA conversa. Não foi perdida qualquer meia-noite, qualquer conversa. Foi perdida a MINHA, aquela que só eu conhecia.

    A tradução feliz do penúltimo verso “Emalem a lua e desmantelem o sol” reduzindo os astros a acessórios de cenário para dar a dimensão da perda de sentido de tudo que a perda do amor acarreta.

     

    Blues Fúnebres

    Tradução de Maria de Lourdes Guimarães.

    Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
    Não deixem o cão ladrar aos ossos suculentos,
    Silenciem os pianos e com os tambores em surdina
    Tragam o féretro, deixem vir o cortejo fúnebre.
    .
    Que os aviões voem sobre nós lamentando,
    Escrevinhando no céu a mensagem: Ele Está Morto,
    Ponham laços de crepe em volta dos pescoços das pombas da cidade,
    Que os polícias de trânsito usem luvas pretas de algodão.
    .
    Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu Este e Oeste,
    A minha semana de trabalho, o meu descanso de domingo,
    O meio-dia, a minha meia-noite, a minha conversa, a minha canção;
    Pensei que o amor ia durar para sempre: enganei-me.
    .
    Agora as estrelas não são necessárias: apaguem-nas todas;
    Emalem a lua e desmantelem o sol;
    Despejem o oceano e varram o bosque;
    Pois agora tudo é inútil.
    .
    Abril 1936
    .
     

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