Caetano e Gil

Durante anos o Dionísio Caetano ofuscou o Apolo Gil. Ambos têm talento excepcional, músicos completos, dominando a arte da composição, da letra, da interpretação. Mas, fora da música, Caetano era a avalanche, Gil a contemplação. Caetano, a inquietude; Gil a meditação, mais ainda depois que uma tragédia roubou-lhe m filho.

Nos anos 80, Caetano ousou criticar a linha musical do amigo, um patrulhamento estético permitido apenas aos super-músicos, como ele, mas não sobre super-músicos como Gil. E Gil aceitava, não como quem que sucumbe à uma personalidade mais forte, mas como o sábio que devota uma compreensão carinhosa aos arroubos do melhor amigo.

Internacionalmente, Gil conquistava platéias, Caetano, a intelectualidade. Junto com Chico Buarque e Milton Nascimento, mais do que eles talvez, deve ser o músico brasileiro mais cultivado pela alta intelectualidade mundial. José Serra uma vez me disse que Albert Hirchsmann, dos maiores economistas do século, ama Caetano como um fã adolescente.

Mas Gil tornou-se Ministro. Não apenas Ministro de uma pasta sem muitas pretensões, mas personalidade internacional. Com seus discursos zens, um tanto vagos, um tanto poéticos, como o velho sábio que saiu do encontro de economistas assobiando um choro brasileiro, Gil se tornou referência mundial. Encantou encontros de ministros com sua música e encontros de artistas com seu discurso. Enveredou pelo novo mundo digital e do direito autoral. Continuou conquistando não apenas as platéias internacionais, mas também o mundo intelectual; não apenas os saudosistas dos anos 60, como os internéticos do terceiro milênio.

E, aí, Dionísio desandou. Ele, que cantou como ninguém os ciúmes, sucumbiu aos ciúmes do sucesso do irmão, sentimento conhecido vulgarmente como inveja.

Mas Dionísio é gênio. E os gênios são perdoados, quando sucumbem, vez ou outra, à mesquinhez dos sentimentos humanos. Afinal, até nos defeitos os deuses são grandiosos.

Luis Nassif

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