Bob Dylan: de radical a porta-voz dos conservadores

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Enviado por Aufeu

A transformação de Bob Dylan

Do Esquerda.Net

Ao longo da minha vida tenho visto em múltiplas ocasiões a evolução de muitas personagens que, sendo na sua juventude criticas com as estruturas de poder nos países em que vivem, acomodam-se mais tarde a estas estruturas, convertendo-se nos seus porta-vozes. Na realidade, esta evolução é muito comum. É tão comum que um ditado que se repete com grande frequência (sobretudo por vozes conservadoras) é que “quem não foi um radical contestatário na sua juventude não tem coração. Mas quem continua a sê-lo mais tarde, é porque não tem cabeça”. Isto ocorre em todas as áreas de atividade humana, inclusive entre os músicos. Um exemplo disto é Bob Dylan.

Bob Dylan, na sua juventude, foi um dos cantores mais críticos com o establishment norte americano. Foi, juntamente com Joan Baez, a voz do movimento estudantil anti Guerra do Vietname. Representava a cultura pacifista e anti sistema, muito generalizada nos campus universitários dos anos sessenta. Era um movimento iniciado pelos estudantes das universidades, que, na sua grande maioria, procediam das famílias com mais recursos nos EUA. Era, como a definiu Bruce Springsteen, uma cultura de privilégio, que se opunha e rebelava face ao establishment que dominava os seus pais.

Springsteen, pelo contrário, representava um movimento anti sistema com origem na classe trabalhadora, que questionava e criticava o narcisismo e hedonismo presentes entre os “flower children” de Berkeley e outros centros académicos. O conflito entre as duas culturas era uma espécie de luta de classes dentro do movimento anti establishment, tal como detalhei noutro artigo “O que não se disse em Espanha sobre Springsteen”, Público (28 de junho 2013). Os Estados Unidos, ao contrário do que se diz e escreve em Espanha, é um país onde a categoria de classe social é determinante para entender aquele país. E isso é válido na grande maioria dos componentes daquela sociedade, que vão desde a música até o desporto. Assim, os dois grandes desportos nos EUA são o basebol (com origem predominantemente na classe trabalhadora) e o “futebol americano”, que não é o futebol europeu, e sim uma espécie de rugby (com origem na classe média alta, que se iniciou nos campus universitários).

O final da liga de futebol americano foi no passado 2 de fevereiro, na Super Bowl, quando milhões de norte americanos passam quase todo o dia em frente à televisão. É um dos dias em que custa mais dinheiro pôr um anúncio na televisão, devido ao elevado número de telespectadores. Pois bem, o anúncio que criou mais surpresa e mais nojo entre as forças progressistas dos EUA foi um anúncio da empresa produtora de carros Chrysler no qual, com um chauvinismo ofensivo para muitos outros países, se indicava que, no que respeita a certos produtos de consumo, importantes mas não essenciais, os americanos podem depender de produtos estrangeiros (a cerveja feita na Alemanha, os relógios feitos na Suíça, ou os móveis que se produzem na Ásia). Mas já no que concerne a produtos essenciais como os automóveis, os melhores produtos são os americanos, aparecendo então a última versão dos carros Chrysler. E quem fazia o anúncio era nem mais nem menos do que o próprio Bob Dylan.

http://www.youtube.com/watch?v=KlSn8Isv-3M

O anúncio criou grande rebuliço e interesse (que era o que a Chrysler desejava), mas enojou muitíssimos norte americanos que estão cada vez mais fartos do chauvinismo americano. Assinalaram – entre outros factos – que 1) a Chrysler não é uma empresa americana, senão italiana. É propriedade da FIAT (antes tinha-o sido da Mercedes-Benz); 2) que os alemães fazem muito mais do que cerveja, inclusive automóveis mais eficientes e de maior qualidade que empresas norte americanas; 3) que os povos asiáticos estão hoje entre os mais avançados em áreas tecnológicas, e assim um longo etecetera. E, por certo, que o termo americano que se utiliza constantemente na linguagem quotidiana inclui a maioria dos americanos (que vivem no sul e centro, em vez do norte das Américas).

Bob Dylan, que tinha sido uma das vozes dos anos sessenta que denunciava o chauvinismo do establishment americano, converteu-se, anos mais tarde, no seu promotor e porta-voz. E esta evolução é definida pelos conservadores como “maturidade e utilizar a cabeça”, quando o que querem dizer é “abandonar os princípios para poder ganhar dinheiro sem nenhum tipo de escrúpulos”. A isto chamam maturidade. Entretanto, o nível de popularidade e respeito por Bob Dylan tem diminuído notavelmente nos Estados Unidos.

 

Artigo publicado por Vicenç Navarro no diário digital O PLURAL, 3 de março de 2014.

Tradução de Mariana Carneiro para o Esquerda.net

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

19 Comentários

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  1. Bob Dylan

    Eu não concordo. O Bob Dylan nunca foi porta voz de nada, ele mesmo disse em documentário.Ele sempre foi, focado i em sua carreira. Para ele, tanto fazia chamarem-no disso ou daquilo desde que ele alcançasse a sua meta.

    Eu sou fã da música dele.

  2. Bob Dylan

    Aqui como lá. O compositor de Vida de Gado, música muito utilizada pelos trabalhadores em protesto, deu essa semana uma declaração que causou uma brochada geral nos que acreditavam na mensagem de Zé Ramalho. Disse ele que o governo é chato porque vem equalizando as camadas populares, visto que viajem de avião está ao alcance de todos ,,,para desespero do Zé que não tem mais primeira classe nos voos, onde o povão se contenta com lanche bauduco.

  3. Bob Dylan

    “o nível de popularidade e respeito por Bob Dylan tem diminuído notavelmente nos Estados Unidos”.

    Não sei não, o Bob Dylan entrou no ano passado para a Academia Americana de Artes e Letras, muitas de suas músicas são ensinadas e estudadas nas escolas americanas. A Chrysler americana ainda detém as  marcas Dodge, Chrysler e Jeep

     

     

  4. Forçou a barra

    Acho que o texto até fala algumas verdades. De fato, o tempo recrudesce alguns espíritos os tornando o que politicamente pode ser identificado como conservadorismo. Antigamente, se dizia que velho ficava ranzinza. No Brasil, no que se refere à classe artística, temos exemplos claros disso. Talvez porque, na juventude, muitos deles tiveram que assumir posturas contraventoras seja por necessidade, seja porque, no Brasil sob ditadura, este era o caminho mais adequado a certo tipo de arte genuinamente transgressora como o teatro ou a música. O amadurecimento e inserção no status quo os tornou aquilo que, no fundo, sempre foram: pessoas moralmente, religiosamente apegadas a valores ditos conservadores.

    Mas não vejo isso no comercial da Chrysler, sinceramente. Quantos comerciais tem sido produzidos no Brasil exaltando a nossa melhor performance produtiva de jogadores de futebol, carnaval, cachaça, café, petróleo, biquini, sucos, etc? Quantas vezes em comerciais ironizamos, com bom humor, nossa criatividade frente a alemães perfeccionistas, japoneses e ingleses pontuais? Eles são bons nisso, nós somos melhores por improvisarmos, por sermos melhor adaptados ao improviso criativo, blá, blá, blá… Será que se um Chico Buarque ou um outro ícone de nossa MPB aceitasse fazer um comercial nestes termos acharíamos que eles teriam se tornado conservadores? Veja, falo depois de ver a peça publicitária e achá-la bastante simples e minimalista, até. Tem certo pendor nacionalista, mas isto é característica dos EUA. E tem mais, foi um comercial interno para um público tipicamente americano. Acho que a crítica à Bob Dylan, a partir do comercial, é injusta. Força a barra. Se ele tornou-se, ou não, conservador e manifestou, ou não, tal conservadorismo em outros momentos, isso é outra coisa.

  5. Bob Dylan sempre defendeu as

    Bob Dylan sempre defendeu as suas causas (as dele).

    Ele nunca teve o engajamento político ou ideológico como a própria Joan Baez, por exemplo.

    Não faz muito sentido cobrá-lo disto agora.

  6. Bob Dylan nunca foi de se

    Bob Dylan nunca foi de se engajar em grandes causas, quando tentaram fazer isso empunhou uma guitarra eletrica para desgosto do Pete Seeger, a própria joan baez diz isso no filme No Direction Home, como ele é um genio musical passou todas as fases de sua carreira construindo discos memoraveis, os primeiros de sua fase rebelde, os discos estranhos mas belíssimos de sua fase caseira, as obras primas de sua fase estrela nos meados dos 70, sua fase gospel, os classicos dos anos 80 e 90 e os ultimos tres discos; o homem tem um temperamento dificil, como quando veio aqui no hollywood rock e ficava pondo a mão na cara para não ser fotografado, quando o vi com o obama logo pensei que era bem melhor quando esses caras eram contra os governos do que queridinho deles, mas afinal niguem é totalmente perfeito.

  7. SE é só porque ele fez esse anúncio, o autor do tópico pirou

    Céus, nem foi um anúncio de cigarro ou de bebida, as pessoas têm que viver. Bob Dylan faz muito dinheiro com música hoje em dia? 

    1. Analú, concordo, as pessoas

      Analú, concordo, as pessoas pessoas precisam viver e ão é um anúncio de TV que as tornará demônios. Acho que uma das principais formas de evoluirmos é acaber com o mito da personalidade inta, que as pessoas mudam, o tempo muda. Isso também argumento, e como lembrou Barroso ao famigerado JB, é preciso discutir o argumento (mudanças dos tempos) e não a pessoa. 

  8. Fala sério, putz

    Bob Dylan está acima de tudo isso. Provavelmente ou talvez na maior parte do tempo, trata-se do maior artista da música popular do século XX. Quem falar qualquer coisa longe disso está errado desde o início.

    Sobre questões políticas, Dylan largou isso já nos anos 60. Ele só queria fazer som. O documentário do Scorsese expôs isso muito bem, ainda que retratando um certo tom crítico e melancólico em relação a isso. Mas Dylan continuou grande artisticamente, um músico muito respeitado.

    A leitura do filme do Scorsese é um tanto reticente em relação a essa mudança. Para mim foi algo como dizer que ninguém jamais poderá controlar ou colocar rédeas num artista visceral da magnitude de Dylan. Definitivamente, ele está acima disso.

    1. !!!!

      Argolo

      Claro que gosto não se discute , e Dylan é um dos grandes do séc. XX . Mas dizer que é o maior daquela época é uma forçação de barra igual à do post acima !

      Não sei o que vc entende por musica popular , mas e os  Beatles , os diversos musicos do Jazz como Duke Ellington , Nat Cole etc , o pessoal do Blues , como B. B. King e outos que revolucionaram a musica da época , além de outras maravilhosas bandas britanicas como o Pink Floyd que realizaram verdadeiras e extensas obras primas !

      E aqui no Brasil , gente como p. ex. Noel ( um gênio ! ) , Ari , Jobim , Vinicius , Caeteno , Gil etc , além de Chico ( um dos maiores artistas populares do mundo em todos os tempos ! ), cujas musicalidade e , principalmente , as letras , são muito mais sofisticadas e profundas que as de Dylan ! É só traduzir as deste ultimo e comparar com as do compositor carioca : é covardia , além do que Chico desfila por varios gêneros musicais ( samba , valsa , bolero , baião , jazz etc ) enquanto a musica de Dylan praticamente se restringe ao folk americano !

      Pelo amor de Deus , Argolo , o cara é bom , mas , menos , menos ….

       

       

    2. “Bob Dylan está acima de tudo

      “Bob Dylan está acima de tudo isso. Provavelmente ou talvez na maior parte do tempo, trata-se do maior artista da música popular do século XX. Quem falar qualquer coisa longe disso está errado desde o início.”

       

      Eu não entendo o que acontece nesse mundo virtual.
      Liberta as pessoas para se manifestarem sobre assuntos que desconhecem, sem o menor limite, pudor.

      Chegam a classificar um artista como o “maior do seculo”.

      E ainda afirmando que quem discordar esta errado.

      Seo Argolo, pelo amor de Deus, o Bob Dylan não passa de uma especie de sertanejo universitario americano, dos anos 60.

      No seu tempo e antes dele, nos EUA, Bilie Holiday, Louis Armstrong, Duke Ellligton, Count Basie, Miles Davis, John Coltrane, Charlie Parker, Thelonious Monk, Dizzy Gillespie, Charles Mingus, Max Roach, Art Blake, Lee Morgan, Stevie Wonder, BB King, Nat King Cole, Mal Waldron, Gil Evans e milhares de outros artistas ja tinham nos presenteado com obras que, pela importancia, durarão seculos.

      Isso tudo sem falar dos brasileiros, como Pixinguinha, João Gilberto, Baden, Jobim, Noel, Cartola, Ary Barroso, Caymi, Elizeth Cardozo e milhares de outros.

      Sem esquecer tambem os maravilhosos cubanos, como Omar Soza, Ray Barreto, Rubalcaba, Chucho Valdes,  Arturo Sandoval.

      Caro Argolo, se voce gosta de ouvir sertanejo universitario ianque, dos anos 60, tudo bem.

      Melhor ainda, porque não sendo seu vizinho, não sou obrigado a compartilhar de seu gosto musical.

      Mas modere-se um pouco em suas afirmações.

  9. Os tempos estão mudando… e todos com ele.

    Nada de patrulha ideológica. Alguns artistas têm posições políticas mais ou menos firmes, mas sua obra artística não precisa ter linha direta com isso. Dylan é a persona de um grande poeta da canção de língua inglesa. Provavelmente, o maior deles. E um milionário do show business, coisa que o deixa ainda mais longe de certas coisas. O que vai restar dele para sempre são suas canções, não suas ideias políticas ou o que se supõe que elas sejam. Sendo um poeta extraordinário, é porta-voz, sim, mas de tudo que está soprando no vento…

    [video:http://www.youtube.com/watch?v=vWwgrjjIMXA%5D

  10. Apaguem Joan Baez dessa foto!

    Não li os comentários acima, estou com pressa. Só vi que há comentário do Argolo, dizendo que Dylan é o maior músico do século XX. Argolo só diz asneiras, não para fazer piada, mas por tolo que é, ou toleirão, como nos dizia Machado. Estou comentando só porque vi Joan Baez na foto junto com Dylan. Por favor, Nassif, “absolva” Baez, ela foi uma das maiores cantoras de rock e sempre teve um lado ideológico definido, nunca ficou em cima do muro, nunca atucanou-se. Minhas homenagens à lider estudantil, à maravilhosa cantora/compositora Joan Baez.

  11. E então….

    Quanta besteira – ‘ A idealizaçao só leva à decepçao…”

    Se não idealizarmos, o que lnos restará? Zumbis alguns já são, e para ser franco felizes!!!

    Quanto ao artigo, só posso dizer que para mim, o Dylan foi, não é mais!!!!!! e não é nem pelo anúncio!

    É que os idolos, devem morrer jovens, senão ficam parecendo esqueletos ambulantes!!!!

     

     

  12. A verdade é que Bob Dylan, ao

    A verdade é que Bob Dylan, ao contrário de Joan Baez, Neil Young ou o imortal Peter Seger nunca foi ‘engajado’, nunca se preocupou com questões politicas. Ele mesmo se definiu como um ‘explorador musical’; ele explorou as possibilidades artisticas da musica folk no inicio da carreira sem se interessar muito pelo conteúdo politico.

    MAs a obra é sempre maior que o artista. A teoria do Gênio é falha, a arte reflete ideias, relações sociais, um momento histórico, independente da genialidade do autor em dar forma a ela. Bob Dylan pode ter se tornado um conservador mas o conteúdo histórico de sua arte é maior que ele e com certeza ficará para a história.

  13. GOD DYLAN

    Trata-se do maior artista de todos os tempos. Nunca houve ou haverá outro igual, nem nesse mundo ou qualquer mundo possível ou mesmo impossível…

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